Thomas Watson – Por que todas as coisas cooperam para o bem do homem piedoso? (2/3)

O Voltemos ao Evangelho está traduzindo o livro Um Tônico Divino, do puritano Thomas Watson. Confira os capítulos já traduzidos:

  1. As melhores coisas cooperam para o bem [Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5]
  2. As piores coisas cooperam para o bem [Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6 | Parte 7 | Parte 8]
  3. Por que todas as coisas cooperam para o bem do homem piedoso? [Parte 1 | Parte 2 | Parte 3]
  4. Sobre o Amor a Deus [Parte 1 | Parte 2 | Parte 3]
  5. Os Testes do Amor a Deus [Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6]

2. Inferências da proposição de que todas as coisas cooperam para o bem dos santos.

(1) Se todas as coisas cooperam para o bem, consequentemente aprendemos que existe uma providência. As coisas não operam por si mesmas, mas Deus as dispõe de maneira que elas cooperem para o bem. Deus é o grande Arranjador de todos os eventos e circunstâncias; Ele põe todas as coisas em operação. “O seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19). Isso nos fala do Seu reino providencial. As coisas no mundo não são governadas por causas secundárias, pelos conselhos dos homens, pelas estrelas e planetas, mas pela divina providência. A providência é a rainha e a governanta do mundo. Há três coisas na providência: a presciência de Deus, a determinação de Deus, e a direção de Deus para que todas as coisas ocupem os seus devidos tempos e lugares. Sejam quais forem as coisas que operam no mundo, é Deus quem as põe em operação. Nós lemos no primeiro capítulo de Ezequiel acerca de rodas, e olhos nas rodas, e o movimento das rodas. As rodas são o universo inteiro, os olhos nas rodas são a providência de Deus, e o movimento das rodas é a mão da providência, movendo todas as coisas aqui embaixo. Aquilo que alguns chamam de “oportunidade” nada mais é senão o resultado da providência.

Aprendamos a adorar a providência. A providência tem uma influência sobre todas as coisas aqui embaixo. É ela quem une os ingredientes e compõe toda a mistura.

(2) Observemos a feliz condição de todo filho de Deus. Todas as coisas cooperam para o bem dele, as melhores e as piores coisas. “Ao justo, nasce luz nas trevas” (Sl 112.4). As mais nubladas e escuras providências de Deus têm nelas algum raio de sol. Em que bendita condição se acha um crente verdadeiro! Quando ele morre, ele vai para Deus; e, enquanto ele vive, todas as coisas lhe causam bem. A aflição é para o seu bem. Que dano pode o fogo causar ao ouro? Ele apenas o purifica. Que dano pode a joeira causar ao trigo? Ela apenas separa dele o joio. Que dano podem as sanguessugas causar ao corpo? Elas apenas sugam o sangue ruim. Deus nunca usa os Seus métodos, senão para remover a poeira. A aflição faz aquilo que a Palavra muitas vezes não faz, ela “abre-lhes também os ouvidos para a disciplina” (Jó 36.10). Quando Deus derruba os homens sobre as suas costas, então eles olham para o céu. Deus golpeando o Seu povo é como um músico tocando violino, o qual com a vara faz que dele saia um som harmonioso. Quanto bem é feito aos santos por meio da aflição! Quando eles estão esmagados e quebrados, é que deles sai o seu mais doce aroma. A aflição é uma raiz amarga, mas ela produz frutos doces. “Ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb 12.11). A aflição é a estrada para o céu; embora seja pedregosa e espinhosa, ainda assim é o melhor caminho. A pobreza pode enfraquecer os nossos pecados. A doença pode tornar a graça mais útil (2Co 4.16). A injúria pode fazer com que repouse sobre nós “o Espírito da glória e de Deus” (1Pe 4.14). A morte pode interromper o cálice de lágrimas, e abrir o portão do Paraíso. O dia da morte de um crente é o dia de sua ascensão para a glória. Sendo assim, os santos têm incluído suas aflições no inventário de suas riquezas (Hb 11.26). Temístocles, ao ser banido de seu próprio país, posteriormente alcançou o favor do rei do Egito, diante de quem ele disse: “Eu teria perecido, se não tivesse perecido”. Assim também um filho de Deus pode dizer: “Se eu não tivesse sido afligido, eu teria sido destruído; se minha saúde e minhas posses não se tivessem perdido, minha alma se teria perdido”.

(3) Vejamos então que encorajamento há aqui para que nos tornemos piedosos. Todas as coisas devem cooperar para o bem. Oh, que isso possa induzir o mundo a cair de amores pela religião! Pode haver um ímã mais poderoso para atrair-nos à piedade? Pode haver algo mais eficaz em persuadir-nos a sermos bons do que isto: que todas as coisas devem cooperar para o nosso bem? A religião é a verdadeira pedra filosofal que transforma todas as coisas em ouro. Pegue a porção mais azeda da religião, a porção dos sofrimentos, e ainda assim há conforto nela. Deus ameniza o sofrimento com alegria; Ele suaviza a nossa amargura com açúcar. Oh, como isso pode nos seduzir à piedade! “Reconcilia-te, pois, com ele e tem paz, e assim te sobrevirá o bem” (Jó 22.21). Nenhum homem jamais se tornou um perdedor em face de sua reconciliação com Deus. Através dela, o bem sobrevirá a você, abundância de bem, as doces emanações da graça, o maná escondido, sim, todas as coisas hão de cooperar para o bem. Oh, sendo assim, reconcilie-se com Deus, una-se ao Seu interesse.

(4) Notemos a miserável condição dos homens ímpios. Para aqueles que são piedosos, coisas más cooperam para o bem; para aqueles que são maus, coisas cooperam para causar-lhes dano.

(i) As boas coisas temporais cooperam para causar dano aos ímpios. Riquezas e prosperidade não são benefícios, mas armadilhas, como afirma Sêneca. Coisas mundanas são dadas aos ímpios assim como Mical foi dada a Davi, para ser-lhe por laço (1Sm 18.21). Diz-se que o abutre extrai doença de um perfume; assim também o ímpio o faz com o doce perfume da prosperidade. Suas misericórdias são como o pão embolorado que é dado aos cães; suas mesas são suntuosamente postas, mas há um anzol por debaixo da isca. “Sua mesa torne-se-lhes diante deles em laço, e a prosperidade, em armadilha” (Sl 69.22). Todos os seus gozos são como os codornizes de Israel, os quais foram temperados com a ira de Deus (Nm 11.33). Orgulho e luxúria são os gêmeos da prosperidade. “Mas, engordando-se o meu amado, deu coices; engordou-se, engrossou-se, ficou nédio e abandonou a Deus, que o fez” (Dt 32.15). As riquezas são não apenas como a teia da aranha, sem valor, mas como o ovo do basilisco, pernicioso. “As riquezas que seus donos guardam para o próprio dano” (Ec 5.13). As misericórdias comuns que os homens ímpios possuem não são ímãs que os conduzem para mais perto de Deus; antes, são pedras de moinho que os fazem descer ainda mais fundo no inferno (1Tm 6.9). Suas deliciosas iguarias são como o banquete de Hamã: depois de todo o seu nobre banquete, a morte é quem lhes traz a conta, e eles haverão de pagá-la no inferno.

(ii) As boas coisas espirituais cooperam para causar dano aos ímpios. Da flor das bênçãos espirituais, eles sugam veneno.

Os ministros de Deus cooperam para causar-lhes dano. O mesmo vento que conduz um barco para um porto, conduz outro barco contra uma rocha. O mesmo fôlego no ministério que conduz um homem piedoso para o céu, conduz um pecador profano para o inferno. Eles, que trazem a palavra de vida em suas bocas, ainda assim são para muitos um aroma de morte. “Torna insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos” (Is 6.10). O profeta foi enviado com uma mensagem triste, para pregar o sermão fúnebre deles. Os homens ímpios tornam-se piores com a pregação. “Aborreceis na porta ao que vos repreende” (Am 5.10). Pecadores tornam-se mais obstinados em pecar; Deus lhes diz o que Ele quer, e eles fazem o que eles desejam. “Quanto à palavra que nos anunciaste em nome do SENHOR, não te obedeceremos a ti” (Jr 44.16). A palavra pregada não lhes cura; antes, lhes endurece. E que coisa terrível é essa, que homens sejam afundados no inferno com sermões!

A oração coopera para causar-lhes dano. “O sacrifício dos perversos é abominável ao SENHOR” (Pv 15.8). Um homem ímpio acha-se num grande dilema: se ele não ora, peca; se ele ora, peca. “[Seja] tida como pecado a sua oração” (Sl 109.7). Seria uma triste condenação se toda a comida que um homem comesse resultasse em mau humor e provocasse doenças no corpo; e assim é com um homem ímpio. Aquela oração que deveria fazer-lhe bem, coopera para causar-lhe dano; ele ora contra o pecado, e peca contra a sua oração. Os seus deveres espirituais estão manchados de ateísmo, corrompidos de hipocrisia. Deus os abomina.

A Ceia do Senhor coopera para causar-lhes dano. “Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou provocaremos zelos no Senhor?” (1Co 10.21-22). Alguns mestres continuavam em seus banquetes idólatras, e ainda assim vinham à mesa do Senhor. O apóstolo diz: “Vocês estão provocando a ira de Deus?”. Indivíduos profanos banqueteiam-se com seus pecados, e ainda assim vêm para o banquete da mesa do Senhor. Isso é provocar a Deus. Para um pecador, há morte no cálice, ele “come e bebe juízo para si” (1Co 11.29). Desse modo, a Ceia do Senhor coopera para causar dano aos pecadores impenitentes. Depois da refeição, o diabo entra.

O próprio Cristo coopera para causar dano aos pecadores deseperados. Ele é uma “Pedra de tropeço e rocha de ofensa” (1Pe 2.8). Isso Ele é mediante a depravação do coração dos homens; pois, ao invés de crerem Nele, eles se ofendem diante Dele. O sol, embora em sua própria natureza seja puro e agradável, ainda assim é prejudicial a olhos inflamados. Jesus Cristo é designado para a queda, assim como para o levantamento, de muitos (Lucas 2.34). Os pecadores tropeçam diante do Salvador, e colhem morte da árvore da vida. Assim como certos compostos químicos recuperam alguns pacientes, mas destroem outros, assim também o sangue de Cristo, embora seja remédio para alguns, para outros é condenação. Aqui está a miséria sem par daqueles que vivem e morrem no pecado. As melhores coisas cooperam para causar-lhes dano. Os próprios tônicos lhes levam à morte.

Por Thomas Watson. Original: A Divine Cordial By Thomas Watson

Tradução: voltemosaoevangelho.com

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