Aprenda com John Bunyan a lidar com o sentimento de hipocrisia e vaidade ao pregar

Esta foi a última postagem do livro Graça Abundante aos Principais dos Pecadores, de John Bunyan.

O Voltemos aos Clássicos será interrompido por um breve período. Enquanto isso confira as postagens anteriores:

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Resumo

No capítulo 10, “A Serviço de Cristo: Um Pregador da Palavra”, John Bunyan descreve seu “modo de pregar a Palavra” e “os feitos de Deus” em sua vida com relação a isso (131). Ele sumariza: “Para ser breve, no devido tempo, uma vez que a igreja ainda desejava e depois de solene tempo de oração ao Senhor, com jejum, eu fui separado e designado para pregações públicas e regulares, não apenas para e entre aqueles que criam, mas também para levar o evangelho aos que ainda não tinham recebido a fé” (132). Bunyan também relata as provações que passou, principalmente calúnias e difamações, e as tentações que sofreu, principalmente com o orgulho.

No capítulo 11, “A Serviço de Cristo: Um Prisioneiro por Amor ao Evangelho”, reflete sobre a época de sua prisão, sobre a dor da separação de sua família, temendo pelo bem estar deles, em especial de sua filha cega. Mas, controlando-se, pensou: “devo confiar todos vocês a Deus, mesmo que deixá-los fira-me até ao âmago” (150). Por outro lado, ele relata as bênçãos que fluíram de tal período: “Em toda a minha vida, nunca tive tão grande discernimento sobre a Palavra de Deus como agora. Aqueles versículos nos quais eu não enxergava nada antes, começaram a reluzir para mim, no cárcere e na condição de encarcerado. Jesus Cristo também nunca foi tão real e evidente como agora” (148).

Na conclusão, Bunyan resume suas observações, tentações e lutas. Por fim, ele medita sobre as abominações em seu coração e a sabedoria de Deus em ordená-las para o seu bem: (1) elas me fazem detestar e abominar a mim mesmo; (2) impedem-me de confiar em meu coração; (3) convencem-me da insuficiência de toda retidão inerente; (4) mostram-me a necessidade de correr para Jesus; (5) compelem-me a orar a Deus; (6) mostram-me a necessidade de vigiar e ser sóbrio; (7) estimulam-me a orar a Deus, por meio de Cristo, para que me auxilie e conduza neste mundo.

O que podemos aprender: Aprenda com John Bunyan a lidar com o sentimento de hipocrisia e vaidade ao pregar

No capítulo 10 do livro “Principal dos Pregadores”, John Bunyan relata sua luta contra as tentações que surgiram por causa do ministério da pregação. Duas merecem destaque: sua luta contra o sentimento de hipocrisia ao pregar algo que também o condenava e contra o orgulho e à altivez do coração.

Sentimento de hipocrisia

Você já pregou sobre algo do qual também era culpado? Certamente, há pecados que desqualificam uma pessoa para o ministério, conforme as qualificações listadas por Paulo em suas cartas a Timóteo e Tito. Contudo, como pregar sobre incredulidade, sem se lembrar da falta de fé do nosso próprio coração? Nesses casos, somos tentados a ou negligenciar o assunto ou amenizá-lo. Bunyan retrata como o diabo lhe tentava nesse ponto e como reagiu:

Às vezes, quando eu estava para pregar sobre alguma passagem penetrante e desafiante da Palavra, o tentador sugeria: “O quê? Você vai pregar isso? Isso te condena; sua própria alma é culpada disso, não pregue sobre isso de jeito nenhum, ou, se o fizer, interprete e aplique o texto de maneira que lhe permita escapar, a fim de que, em vez de despertar outros, você não coloque tanta culpa sobre sua própria alma, de forma que nunca possa se recuperar”. Mas, graças ao Senhor, fui guardado de consentir com tão horrendas sugestões e, à semelhança de Sansão, tenho me inclinado com toda a minha força a condenar a transgressão e o pecado onde quer que os encontre, mesmo que, ao fazê-lo, traga, de fato, culpa sobre minha consciência. Morra eu, pensei, com os filisteus (Jz 16.30), ao invés de lidar de um modo corrupto com a bendita Palavra de Deus. “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo?” É muito melhor trazer juízo sobre si mesmo, pregando plena e fielmente a outros, do que deter a verdade pela injustiça, a fim de proteger-se do poder condenador da Palavra. Bendito seja Deus por seu socorro também aqui! (p. 139)

Na preparação do sermão, aplique a palavra primeiro ao seu próprio coração, confesse seu pecado e lembre-se da graça divina, tanto a graça justificadora, quanto a santificadora. Desta forma, quando for pregar, você poderá (se for uma atitude sábia) ilustrar com sua própria vida, ensinando a congregação a necessidade que todos têm de se humilhar diante da Palavra de Deus.

Sentimento de orgulho

Ao realizarmos a bendita obra de Cristo, também somos frequentemente tentados ao orgulho e à altivez de coração. Bunyan traz dois antídotos a este mal: (1) meditar em sua própria corrupção e fraqueza e (2) refletir sobre a quão dispensáveis nossos dons são. Ele escreve:

A cada dia meu quinhão tem sido o de ser exposto à maldade de meu próprio coração e ser capacitado a ver uma multidão de corrupção e fraquezas que há nele. Isso me tem feito curvar a cabeça de vergonha, diante de todos os meus dons e de tudo que tenho alcançado. Tenho sentido esse espinho na carne, até a misericórdia de Deus para comigo (2 Co 12.8-9). (p. 139)

e:

Além disso, me foram mostradas notáveis passagens da Palavra que contêm declarações perspicazes e penetrantes sobre a perdição da alma, a despeito de dons e talentos. Estas palavras, por exemplo, têm sido muito úteis: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Co 13.1). Um címbalo é um instrumento com o qual um músico habilidoso pode tocar melodias alegres e estimulantes, e todos os que o ouvem dificilmente param de dançar. Contudo, o címbalo, por si mesmo, não possui vida nem produz a melodia; esta nasce da habilidade daquele que o toca. No final, o instrumento pode vir a ser nada e perecer, embora melodias tão alegres tenham sido tocadas nele, em tempos passados. Era assim que eu via a situação presente e futura daqueles que possuem dons, mas não a graça salvadora: estão nas mãos de Cristo como o címbalo estava nas mãos de Davi; e, como Davi podia, a serviço de Deus, tirar do címbalo música que elevava o coração dos adoradores, assim Cristo pode usar esses homens habilidosos para tocar a alma de seu povo na igreja e, depois de ter feito tudo que intenta, colocá-los de lado como algo sem vida, apesar de tocarem como címbalos.

Esta consideração, portanto, junto com algumas outras, eliminou, na maioria das vezes, o orgulho e o desejo de vanglória. […]Além disso, eu sabia que o amor é que nunca morreria, mas os outros dons cessariam e desapareceriam; então, concluí que um pouco da graça, um pouco do amor, um pouco do verdadeiro temor de Deus são melhores do que todos os dons. […]

Então, entendi que, apesar de os dons serem bons, em si mesmos, ao propósito para o qual foram designados — a edificação de outros — eles são vazios e desprovidos de poder para salvar a alma daquele que possui o dom, se isso for tudo que ele tem. […]

Vi, portanto, que aquele que possui dons precisa ser iluminado quanto à própria natureza dos dons, ou seja, que estes são insuficientes no que se refere à salvação da alma, a fim de que ele não se fie nos dons e seja destituído da graça de Deus. A pessoa que possui dons tem razões para andar humildemente com Deus, e ser pequeno aos próprios olhos, e lembrar, também, que seus dons não lhe pertencem, e sim à igreja, que por meio dos dons ele se torna servo da igreja e que, no final, ele prestará contas de sua administração ao Senhor Jesus. (Prestar boas contas será uma grande bênção!) Que todos os homens, portanto, avaliem o temor do Senhor. Os dons são, realmente, desejáveis; mas grande graça e pequenos dons são melhores do que grandes dons sem a graça. Isso não significa que o Senhor concede dons e glória, e sim que o Senhor concede graça e glória; e bem-aventurado é aquele a quem o Senhor concede graça, verdadeira graça, pois esta é a verdadeira precursora da glória. (p. 140-141)

O antídoto então para o orgulho é compreender a graça. A graça é a grande esmagadora do orgulho. A graça nos diz que somos incapazes de nos salvar e que é Deus que nos salva e também nos diz que somos incapazes de realizar o ministério da Palavra sem a capacitação do Espírito. Nossa salvação e nossos dons procedem de Deus, não de nós. Portanto, que motivos temos para nos gloriar? Como Paulo diz: “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1 Co 4.7).

Por Vinícius Musselman Pimentel © 2014 Voltemos ao Evangelho. Original: Aprenda com John Bunyan a lidar com o sentimento de hipocrisia e vaidade ao pregar

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