Maternidade, pós-graduação em sentimentos de culpa

Toda a maternidade é feita de sentimentos de culpa. Eu sou a maior especialista nesta área. Apesar de, na maior parte do tempo, saber que os princípios é que determinam as práticas, tenho muita dificuldade em gerir internamente os efeitos das práticas, especialmente quando isso implica ir contra a corrente.

Na nossa casa, estes assuntos estão sempre em cima da mesa. Os que estão sujeitos a reavaliação e os que são essenciais. Estamos muito longe da perfeição, e com a consciência de que nunca lá chegaremos, porque apesar da graça de Deus na nossa vida ser enorme, e as misericórdias do Senhor se renovarem milagrosamente a cada dia que nasce, o pecado dentro de nós superabunda.

Não havendo fórmulas secretas nem respostas diretas na Bíblia sobre as práticas, qualquer escolha deve estar baseada no princípio.

Cristo sempre em primeiro lugar

O primeiro princípio que deve estar sempre presente, é que na nossa casa, Cristo vem sempre em primeiro lugar. Cristo vem em primeiro lugar para a mãe, em primeiro lugar para o pai. Depois, o pai e a mãe – apesar de nem sempre concordarem – são uma frente avançada da família e indissociável. Antes de os filhos existirem, existiam o pai e a mãe e é um com um outro que existe uma aliança inquebrável. Um dia, Deus querendo, os filhos irão ter a sua própria vida, constituir uma família, e ficaremos nós, os pais. Para tomarmos decisões que honrem a família, precisamos colocar Deus em primeiro lugar e um ao outro como a prioridade. Os filhos são consequência disso.

Família é a nossa prioridade

Em segundo lugar a nossa família deve ser a nossa maior prioridade. Primeiro vem Deus, depois o nosso casamento e, imediatamente, os filhos que Deus nos deu para cuidar. Tudo o resto, o trabalho, a nossa família de origem (pais, irmãos, sobrinhos), amigos, hobbies e interesses tudo vem depois. Esta é uma lição que os nossos filhos devem ver na nossa prática, porque creio, firmemente, que com esta prioridade bem definida eles estarão com um coração mais sensível para perceber o grau de empenho e a confiança que devem depositar em nós quando as escolhas que fazemos para eles não são do agrado ou não encaixam ainda na sua compreensão.

Comprometidos com a igreja

Em terceiro lugar devemos servir juntos na nossa Igreja e ser seriamente comprometidos com ela. Devemos encorajar os nossos filhos, desde cedo, a serem parte do serviço, ao mesmo tempo que ainda estão sendo instruídos. Certa vez, um aluno recente na Escola dominical, perguntou: “Quando terminarmos de estudar a Bíblia, vamos estudar o quê?”. A resposta foi: “Vamos estar o resto da nossa vida a estudar a Bíblia, porque ela não é um livro qualquer. É a palavra de Deus que se revela de formas diferentes através do seu Espírito, e que é sempre nova a cada dia.” Esta noção de que o compromisso com uma Igreja é mais importante do que qualquer outro compromisso, deve ser algo que a família vive com alegria, mas com esforço também.

Ouvir um sermão completo e cantar uma música inteira

Fico triste sempre que vejo famílias que trocam o culto de domingo por festas de aniversário, que se sacrificam com compromissos sociais ao sábado e depois desistem e descansam no domingo, que cumprem horários durante a semana, mas chegam sempre tarde na Igreja, em que um elemento da família tem um resfriado e a família inteira falta o culto. Fico triste porque aquilo que ensinam aos seus filhos é que é importante não faltar à escola, é importante estudar para os testes, é divertido comemorar aniversários, e a Igreja é onde se vai se restar tempo e energia. É mesmo muito triste.

Nesta área, temos todos margem para progredir. Houve uma altura da vida, mais ou menos uma década, que enquanto mãe, era muito difícil para mim estar na Igreja. Chegava muitas vezes a casa com a sensação que mais valia não ter ido, porque entre a responsabilidade de ensinar os mais novos e a dificuldade de permanecer no culto, não sobrava nada. Assim achava eu. Tendo o marido pastor, e sempre ocupado lá na frente, sobravam para mim 4 crianças dos zero aos seis anos, o tempo todo. O trabalho de as conter e manter-me alegre era quase impossível. Mas dou graças a Deus porque ele me renovou as forças, me trouxe encorajamento pela internet em artigos que lia e me diziam que tudo iria passar – e que um dia ouviria um sermão completo ou cantaria uma música sem ser interrompida.

Escolhas

O desafio aqui é não desistir. Quando levamos os nossos filhos a serem parte de uma Igreja (embora eles mais tarde possam escolher se farão parte desta mesma fé ou não), devemos escolher a alegria, mesmo que isso demonstre sacrifício. Nada na vida se faz sem sacrifício. Se os ensinamos a esforçarem-se para ter boas notas, porque não ensiná-los que este é um esforço bom e que agrada ao nosso Criador?

O quarto ponto, e este é o mais difícil para mim, é ser firme nas escolhas que fazemos enquanto pais e lidar com elas quando não são compreendidas pelos nossos filhos. Sabemos que enquanto cristãos, há escolhas que irão claramente contra a cultura, e que precisamos saber capacitar-nos para viver com essa diferença, não querendo que os nossos filhos se sintam ostracizados por isso, nem sejam arrogantes com os outros. É o mais complicado nesta área. Explicar que acreditamos que este é o caminho que faz mais sentido na nossa vida, ao mesmo tempo que não julgamos os outros que não escolhem igual (mesmo que tantas vezes, os outros, se dêem à liberdade de nos julgar e questionar).

Encorajar os nossos filhos a não se sentirem menores nem melhores que ninguém, ao mesmo tempo que questionam o porquê de algumas escolhas, é um equilíbrio difícil. Creio que quando vivemos o ponto de a família ser uma prioridade, ajuda muito. Uma das perguntas que fazemos a eles, quando nos questionam é se acreditam que desejamos o melhor para eles? Acreditam que as escolhas que fazemos são baseadas em desejar agradar a Deus e não por mera teimosia? Então precisam confiar em nós, mesmo que não consigam entender no imediato.

Os seus filhos se levantam e chamam de abençoada

Quando escrevo estas ideias, escrevo-as também para mim. A jornada da maternidade não é um caminho simples nem linear. Muitas vezes penso no que os meus filhos recordarão mais tarde, e recordo sempre aquele versículo de Provérbios, e como desejava muito que fosse uma voz real do futuro “os seus filhos se levantam e a chamam de abençoada”. Parece-me demais para mim, tenho tantos defeitos. Cometo tantos erros todos os dias. Mas desejo muito agradar a Deus, ser fiel à sua vontade. E desejo que isso seja uma prática viva e que seja mais evidente do que as minhas falhas. Se mais tarde eles disserem: “A minha mãe e meu pai cometeram muitos erros, mas eles buscavam sempre a vontade de Deus. Foram coerentes com aquilo em que acreditavam”, sinto que já terei cumprido uma parte daquilo que Deus me pede quando deixou escrito: “Ensina o menino no caminho em que deve andar…” e que, como resultado da graça enorme de Deus na nossa vida, possa acontecer “que até envelhecer não se desviará dele”.

Que Deus me ajude.

Por: Ana Rute Cavaco. © Voltemos Ao Evangelho. Website: VoltemosAoEvangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão: Renata Gandolfo. Original: Maternidade, pós-graduação em sentimentos de culpa.