Uma Cartilha de Disciplina Eclesiástica (Jonathan Leeman) (3/4)

Como uma igreja deveria praticar a disciplina?

Como uma igreja deveria praticar a disciplina eclesiástica? Jesus apresenta o esboço básico em Mateus 18.15-17. Ele diz aos seus discípulos:

Se teu irmão pecar [contra ti], vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano.

Observe aqui que a ofensa começa entre dois irmãos, e a resposta não deveria ir além do que é necessário para produzir reconciliação. Jesus descreve o processo em quatro passos.

Quatro passos básicos

1. Se um problema de pecado pode ser resolvido entre duas pessoas por elas mesmas, então o caso está encerrado.

2. Se ele não pode ser resolvido, então o irmão ofendido deveria trazer dois ou três outros “para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça” (Mt 18.16). Jesus toma essa frase de Deuteronômio 19, a qual, no contexto, é designada para proteger as pessoas contra falsas acusações. Com efeito, Deuteronômio exige uma “investigação cuidadosa” sempre que haja qualquer dúvida acerca do crime (Dt 19.18, NTLH). Eu entendo que Jesus, do mesmo modo, está dizendo que os cristãos devem preocupar-se com a verdade e a justiça, o que pode exigir a devida diligência. As duas ou três testemunhas devem poder confirmar que, de fato, há uma ofensa séria e exterior e que, de fato, o ofensor é impenitente. Esperançosamente, envolver outras pessoas irá ou chamar o ofensor de volta à razão ou ajudar o ofendido a ver que ele não deveria estar tão ofendido. Tanto este passo como o anterior podem ser executados ao longo de vários encontros, tantos quantos as partes acharem prudente realizar.

3. Se a intervenção dos dois ou três não levar a uma solução, a parte ofendida é então instruída a dizê-lo à igreja (Mt 18.7a). Na minha própria congregação, isso é comumente feito por intermédio dos presbíteros, uma vez que o Senhor deu presbíteros à igreja para a supervisão de todas as questões da igreja (1Tm 5.17; Hb 13.17; 1Pe 5.2). Os presbíteros anunciarão o nome da parte acusada do pecado exterior, sério e impenitente. Elas fornecerão uma brevíssima descrição do pecado, uma descrição apresentada de modo a não causar escândalo a outros nem constranger indevidamente algum membro da família. E, comumente, eles então darão dois meses para que a congregação busque o pecador e o chame ao arrependimento.

4. O passo final da disciplina eclesiástica é a exclusão da comunhão ou membresia da igreja, o que essencialmente significa exclusão da Mesa do Senhor: “E, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.17b). Ele deve ser tratado como alguém de fora do povo da aliança de Deus, alguém que não deve ter parte na refeição da aliança de Cristo (embora ele provavelmente será encorajado a continuar frequentando as reuniões da igreja; ver discussão adiante). A nossa própria congregação dará esse passo assim que os dois meses tenham expirado e o indivíduo tenha se recusado a abandonar o pecado. Dois meses é um número arbitrário, é claro; ele simplesmente representa uma programação básica que corresponde às assembleias de membros regularmente agendadas em nossa igreja. Em qualquer situação concreta, a igreja pode reputar necessário acelerar ou retardar essa programação.

Por que acelerar ou retardar o processo?

Algumas vezes, os processos de disciplina deveriam avançar mais lentamente. Esse é o caso, por exemplo, quando um pecador apresenta ao menos algum interesse em lutar contra o seu pecado. Não é apenas a natureza do pecado que deve ser considerada, mas também a natureza do próprio pecador. Pecadores diferentes, falando de modo grosseiro, exigem estratégias diferentes. Como Paulo instrui: “admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos” (1Ts 5.14). Algumas vezes, não fica imediatamente claro se as pessoas são indolentes ou indiferentes ao seu pecado, ou se elas estão genuinamente fracas.

Eu me lembro de uma vez lidar com um irmão envolvido em um tipo de vício; por algum tempo, eu não estava certo se ele estava apenas dando desculpas por seus desvios morais ou se a sua alma estava verdadeiramente enfraquecida e deformada por anos de pecado, tornando muito mais difícil para ele parar de pecar. A resposta a esse tipo de dúvida deveria afetar quão rapidamente os processos de disciplina avançam.

Algumas vezes, os processos de disciplina precisam ser acelerados, o que pode significar pular um ou dois dos passos descritos por Jesus em Mateus 18. Duas claras permissões bíblicas para acelerar os processos de disciplina são (i) divisão na igreja e (ii) escândalo público (i.e., pecado que representará Cristo de modo enganoso na comunidade além da igreja). No tocante à primeira categoria, Paulo diz: “Se uma pessoa causar divisões entre os irmãos na fé, aconselhe essa pessoa uma ou duas vezes; mas depois disso não tenha nada mais a ver com ela” (Tt 3.10, NTLH). Não fica inteiramente claro que tipo de processo Paulo tem em mente aqui. Mas suas palavras de fato sugerem que a igreja deveria responder rápida e decisivamente aos causadores de divisão, para o bem do corpo.

Um processo ainda mais rápido é apresentado em 1Coríntios 5, no qual Paulo convoca a igreja a remover imediatamente um indivíduo sabidamente envolvido em um pecado publicamente escandaloso, isto é, um pecado que até mesmo a comunidade de não-cristãos desaprova. Na verdade, Paulo sequer diz à igreja para alertar o homem de modo que ele pudesse ser trazido ao arrependimento. Ele simplesmente os diz que “entreguem esse homem a Satanás” (v. 5a, NTLH).

Por que pular a questão do arrependimento e não dar ao homem uma segunda chance? Não é que Paulo esteja desinteressado em arrependimento ou segundas chances. Ao contrário, ele diz à igreja para remover o homem de modo que o seu “espírito seja salvo no Dia do Senhor” (v. 5b). Certamente, Paulo está aberto a receber o homem de volta à igreja, caso ele de fato demonstre arrependimento (cer 2Co 2.5-8). Mas o ponto é que o seu pecado é publicamente conhecido e faz uma declaração pública sobre Cristo. Portanto, a igreja deveria responder com uma declaração igualmente pública perante o mundo: “Inaceitável! Cristãos não agem assim!”.

Havendo dito isso, é importante observar que em 1Coríntios 5 não havia qualquer dúvida se o homem estava ou não envolvido em pecado. Era um fato incontestável. Todavia, se há alguma dúvida sobre se um pecado ocorreu ou não, ainda que seja um pecado escandaloso, a igreja deveria parar por tempo o suficiente para realizar uma investigação cuidadosa, como Jesus requer em Mateus 18. Por exemplo, uma igreja não quer disciplinar alguém por desvio de verbas públicas (um pecado publicamente escandaloso) baseada em boatos, apenas para virem os tribunais seculares extinguirem o processo três meses depois, por falta de provas.

Quais são então as duas considerações que podem levar uma igreja a acelerar os processos de disciplina? Uma igreja pode reputar sábio agir mais rapidamente quando (i) há uma ameaça imediata à unidade do corpo ou da comunidade da igreja, ou (ii) há um pecado que pode trazer grande dano ao nome de Cristo na comunidade. Não há uma fórmula exata para estabelecer quando uma dessas fronteiras é ultrapassada, e uma igreja faz bem em designar uma pluralidade de presbíteros piedosos para supervisionar essas questões difíceis.

Frequência e restauração

Membros de igreja frequentemente perguntam se uma pessoa que tenha sido excluída da membresia e da Mesa do Senhor pode continuar a frequentar as reuniões semanais da igreja, bem como têm dúvidas sobre como devem interagir com ela durante a semana. O Novo Testamento aborda essa questão em vários lugares (1Co 5.9,11; 2Ts 3.6,14-15; 2Tm 3.5; Tt 3.10; 2Jo 10), e diferentes circunstâncias podem também exigir respostas diferentes. Mas a instrução dada pelos presbíteros na minha própria igreja geralmente contém dois pontos:

  • Exceto em situações nas quais a presença da parte impenitente seja uma ameaça física à congregação, uma igreja deveria considerar bem-vinda a frequência da pessoa à reunião semanal. Não há lugar melhor para a pessoa estar do que sentado sob a pregação da Palavra de Deus.
  • Embora os membros da família do indivíduo disciplinado certamente devam continuar a cumprir as obrigações bíblicas da vida familiar (p.ex. Ef 6.1-3; 1Tm 5.8; 1Pe 3.1-2), o teor dos relacionamentos dos membros da igreja com o indivíduo disciplinado deveria mudar notadamente. As interações não deveriam ser caracterizadas pela casualidade ou afabilidade, mas por conversas deliberadas sobre arrependimento.

A restauração à comunhão da igreja ocorre quando há sinais de verdadeiro arrependimento. O modo como o verdadeiro arrependimento se apresenta depende da natureza do pecado. Algumas vezes, arrependimento é uma questão de preto no branco, como quando um homem abandona a sua esposa. Para ele, arrepender-se significa voltar para ela, simples e óbvio. Contudo, algumas vezes, arrependimento não significa tanto vencer um pecado completamente, mas sobretudo demonstrar uma nova diligência em fazer guerra contra o pecado, como quando uma pessoa é pega em um quadro de vício.

Claramente, a questão do verdadeiro arrependimento é um assunto difícil que exige muita sabedoria. Cautela deve ser equilibrada com compaixão. Pode ser necessário algum tempo para que o arrependimento seja demonstrado por seus frutos, mas não muito tempo (ver 2Co 2.5-8). Uma vez que uma igreja tenha decidido restaurar um indivíduo arrependido à sua comunhão e à Mesa do Senhor, não há que se falar em um período probatório ou uma cidadania de segunda classe. Em vez disso, a igreja deveria anunciar publicamente o seu perdão (Jo 20.23), afirmar o seu amor pelo indivíduo arrependido (2Co 2.8) e celebrar (Lc 15.24).

Extraído do site www.9marks.org. Copyright © 2013 9Marks. Usado com Permissão. Original: A Church Discipline Primer

Tradução: Vinícius Silva Pimentel – Ministério Fiel © Todos os direitos reservados. Website: www.MinisterioFiel.com.br / www.VoltemosAoEvangelho.com. Original:  Uma Cartilha de Disciplina Eclesiástica (Jonathan Leeman) (3/4)

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