Evangelho na Periferia – Princípio 6: Desenvolva a Comunidade

Desenvolvimento comunitário baseado na Igreja

Em seu livro Justiça Generosa (Vida Nova, 2013), Tim Keller declara:

“O que sei é que se eu não me importo com o pobre, se minha igreja não se importa com o pobre, isso é perverso.”

Jesse Johnson, escrevendo um artigo para o blog The Cripplegate, tem uma perspectiva um tanto quanto diferente. Ele escreve:

“… a questão que importa é que em nenhum lugar a Bíblia ordena a igreja que se preocupe com os pobres do mundo, baixe os índices de pobreza da sociedade ou se preocupe com os sem-teto em nossa comunidade. Não existem versículos ordenando isto, e há alguns que até argumentam contra tal prática.”

A questão sobre o papel da igreja na cultura, particularmente no que se refere a relação com temas de justiça social e ministério de misericórdia, está surgindo em vários pontos da cristandade e tem sido tratado em diversos blogs, artigos e livros de homens como Mark Dever, John Piper, Tim Keller e Kevin DeYoung, entre outros.

Minha intenção nesta postagem é levantar a pergunta sobre o papel da igreja quando esta se relaciona com uma comunidade pobre. O que, em minha mente, é uma questão diferente de um ministério para alcançar pobres e oprimidos. Socorrer os pobres e plantar uma igreja entre eles são duas propostas totalmente diferentes. Apesar da distância do que é escrito e falado, visitando muitas igrejas no Reino Unido e em outros países, eu não fui pisoteado até a morte pela massa de pessoas pobres frequentando seus cultos. E preciso dizer, também não encontrei muitos líderes oriundos de periferias e de cenários pobres. O desenvolvimento de líderes no Reino Unido é uma atividade majoritariamente de classe média.

Eu não estou, como muitos, tentando construir uma igreja com um coração inclinado para os pobres. Eu estou buscando edificar uma igreja de adoradores de Deus dentro de uma periferia empobrecida. Esta é uma tarefa de alguma forma mais complexa! Eu concordo em grande parte com Jesse (e outros) quanto ao entendimento de que os mandamentos de amar os pobres e cuidar da viúva entre outros são primariamente (embora de forma alguma exclusivamente) para benefício da comunidade cristã. Ele, penso que de forma correta, dá voz a preocupação relacionada à ênfase excessiva nas necessidades do pobre:

“Eu estou fazendo uma observação de que quando dinheiro vai para distribuição de sopão, não está indo para missões. Para se proteger contra isso, não é nunca ordenado a igreja mostrar compaixão pelo pobre como meio de expandir o reino. Colocando de forma simples, você deve ao pobre o evangelho. Jesus morreu para comprar para eles o privilégio de ouvir o testemunho de sua morte e ressurreição (1 Tim. 2:6).”

Mark Dever é ainda mais direto neste tópico:

“Nós, como congregação, não estamos obrigados a tomar responsabilidade pelas necessidades físicas da comunidade de descrentes que nos cerca. Nós temos sim a responsabilidade de cuidar das necessidades daqueles que estão dentro de nossa congregação (Mat. 25:34-40; Atos 6:1-6; Gal. 6:2, 10; Tiago 2:15-16; 1 João 3:17-19) e mesmo dentro da igreja existem especificações (por exemplo, 2 Tess. 3:10; 1 Tim. 5:3-16). O conselho de Paulo para Timóteo (1 Tim. 5:3-16) sobre de quais viúvas eles deveriam cuidar parece indicar que a lista é de viúvas cristãs. Uma qualificação parece ser falta de fonte alternativa de sustento. Assim, a instrução para que os membros da família cuidassem dos necessitados primeiro, tanto quanto possível, mostra o tipo de priorização que permitia a famílias, mesmo de não-crentes, prover sustento para que a igreja não precisasse fazê-lo (1 Tim. 5:16). A partir disto, nós podemos concluir que o suporte que pudesse vir de fora da igreja (por exemplo, do estado) deveria ter preferência ao invés de recursos da igreja, assim liberando os recursos da igreja para serem usados em outra área.”

Eu não poderia concordar mais no que tange ao aspecto financeiro da ação social e/ou desenvolvimento comunitário (seja como você definir). Em Niddrie, nós não estamos preocupados em distribuir recursos financeiros (embora tenhamos uma iniciativa de empréstimo sem juros para emergências extremas tanto para membros como para não membros). As pessoas aqui normalmente não estão em falta de recursos, e o Estado, quando presente, é de muitas maneiras um obstáculo para o desenvolvimento comunitário, ao invés de promovê-lo. Na verdade, nossa preocupação tem ainda menos a ver com mudar as estruturas sociais que nos rodeiam e mais a ver com (1) oportunidades evangelísticas e (2) questões de discipulado. Deixe-me usar nosso projeto de bicicletas como exemplo do quero dizer.

Niddrie tem um problema enorme com bicicletas roubadas. Combine isto com o interesse saudável pelo esporte em nossa comunidade. Em uma área de classe média com um trabalho de juventude estabelecido e uma base cristã sólida, estudos bíblicos podem ser uma opção. Aqui eles não são. Então, nós temos a oportunidade de fazer contato com pessoas que nunca passariam pela porta no culto de domingo, iriam a um evento evangelístico ou se encontrariam com um cristão de qualquer outra maneira ou forma. Nosso projeto então serve como um veículo (seu objetivo final) para evangelismo. Um jovem pode então ser salvo e pode passar tempo na oficina consertando sua bicicleta enquanto é discipulado por alguém da nossa equipe. Conversar sobre a Bíblia é consequência. Acontece que este nosso veículo vem com alguns extras. A criminalidade diminui (não maciçamente, mas tem este efeito). Menos bicicletas são roubadas na igreja e no seu entorno. A polícia local nos envia suas bicicletas apreendidas para usarmos à medida que notificamos sobre nossas bicicletas roubadas. A escola local usa nosso projeto para motivar crianças que estão com dificuldades educacionais. E assim por diante. Existem outros ganhos extras. Eles são todos secundários diante da primazia do evangelho, mas eles não são insignificantes quando se trata de desenvolvimento comunitário e justiça. A maioria de nossas ações, projetos e ideias tem o mesmo tipo de ganhos extras em diferentes áreas e em diferentes segmentos dentro da periferia. Então, o que chamamos isso?

Novamente, voltando a afirmação de Dever de que ajudar os necessitados é primariamente uma tarefa interna da igreja. Isso é ótimo para a igreja reunida. Mas e as pessoas da comunidade que vemos diariamente na periferia? Eles podem não se tornar membros, mas eles certamente se tornam uma parte de nossas vidas. Com certeza temos uma responsabilidade bíblica com eles, não? Vamos lembrar o que diz Gálatas 6:10: “Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”. Muitos pastores reformados vão enfatizar as últimas três palavras como texto prova para a posição de Dever, mas o texto parece indicar que se deve ajudar todos independentemente de serem membros.

Eu concordo, a resposta para o problema do pecado em nossa comunidade (sua maior necessidade) é salvação por meio de Cristo. Mas, cedo ou tarde, começa o discipulado. Sim, podemos fortalecer a Cristologia e a doutrina bíblica deles, mas nós ainda teremos que ajudá-los a lidar com relacionamentos abusivos, disfunções sexuais, ameaças de traficantes, problemas de saúde mental e outros. Se torna uma questão de amá-los e, quando possível, buscar ajudá-los de forma prática a aliviar alguns problemas (frequentemente) criados por eles mesmos. Lidar com todas as causas dos problemas deles nem é cogitado por nós. Nós simplesmente não temos tempo para tal, mesmo se tivéssemos a inclinação para fazê-lo!

As igrejas reformadas do Reino Unido têm normalmente trabalhado com uma mentalidade separatista na periferia (se é que têm trabalhado). Muitos têm seguido pelo caminho de “a Palavra somente”. Isto nos deixou alguns problemas sérios com os quais gerações de pastores têm que lidar. Eu quero continuar este artigo e olhar para algumas questões-chave e o motivo de eu crer que a igreja local deve ser o centro das mudanças na periferia, além da a razão de termos começado a 20schemes.

Por: Mez McConnel. © 2013 20Schemes. Original: The Keys to Breakthrough in the Housing Scheme (1)

Tradução: Fabio Luciano. Revisão: Yago Martins. © 2016 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original: Evangelho na Periferia – Princípio 6: Desenvolva a Comunidade

Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que informe o autor, seu ministério e o tradutor, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.

Veja mais artigos desta série