Na estrada com Bunyan

Minha metáfora favorita para a vida sempre foi a estrada. É fato: na frase “A vida é como uma estrada”, a palavra “como” não tem direito de estar ali. A vida é uma estrada, e somos peregrinos nela. Somos Odisseu, Enéias, Dante, Dom Quixote, Huck Finn, Bilbo Bolseiro e aquele grupo heterogêneo que se junta a Chaucer na longa estrada para a Cantuária.

Na época em que descobri O Peregrino, já tinha me convencido de minha condição como um peregrino, como um viajante nesta terra. Foi John Bunyan (1628-1688) quem me ensinou que a jornada não é apenas externa; é também – principalmente, talvez – interna.

Aprendendo a linguagem

Geograficamente falando, a estrada da vida levou-me de Nova Jérsei para o norte do estado, Nova Iorque, para Ann Arbor, Michigan e para Houston, Texas. Do ponto de vista pessoal, levou-me da infância à faculdade, da escola de pós-graduação ao casamento e da academia à paternidade. Mas tenho cumprido muito de minha jornada em uma estrada oculta, cujo pavimento não pode ser visto por olhos humanos e cujos desvios transcendem os cenários intelectual, emocional e espiritual.

Bunyan deu-me um método e uma linguagem – a da alegoria – ao traçar a jornada interna e, ao fazê-lo, capacitou-me tanto a enxergar a estrada quanto a avaliar meu progresso ao longo do caminho. Ele não inventou a alegoria, e certamente existem muitos lugares em O Peregrino que fazem atolar ou se tornam prolixos e enigmáticos; mas conseguiu tocar algo muito profundo na psique humana. É por isso que seu livro, embora aparentemente se dirigisse apenas aos puritanos ingleses, apresentou um apelo universal.

É óbvio que entendi o conceito de urgência – em termos de fé, relacionamentos e carreira –, mas a cena de abertura de O Peregrino tornou essa urgência real e visceral. Quando o indivíduo comum de Bunyan, Cristão, descobre que está vivendo na Cidade da Destruição e seu único recurso é fugir da ira vindoura, ele não tira uma soneca, discute a questão calmamente com os amigos, consulta um psiquiatra ou toma remédios controlados: ele corre. Ele enfia os dedos nos ouvidos para abafar o choro de sua esposa e filhos enquanto berra a plenos pulmões: “Vida, vida, vida eterna!”.

Essa imagem permaneceu gravada em minha mente. Ela faz o que uma centena de sermões não poderiam fazer. Ela capta, tanto física quanto exteriormente, a batalha espiritual interna que enfrentamos quando chamados a fazer algo contracultural. Devemos tapar nossos ouvidos às alegações do mundo, de tudo o que é confortável, familiar e seguro. Devemos olhar adiante, permanecer focados e seguir em frente.

Muitos dos grandes heróis da literatura inspiraram-me à coragem: Aquiles, Odisseu, Enéias, Beowulf, Arthur e Henrique V. Mas aqui era um tipo diferente de coragem, e em um homem que não era, por outro lado, notável. Cristão não é nem forte, nem altamente instruído, nem supremamente virtuoso. Mas ele atende ao chamado, e recusa-se a fazer o papel da esposa de Ló. Uma vez posicionado em seu rumo, ele não olha para trás, a despeito dos argumentos “lógicos” apresentados por aqueles que estão tentando pôr fim à sua determinação.

Percurso perigoso

A estrada que Cristão pega em seu caminho para a Cidade Celestial é perigosa, e disso aprendi que devo estar vigilante.

O principal perigo que ele encontra é a Feira das Vaidades, o grande bazar onde tudo está à venda – de prata e ouro a casas e terras; de títulos e reinos a maridos e esposas. Bunyan viveu no despontar do capitalismo internacional, e foi um dos primeiros a ver o sua armadilha espiritual mais perniciosa: não – como os medievais teriam argumentado – que se alimenta da usura (empréstimo a juros), e sim que reduziu tudo a uma etiqueta de preço. Nessa lógica, a felicidade não seria uma virtude necessária para se cultivar interiormente, mas apenas outro bem de consumo à venda para quem der o maior lance no mercado do mundo.

Cristão sobrevive ao confronto com Feira das Vaidades, mas seu companheiro de viagem, Fiel, morre uma morte de mártir. Os jurados que o condenam têm nomes apropriados: Sr. Cego, Sra. Injustiça, Sr. Malicioso, Sra. Lascívia, Sr. Libertino, Sra. Imprudência, Sr. Pretensioso, Sra. Malevolência, Sr. Mentiroso, Sra. Crueldade, Sr. Ódio-à-Luz e Sr. Implacável. Há, nisto, uma poderosa lição que ficou comigo. Embora Fiel não apresente uma ameaça efetiva para a Feira das Vaidades, sua mera presença dentro da Feira a condena. Ele acaba com o jogo, não por liderar um exército revolucionário, mas por expor sua loucura e engano.

A guerra interior

Todavia, embora o episódio na Feira das Vaidades tenha me ajudado a abrir os olhos para os sorridentes, sofisticados e farisaicos inimigos mundanos, a alegoria de Bunyan alertou-me com mais frequência para as tentações que emergem de dentro da alma. E dessas, a mais mortal é o desespero.

Já que Deus é o Deus dos peregrinos, ele misericordiosamente envia um novo companheiro para Cristão, Esperançoso, a fim de preencher o vazio deixado pela perda de Fiel. A princípio tudo vai bem, com Cristão desmascarando, de forma corajosa e prudente, o oportunismo mundano e aqueles que se acomodam a ele. Mas então, em busca de uma estrada mais tranquila, eles abandonam a trilha reta para pegar o Atalho mais fácil. Cristão logo se dá conta de seu erro e pede desculpas a Esperançoso por desviá-lo, mas há um preço a ser pago. Incapazes de recuperar a trilha reta, eles são forçados a dormir no Atalho e, enquanto dormiam, são capturados pelo gigante Desespero e trancafiados no calabouço do Castelo da Dúvida. Lá, sofrem castigos diariamente do gigante Desespero, que os aconselha ao suicídio para pôr fim a sua dor e miséria.

Era assim o desespero: ser trancafiado em um fosso e destruído a golpes de culpa, preguiça e desânimo. Em muitos sentidos, é como o tédio e o enfado de vida que afligem o melancólico Hamlet, só que aqui a tentação é espiritual. Cristão quase perde a esperança nas promessas da Escritura e, desse modo, na pessoa do Deus que lhas deu.

Felizmente, o nome de seu companheiro reflete seus dons especiais. Repetidas vezes, Esperançoso instiga Cristão a criar coragem e a esforçar-se. Ele traz à memória do seu amigo desesperado as suas primeiras vitórias contra o pecado e a perseguição, recomendando fé, paciência e resistência. Por fim, após uma noite de fervente oração, Cristão faz uma descoberta que o leva a gritar de assombro. O tempo todo ele trazia no peito uma chave chamada Promessa, que pode abrir qualquer fechadura do Castelo da Dúvida. Uma vez que se dá conta disto, ele tira a chave e, uma a uma, as portas do Castelo repentinamente se abrem para facilitar a fuga deles.

Descanso ao longo do caminho

Bunyan preparou-me bem para as picadas sutis e ciladas, para as armadilhas traiçoeiras e tentações que tiram os peregrinos da estrada certa; mas ele também me ensinou que existem muitos lugares de refúgio ao longo do caminho. O Palácio Belo, o Rio de Deus, as Montanhas Aprazíveis – todos proporcionam descanso e refrigério para o peregrino fatigado.

A Ética Protestante do Trabalho – herdada por nós do improvável, se não irônico, casamento entre os puritanos ingleses que fundaram os Estados Unidos e os negociantes holandeses que inventaram o capitalismo internacional – não precisa definir e disciplinar todo o nosso momento de vigília. Há espaço para lazer e comunhão, riso e alegria, beleza e admiração dentro deste vale de lágrimas.

Podemos ser viajantes atravessando um mundo que não é o nosso lar, mas que não deveria nos impedir de divertir-nos nessas temporárias embora adoráveis hospedarias que nos oferecem descanso para a noite.

Por: Louis Markos. © 2016 The Gospel Coalition. Original: On the Road with John Bunyan.

Tradução: de Leonardo Bruno Galdino. © 2016 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original: Na estrada com Bunyan.

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