Pregando Cristo no Antigo Testamento (5)

Davi e Golias, Spurgeon

Esta é uma série de postagens sobre como pregar a Cristo no Antigo Testamento. Muitos tem pregado de forma errada usando o Velho Testamento para pregações moralistas ou de auto-ajuda. Pregador, quer aprender a pregar com base no Antigo Testamento? Esta série de postagem lhe dará uma boa introdução.

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2. A PREGAÇÃO BIOGRÁFICA EXEMPLARISTA

2.2. Objeções ao uso do sermão biográfico exemplarista

Greidanus no livro Sola Scriptura apresenta uma série de obj eções ao uso do sermão biográfico exemplarista. Aqui são apresentadas as quatro mais con­tundentes: seu caráter antropocêntrico, o desvio hermenêutico e a banalização da Escritura que promove e o estabelecimento de paralelos falsos ou errôneos.

2.2.1. É antropocêntrico

Esse tipo de sermão tem claramente o propósito de exortar os ouvintes a imitar os bons exemplos e evitar os maus exemplos. Algo do tipo “seja como” ou “não seja como”. J. Douma justifica assim esse tipo de pregação:

Nossos pais sabiam muito bem que a história redentiva é uma estrutura uni­ficada com Cristo em seu centro, mas eles ainda sentiam-se livres para tratar separadamente (usando os dados bíblicos) certas pessoas descritas na Escritura, descrevê-las psicologicamente, falar de seus conflitos e desafios, suas forças e fraquezas, e então, traçar paralelos entre as experiências dos santos bíblicos e os conflitos dos crentes hoje. Sem qualquer hesitação nossos pais exaltaram as virtudes dos personagens bíblicos como um exemplo para todos, mas também seus pecados e fraquezas como advertência.

Ainda assim Greidanus aponta que tais sermões promovem o deslocamen­to da “centralidade de Deus, na literatura bíblica, para a centralidade, no sermão, dos personagens humanos”. Tais sermões são antropocêntricos. Podem se desenvolver tranquilamente sem jamais mencionar a Cristo. E ainda que Deus e Jesus Cristo sejam mencionados, a atenção dos ouvintes é direcionada para o que os homens fizeram. Chapell observa que

há, por certo, aspectos elogiáveis de caráter em muitas figuras bíblicas, porém a Escritura parece tomar muito cuidado em demonstrar quão profundamente se deturpou toda a raça humana para que todos reconheçam a dependência de Cristo para a salvação, santificação e vitória espiritual […] Pregação expositiva fiel ao intento da Escritura jamais se espanta dos defeitos dos santos da Bíblia, nem alardeia suas forças à parte do socorro divino que torna Deus o supremo vitorioso de cada passagem.

A glória do homem é exaltada quando os ouvintes são instados a agir com a mesma competência espiritual com que agiram os bons personagens bíblicos ou a ter mais competência espiritual que tiveram os maus personagens. Esse desvio pode ser visto nesse sermão de Spurgeon baseado em Marcos 16.14-20 e Lucas 23.6-12:

I. Pontos positivos do caráter de Herodes.

  1. Embora não tivesse justiça, honestidade e pureza, contudo ele possuía um pouco de respeito pela virtude: Mc 6.14-20.
  2. Ele protegeu João Batista por causa da justiça e santidade deste: Mc 6.20.
  3. Ele gostava de ouvir João Batista: Mc 6.20.
  4. Sua consciência, evidentemente, sofreu grande influência da mensagem de João: Mc 6.20.

II. Falhas do caráter de Herodes.

  1. Embora respeitasse a João Batista, não se voltou para o Mestre de João: Mc 6.17-20.
  2. Não amou a mensagem que João enviou: Mc 6.17-20.
  3. Embora fizesse muitas coisas como resultado da mensagem de João, perma­neceu sob a influência do pecado: Mc 6.21-26.
  4. Mandou matar o homem a quem respeitava: Mc 6.26-27.
  5. Acabou zombando do Salvador: Lc 23.6-12.

A menção de Jesus é absolutamente secundária. O que está em questão é apenas a nossa capacidade de agir melhor do que Herodes em alguma situação existencial que seja semelhante à apresentada no sermão. Para Chapell “uma mensagem que meramente defende a moralidade e a compaixão permanece na condição de mensagem não integralmente cristã, mesmo que o pregador seja capaz de provar que a Bíblia exige tais ensinamentos”. A mensagem cristã é subvertida pela ignorância da corrupção da pecaminosidade do homem e pela negligência da graça de Deus que torna a obediência possível e aceitável. É verdade que muitos desses sermões procuram concentrar-se no homem em sua relação com Deus, mas ainda assim são primariamente antropocêntricos.

Afinal, nenhum texto bíblico visa ensinar o que podemos fazer para que nos tornemos completos ou aceitáveis a Deus por nossas obras, nem apresentar a piedade como um produto humano.

[cont.]

Por Dario de Araújo Cardoso em Uma Abordagem Cristocêntrica para os Sermões Biográficos