Redescobrindo o Antigo Evangelho

j_i_packer_183Não há dúvida que o mundo evangélico de nossos dias encontra-se em um estado de perplexidade e flutuação. Em questões como a prática do evangelismo, o ensino sobre a santidade, a edificação da vida das igrejas locais, a maneira dos pastores tratarem com as almas e exercerem a disciplina. Há evidências de uma insatisfação generalizada com as coisas conforme elas estão, bem como de uma ampla incerteza acerca do caminho à frente. Esse fenômeno é complexo, para o qual muitos fatores têm contribuído. Porém, se descermos à raiz da questão, descobriremos que essas perplexidades, em última análise, devem-se ao fato que temos perdido nossa compreensão do evangelho bíblico. Sem o percebermos, durante os últimos cem anos temos trocado o evangelho por outro que, embora lhe seja semelhante quanto a determinados pormenores, trata-se de algo inteiramente diferente. Daí surgem as nossas dificuldades; pois o outro evangelho não corresponde às finalidades para os quais o evangelho autêntico, no passado, mostrou-se tão poderoso. O novo evangelho fracassa notavelmente e produzir reverência profunda, arrependimento sincero, verdadeira humildade, espírito de adoração e interesse pela igreja. Por quê?

Sugerimos que a razão jaz no próprio caráter e conteúdo deste novo evangelho, o qual não leva os homens a terem pensamentos centrados em Deus, temendo-O em seus corações; mesmo porque, primariamente, não é isso que o novo evangelho procura fazer. Uma das maneiras de declararmos a diferença entre o novo e o antigo evangelho é afirmar que o novo está demasiadamente preocupado em “ajudar” o homem a produzir em si mesmo paz, consolo, felicidade e satisfação, e pouco preocupado em glorificar a Deus.

O antigo evangelho também prestava “ajuda”; de fato, até mais do que o novo. Mas fazia-o apenas incidentalmente, visto que glorificar a Deus sempre foi sua preocupação primária. Era sempre e essencialmente uma proclamação da soberania divina demonstrada em misericórdia e juízo, uma convocação para os homens prostrarem-se e adorarem o Todo-poderoso Senhor de quem eles dependem quanto a todo bem, tanto no âmbito da natureza quanto no âmbito da graça. Sem qualquer ambigüidade, o centro de referência do antigo evangelho era Deus. Porém, no novo evangelho o centro de referência é o homem. Isso é a mesma coisa que dizer que o antigo evangelho era religioso de uma maneira que o novo evangelho não o é. Enquanto que o alvo principal do antigo evangelho era ensinar o homem a adorarem a Deus, a preocupação do novo parece limitar-se a fazer os homens sentirem-se melhor. O assunto do antigo evangelho era Deus e os seus caminhos com os homens; o assunto do novo é o homem e a ajuda que Deus dá. Nisso há uma grande diferença. A perspectiva e a ênfase da pregação do evangelho foram completamente alteradas.

Dessa mudança de interesses originou-se a mudança de conteúdo, pois o novo evangelho na realidade reformulou a mensagem bíblica no suposto interesse de prestar “ajuda” ao homem. De acordo com isso, não são mais pregadas verdades bíblicas tais como a incapacidade natural do homem em crer, a eleição divina e gratuita como a causa final da salvação e a morte de Cristo especificamente pelas Suas ovelhas. Essas doutrinas, segundo o novo evangelho, não “ajudam” o homem; antes, contribuem para levar os pecadores ao desespero, sugerindo-lhes que eles não têm o poder de salvar a si mesmos, através de Cristo. (Nem é considerada a possibilidade desse desespero ser salutar; pelo contrário, visto que destroçaria a nossa auto-estima). Sem importar a exatamente como seja a questão, o resultado dessas omissões é que apenas uma parcela do evangelho bíblico está sendo pregada como se fosse a totalidade do mesmo; e uma meia-verdade que se mascara como se fosse a verdade inteira torna-se uma mentira completa. Assim, apelamos aos homens como se eles todos tivessem a capacidade de receber Cristo a qualquer momento. Falamos sobre a obra remidora efetuada por Cristo como se Ele tivesse apenas morrido para capacitar-nos a salvar a nós mesmos, mediante o nosso crer. Falamos sobre o amor de Deus como se isso não fosse mais do que a disposição geral de receber qualquer um que queira voltar-se para Deus e confiar nEle. Retratamos o Pai e o Filho não como soberanamente ativos em atrair os pecadores a Si mesmos, mas como se Eles se mantivessem em quieta incapacidade, “a porta do nosso coração”, esperando nossa permissão para entrar.

É inegável que é dessa maneira que estamos pregando; talvez seja assim que de fato cremos. Porém, cumpre-nos dizer enfaticamente que esse conjunto de meais verdades distorcidas é algo totalmente diverso do evangelho bíblico. A Bíblia é contra nós quanto pregamos dessa maneira; e o fato que tal pregação tornou-se prática quase padronizada entre nós serve apenas para demonstrar quão urgentemente devemos rever essa questão. Redescobrir o antigo, autêntico e bíblico evangelho, fazendo nossa pregação e nossa prática ajustarem-se ao mesmo, talvez seja a nossa premente necessidade hoje.

Fonte: Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. Ed. Fiel, pág. 135,136 e 137.

Texto fornecido por Joelson, parceiro do VE.