Luis Henrique de Paula – O Argumento da Caixa


“Não coloque Deus numa caixa!” é um argumento bem comum. Ele geralmente aparece para confrontar a possibilidade de sabermos de forma clara e inteligível quem é Deus e outras implicações desse conhecimento. Serve como uma tentativa de relativizar, ou tornar incertas as definições sobre quem é Deus ou Jesus, qual a mensagem do evangelho, como ele deve ser pregado, doutrinas centrais da fé, entre tantas outras verdades e suas consequências para a vida cristã… Noutro sentido, algumas pessoas o utilizam para dizer que Deus é muito maior que a Bíblia. E isso é verdade, pois Ele é eterno e infinito. Mas há também um grande risco nessa afirmação. Pois tudo o que podemos saber sobre Deus e o nosso relacionamento com Ele está nas Escrituras e negar a possibilidade de tal conhecimento é negar ao próprio Deus. Ou ainda, dizer que Deus pode ser ou agir de maneira contrária àquilo que revela é chamá-lo de insano.

Algumas pessoas bem intencionadas às vezes utilizam o argumento da caixa. Mas quase sempre ele serve apenas para contradizer um dos aspectos mais importantes da teologia e vida cristã: a cognoscibilidade de Deus. Apesar de complicado o termo significa que apesar de Deus ser eterno e infinito ele pode ser conhecido por seres humanos, criados e finitos, naquilo que se revela. Ou seja, no seu testemunho sobre si mesmo na Bíblia. Um texto chave para assumirmos essa possibilidade é Deuteronômio 29.29 que diz:

“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”.

Certa vez, ao tentar alertar uma pessoa sobre possíveis riscos na doutrina de um pastor liberal muito conhecido por seus vídeos metafóricos disponíveis no YouTube, recebi de volta o “argumento de Deus na caixa”. A minha argumentação era muito simples, a de que ele não acreditava na Bíblia – e isso era algo declarado em um dos seus livros – e, portanto, era fácil perceber que ele, como todo bom liberal, rejeitava as doutrinas centrais da fé cristã como regeneração, arrependimento e fé em Cristo somente por exemplo. A bíblia, para ele, não foi escrita por inspiração divina, e as Escrituras na melhor das hipóteses são como as Fábulas de Esopo[¹]. Nenhum dos seus personagens precisa ser necessariamente real, nem suas histórias, muito menos as doutrinas, a única finalidade da Bíblia, assim como das Fabulas de Esopo, é conseguir por analogia alcançar alguma lição de moral que torne o homem melhor. E isso não é evangelho. A pessoa, que ficou profundamente ofendida, pensou que eu estava encaixotando Deus e em pouco tempo postou um texto imenso em seu blog utilizando o argumento em questão. De maneira geral, esse pensamento é fruto principalmente da mentalidade anti-intelectual dessa geração.

A comum utilização desse chavão remete a um problema da teoria do conhecimento moderna, a epistemologia relativista, que assume a impossibilidade da existência de uma verdade, ou de um ‘certo’ absoluto. É uma contradição óbvia: ao declarar que não existe verdade absoluta já se está afirmando uma verdade absoluta. Se o relativismo fosse verdadeiro seria falso. Muitos cristãos por ignorância assumem tal linha de pensamento irracional como verdade para sua fé. Mas o relativismo é apenas uma variação de ceticismo. Enquanto o cético declara que não há nenhuma verdade em hipótese alguma, o relativista declara que não existe uma ‘verdade’ absoluta, mas talvez várias, mesmo que se contradigam.

Questões doutrinárias são muitas vezes negligenciadas e relativizadas sob o argumento de Deus na caixa. Alguns vão mais longe e dizem que não estão preocupados com doutrina, pois o que importa mesmo é amar Jesus e anunciá-lo. O que essas pessoas precisam responder é: Quem é Jesus? O que é amor? Por que alguém deve amá-lo? De onde saiu essa informação? E como alguém sabe que ela é verdadeira? Replicar começando com “eu acho” apenas cria mais problemas. Existem bilhões de pessoas no mundo e cada uma com “achismos” bem particulares. Os cristãos têm nesse aspecto uma arma poderosa e penetrante, a Palavra de Deus, clara e objetiva, apta para dividir qualquer afirmação sem fundamentação e contraditória ao meio (Hebreus 4:12). Mas muitos resolvem desdenhar da Biblia e de suas afirmações comparando-a com uma caixa.

Podemos perceber que não é em vão que é Jesus é declarado como a Palavra Viva no cristianismo. A principal defesa dos cristãos nos primeiros séculos contra heresias e distorções foi preservar dois pilares fundamentais e inseparáveis: a Palavra Viva e a Palavra Revelada não se dissociam. Quem diz amar a Jesus necessariamente ama as Escrituras, quem diz amar a Deus necessariamente ama a sua Palavra. Tal relação se conforma com palavras de Jesus em João 5:39, com a declaração de Filipe em João 1:45, com Lucas 24:27, entre outros tantos textos. Faltaria aqui espaço para considerar as declarações de amor do Salmista pela revelação de Deus, suas leis e seus estatutos no Salmo 119.

Logo, qualquer outra informação fora dessa “caixa”, que a contradiga, diminua seu valor, ou negue sua suficiência é de procedência maligna. Tanto a Bíblia como Cristo reivindicam autoridade e exclusividade. Quem ama a Jesus vai passar o resto da vida meditando em Sua Palavra – e ainda assim sem chegar ao perfeito conhecimento da Escrituras e de suas implicações. Perceba que o próprio termo “caixa” subestima a profundidade e seriedade da Palavra de Deus, suas doutrinas e tudo aquilo que podemos conhecer da pessoa de Cristo.

É óbvio que vamos passar a eternidade toda nos aprofundando no conhecimento do nosso Senhor, mesmo assim sem chegar a um conhecimento exaustivo. Tal impossibilidade para seres criados em conhecer exaustivamente um ser Eterno os teólogos chamam de incompreensibilidade, e também é uma implicação de Deuteronômio 29.29. Mas no presente momento tudo o que podemos e precisamos saber sobre Deus e nossa relação com Ele está nas Escrituras e apenas nelas.

O conhecimento de Deus só é possível pois Ele mesmo se revela, e tanto a Palavra Viva quanto a Revelada coincidem em um só, no conhecimento de um mesmo Deus, o Deus Vivo. Não existe modo de crescer no conhecimento de Deus que não seja pela Escritura. Qualquer conhecimento de Jesus que não esteja conformado a Bíblia é mentiroso. Qualquer negação de algum aspecto da Palavra de Deus é por implicação negação de algum aspecto do conhecimento de Cristo.

Para os cristãos o melhor a fazer seria evitar o “argumento da caixa”, que sempre vai desdenhar daquilo que deveríamos ficar alegres, maravilhados e ainda temer e tremer diante (Salmo 119:2,16,18; Is 66:2).

Por: Luis Henrique de Paula. Website: voltemosaoevangelho.com e luisvegan.wordpress.com
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