Uma Carta de John Newton [Controvérsia 2/7]

Começamos uma série de 7 postagens sobre como lidar de forma cristã com controvérsias. É difícil expressar a importância da leitura desta série, principalmente se você tem se engajado nos intermináveis debates via internet.

Um pastor, prestes a escrever um artigo criticando um colega pastor por sua falta de ortodoxia, escreveu a John Newton sobre suas intenções. O que segue é a (segunda parte da) carta resposta de Newton:

[parte 1]

Considere o público

Por meio da página impressa, você apela ao público; e seus leitores podem ser classificados em três grupos. Primeiramente, aqueles que discordam de você em princípio. Sobre estes posso reportar-lhe o que já disse antes. Embora você tenha em vista, principalmente, um único indivíduo, há muitos com opinião idêntica à dele; portanto, a mesma argumentação poderá atingir uma só pessoa ou milhares.

Também haverá muitos que darão pouquíssima consideração ao cristianismo, bem como à ideia de pertencerem a um sistema religioso estabelecido, e que estão engajados na luta em favor daqueles sentimentos que são, no mínimo, repugnantes às boas opiniões que os homens naturalmente possuem a respeito de si mesmos. Estes são incompetentes para julgar doutrinas, mas podem formular uma opinião tolerável a respeito do espírito de um escritor. Eles sabem que mansidão, humildade e amor são as características do temperamento de um crente. E, embora tais leitores finjam considerar as doutrinas da graça como meras opiniões e especulações que, supondo fossem adotadas por eles, não teriam qualquer influência saudável sobre seu comportamento, eles sempre esperaram de nós, que professamos estes princípios, que tais disposições correspondam com os preceitos do evangelho. Eles discernem imediatamente quando nos afastamos de tal espírito, considerando isso um motivo para justificar o menosprezo deles para com os nossos argumentos.

A máxima das Escrituras: “A ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tg 1.20) é confirmada pela observação diária. Se tornamos amargo o nosso zelo, por utilizarmos expressões de ira, injúria, zombaria, podemos pensar que estamos fazendo um serviço à causa da verdade, quando, na realidade, estamos apenas lhe trazendo descrédito.

As armas de nossa milícia, que sozinhas podem destruir as fortalezas do erro, não são carnais e sim espirituais; são argumentos extraídos corretamente das Escrituras, bem como da experiência, e reforçados por uma aplicação compassiva, capaz de convencer nossos leitores. Estes argumentos (quer convençamos os leitores, quer não) mostram que almejamos o bem da alma deles e estamos contendendo tão-somente por amor à verdade. Se pudermos convencê-los de que agimos com estes motivos, nosso objetivo está parcialmente alcançado. Eles se mostrarão mais dispostos a ponderar, com calma, aquilo que lhes oferecemos. E, se ainda discordarem de nossas opiniões, serão constrangidos a aprovar nossas intenções.

Você encontrará uma terceira classe de leitores, que, pensando como nós, aprovarão prontamente o que você dirá e, talvez, serão estabelecidos e firmados em seus pontos de vista sobre as doutrinas das Escrituras, por meio de uma elucidação clara e magistral do assunto. Você pode ser um instrumento para a edificação deles, se a lei da bondade, bem como a da verdade, regularem sua caneta, pois, de outro modo, você lhes causará danos.

Existe um princípio do “eu” que nos leva a desprezar todos aqueles que discordam de nós. E geralmente nos encontramos sob a influência deste princípio, quando pensamos estar apenas mostrando um zelo conveniente na causa do Senhor.

Creio prontamente que os principais argumentos do arminianismo surgem do orgulho humano — e são nutridos por tal orgulho. Todavia, devo me alegrar se o contrário sempre foi verdadeiro. Também creio que aceitar o que é chamado de doutrinas calvinistas consiste em um sinal infalível de uma mentalidade humilde.

Tenho conhecido alguns arminianos — ou seja, pessoas que, por falta de mais iluminação, têm se mostrado receosas de abraçar as doutrinas da graça gratuita — que têm dado evidências de que seus corações estavam em profunda humildade diante do Senhor.

E temo que haja calvinistas que, enquanto tomam como prova de sua humildade o fato de que estão dispostos a degradar, em palavras, a criatura e dar toda a glória da salvação ao Senhor, desconhecem o tipo de espírito que possuem.

Aquilo que nos faz ter confiança de que, em nós mesmos, somos comparativamente sábios ou bons, a ponto de tratar com desprezo aqueles que não subscrevem nossas doutrinas ou seguem o nosso grupo, é uma prova e um fruto do espírito de justiça própria. A justiça própria pode se alimentar de doutrinas, bem como de obras. Um homem pode ter o coração de um fariseu, enquanto a sua mente está repleta de conceitos ortodoxos sobre a indignidade da criatura e as riquezas da graça gratuita. Sim, eu poderia acrescentar: os melhores dos homens não estão completamente livres deste fermento. Por isso, eles estão propensos a se satisfazerem com apresentações que podem levar os nossos adversários ao ridículo e, por consequência, bajular as nossas opiniões superiores.

Controvérsias, em sua maioria, são administradas de modo a favorecer, e não a reprimir, esta disposição errada. Portanto, falando de modo geral, as controvérsias produzem pouquíssimo bem. Elas provocam aqueles aos quais deveriam convencer e envaidecem aqueles que elas deveriam edificar. Espero que seu empreendimento tenha o sabor de um espírito de humildade e seja um meio de promovê-la em outros.

[cont.]

Por John Newton.

Tradução: editorafiel.com.br

Revisão: voltemosaoevangelho.com