Pelo que William Tyndale viveu e morreu (Parte 3)

500 anos de Reforma Protestante

Em comemoração aos 500 anos de Reforma Protestante, o Voltemos ao Evangelho trará artigos semanais e biografias de diferentes reformadores: Girolamo Zachi (jan), Theodoro Beza (fev), Thomas Cranmer (mar), Guilherme Farrel (abr), William Tyndale (mai), Martin Bucer (jun), John Knox (jul), Ulrico Zuínglio (ago), João Calvino (set) e Martinho Lutero (out).

(Leia a Parte 1 e a Parte 2)

A implacável oposição à Bíblia

É quase incompreensível para nós o quão violentamente oposta a Igreja Católica Romana foi à tradução das Escrituras para o Inglês. John Wyclif e seus seguidores chamados “Lolardos”[45] tinham espalhado manuscritos de traduções inglesas do latim no final dos anos 1300. Em 1401 o Parlamento aprovou a lei de Haeretico Comburendo — “sobre a queima de hereges” — para tornar as heresias puníveis com a queima de pessoas vivas na fogueira. Os tradutores da Bíblia estavam em vista.

Então, em 1408 o Arcebispo de Canterbury, Thomas Arundell, criou as Constituições de Oxford que afirmava:

É algo perigoso, como testemunha o bendito São Jerônimo, traduzir o texto da Sagrada Escritura de uma língua para outra, pois na tradução o mesmo sentido nem sempre é facilmente mantido… Portanto, decretamos e ordenamos que nenhum homem, daqui por diante, por sua própria autoridade, traduza qualquer texto da Escritura para o inglês ou para qualquer outra língua… E que nenhum homem leia tal livro… em parte ou no todo.[46]

Juntos, esses estatutos significavam que você poderia ser queimado vivo pela Igreja Católica por simplesmente ler a Bíblia em inglês. O dramaturgo John Bale (1495-1563) “quando era um menino de 11 assistiu a queima de um jovem em Norwich por possuir a oração do Senhor em Inglês… John Foxe registra… sete Lolardos queimados em Coventry em 1519 por ensinaram aos seus filhos a Oração do Senhor em inglês”.[47]

Tyndale esperava escapar desta condenação obtendo autorização oficial para sua tradução em 1524. Mas ele encontrou exatamente o oposto e teve que escapar de Londres para o continente onde produziu todas as suas traduções e seus escritos nos doze anos seguintes. Ele viveu como fugitivo o tempo todo até a sua morte perto de Bruxelas, em 1536.

Tyndale testemunhou uma maré crescente de perseguição e sentiu a dor de ver jovens queimados vivos os quais se converteram lendo a sua tradução e os seus livros. Seu amigo mais próximo, John Frith, foi preso em Londres, julgado por Thomas More e queimado vivo em 4 de julho de 1531, aos 28 anos de idade. Richard Bayfield dirigia os navios que levavam os livros de Tyndale para a Inglaterra. Ele foi traído e preso, e Thomas More escreveu em 4 de dezembro de 1531 que Bayfield “o monge e o apóstata estavam bem e dignamente queimados em Smythfelde”.[48]

Três semanas depois, o mesmo correu com John Tewkesbury. Ele se converteu ao ler a Parable of the Wicked Mammon [A Parábola do Maligno Mamom], de Tyndale, que defendia a justificação somente pela fé. Ele foi chicoteado no jardim de Thomas More e teve a sobrancelha apertada com cordas pequenas até que sangue saísse de seus olhos. Então ele foi enviado para a Torre onde foi atormentado até que ficou aleijado. Então, finalmente o queimaram vivo. Thomas More “se alegrava de que sua vítima estivesse agora no inferno, onde Tyndale ‘deve encontrá-lo quando eles se reunirem’”.[49]

Quatro meses depois, James Bainham também foi queimado em abril de 1532. Ele se levantou durante a missa na Igreja de Santo Agostinho em Londres e levantou uma cópia do Novo Testamento de Tyndale e suplicou ao povo que morresse em vez de negar a Palavra de Deus. Tal ato praticamente assinava a sua própria sentença de morte. Adicione a estes Thomas Bilney, Thomas Dusgate, John Bent, Thomas Harding, Andrew Hewet, Elizabeth Barton e outros, todos queimados vivos por compartilharem as opiniões de William Tyndale sobre as Escrituras e a fé Reformada.[50]

Por que essa hostilidade incomum contra o Novo Testamento Inglês, especialmente por parte de Thomas More, que difamava Tyndale repetidamente em sua denúncia dos reformadores que ele queimou? Alguns diriam que o Novo Testamento em inglês foi rejeitado porque foi acompanhado com notas Reformadas que a igreja considerava heréticas. Isso era verdade quanto às versões posteriores, mas não em relação à primeira edição de 1526. Esta não tinha notas, e é a edição que o bispo Tunstall havia queimado em Londres.[51] A igreja queimou a Palavra de Deus. Isso chocou Tyndale.

Havia razões superficiais e razões mais profundas para que a igreja se opusesse a uma Bíblia inglesa. As razões superficiais eram que a língua inglesa é rude e indigna da língua exaltada da Palavra de Deus; e quando se traduz, os erros podem ocorrer, por isso é mais seguro não traduzir; além disso, se a Bíblia estivesse em inglês, cada um se tornaria o seu próprio intérprete, e muitos se desviariam para a heresia e seriam condenados; e era tradição da igreja que somente os sacerdotes recebessem a graça divina para entender as Escrituras; e além disso, há um valor sacramental especial no culto em latim, no qual as pessoas não podem entender, mas a graça é dada. Tais eram os tipos das coisas que eram ditas de modo superficial.

Porém, havia razões mais profundas para que a igreja se opusesse à Bíblia inglesa: uma doutrinária e outra eclesiástica. A igreja percebeu que não seriam capazes de sustentar certas doutrinas biblicamente porque as pessoas veriam que elas não estão na Bíblia. E a igreja percebeu que o seu poder e controle sobre o povo, e mesmo sobre o estado, se perderia se certas doutrinas fossem expostas como não-bíblicas — especialmente o sacerdócio, o purgatório e a penitência.

A crítica de Thomas More a Tyndale resume-se principalmente à forma como Tyndale traduziu cinco palavras. Ele traduziu presbuteros como prabítero em vez de sacerdote. Ele traduziu ekklesia como congregação em vez de igreja. Ele traduziu metanoeoas como arrependimento em vez de fazer penitência. Ele traduziu exomologeo como reconhecer ou admitir em vez de confessar. E ele traduziu agape como amor em vez de caridade.

Daniell comenta: “Ele não pode ter ignorado que essas palavras, em particular, anulavam toda a estrutura sacramental da igreja que já durava por mil anos em toda a Europa, Ásia e Norte da África. Era o Novo Testamento grego que estava fazendo essa anulação”.[52] E com o enfraquecimento doutrinário desses pilares eclesiásticos do sacerdócio, da penitência e da confissão, o poder e o controle disseminados da igreja entrariam em colapso. A Inglaterra não seria uma nação Católica. A fé Reformada floresceria lá no devido tempo.

#45 Veja a nota 12 (Parte 1).

#46 Moynahan, O Bestseller de Deus, p. xxii.

#47 William Tyndale, The Obedience of A Christian Man [A Obediência de um Homem Cristão], editado com uma introdução de David Daniell (London: Penguin Books, 2000), p. 202.

#48 Moynahan, O Bestseller de Deus, p. 260.

#49 Ibid., p. 261.

#50 A lista e detalhes são dados em Daniell, Tyndale, pp. 183-184.

#51 Daniell, Tyndale, pp. 192-193.

#52 Ibid., p. 149.

Por: John Piper. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Why William Tyndale Lived and Died

Original: Pelo que William Tyndale viveu e morreu (Parte 3). © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Camila Rebeca Teixeira. Revisão: William Teixeira.