Confissões de uma jovem lutando contra a idolatria ao trabalho

Vivemos um tempo em que as pessoas estão viciadas em trabalho, muitas encontram seu senso de valor e significado naquilo que fazem. Ser produtiva e útil implica em trabalhar, de preferência fazendo o máximo de coisas no menor tempo possível. Sem perceber, mesmo quando, nós cristãs, dizemos trabalhar tendo o fim de glorificar a Deus, no fundo, trabalhamos para provar ao mundo, e a nós mesmas, que somos importantes e significativas. Graças a Deus, isso nunca foi um problema para mim, eu sempre mantive o trabalho sob a perspectiva correta, pelo menos isso era o que eu pensava.

Entre as inúmeras coisas que poderiam vir a se tornar um ídolo em minha vida, nunca imaginei que o trabalho pudesse ser uma delas, pois sempre o vi como um “mal necessário”, algo que precisava ser feito, gostasse eu ou não. Até que novas oportunidades surgiram no trabalho, e, com elas mais responsabilidades e atribuições. No início não achei que isso não seria um problema, mas, com o tempo, percebi que meu maior desafio seria lidar com meu próprio coração. O coração humano é uma fábrica de ídolos. [1]

Sempre critiquei pessoas que trabalhavam muito; pessoas que passavam horas extras trabalhando, que deixavam de almoçar para trabalharem um pouco mais, ou que adiavam compromissos pessoais para adiantar ou resolver algum problema do trabalho. Para mim, isso era inadmissível, afinal, o trabalho é apenas uma parte de nossa vida, não sua totalidade. Isso sempre foi muito claro para mim. Mas, em dado momento, me vi representando o papel que sempre condenei. Lá estava eu saindo 30 minutos depois do expediente novamente; lá estava eu perdendo 10 ou 15 minutos do meu almoço para resolver um problema “urgente”, pois “o mundo precisava de mim” e meu almoço poderia esperar. Quando me dei conta, lá estava eu levando trabalho para casa. O trabalho estava me proporcionando um prazeroso senso de autorrealização, algo que eu desejava sentir cada vez mais.

 

Quando o trabalho deixa de ser um serviço a Deus e ao próximo e se torna um ídolo?

O trabalho é algo bom e recompensador, Deus o criou. Mas, como tudo na vida, ele tende a se tornar um ídolo no momento em que deixamos que se torne o centro de nossas vidas. Isso ocorre de forma gradativa e inconsciente. É claro que ninguém planeja tornar o trabalho o centro de sua vida, mas quando ele passa tomar cada vez mais do nosso tempo e de nossas aspirações, ele se torna a fonte principal do nosso prazer e contentamento. Embora me alertassem, eu não admitia estar trabalhando demais, para mim tudo estava sob controle. Eu jamais seria capaz de ser “esse tipo de pessoa” viciada em trabalho, afinal, meu sonho era cuidar de um lar, marido e filhos, não havia nenhum risco para mim. Ledo engano.

 “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá”? (Jeremias 17.9)

Com o tempo comecei a notar que, meu prazer no trabalho era maior do que meu deleite no descanso. Eu precisava produzir freneticamente, me sentia incomodada ao descansar, e mesmo quando tentava, não conseguia. Eu precisava estar o tempo todo resolvendo coisas para alimentar aquela sensação de produtividade, de ter tudo sob o meu controle.

Permaneci nessa rotina frenética por cerca de dois meses, até que minhas forças começaram a se esgotar. Cambaleei. Já não conseguia mais vencer o sono e o cansaço, minha indisposição era visível. Havia dias em que as horas simplesmente passavam, bem diante dos meus olhos, sem que eu tivesse feito absolutamente nada relevante, minha lista de tarefas só aumentava. Eu já não conseguia ser produtiva, estava esgotada. Fui tomada por um enorme senso de impotência e frustração. Foi quando o Senhor começou a falar comigo e revelar o ídolo que eu estava construindo em meu coração.

Mas, uma vez que o trabalho em si não é algo ruim ou pecaminoso, como podemos identificar o ídolo? Como saber quando o trabalho está deixando de ser um serviço a Deus e se tornando um ídolo? Nem sempre é fácil identificar, mas eis alguns indícios:

  • Quando ele deixa de ser um meio de glorificar a Deus e se torna um meio de presunção;
  • Quando ele se torna nossa maior motivação;
  • Quando ele passa a nos controlar e governar;
  • Quando passamos a servir mais ao trabalho do que a Deus;
  • Quando o reconhecimento de nossos esforços e sacrifícios se torna nossa motivação;
  • Quando começamos a deixar de lado as demais coisas em segundo plano para atender as demandas do trabalho;

O trabalho na perspectiva correta

Deus não nos deu o trabalho como instrumento de autorrealização, mas como instrumento de santificação; não como um instrumento de autoglorificação, mas um instrumento de humilhação. Por meio do trabalho percebemos nossa limitação: Deus nos lembra diariamente de que o trabalho não subsiste por causa de nós, mas, apesar de nós. Por trás do palco de todo nosso esforço Deus revela sua soberana e gloriosa mão conduzindo todas as coisas para o fim principal: a sua glória.

Abandonar um ídolo não é fácil, o caminho é árduo, mas, o primeiro passo é colocarmos o trabalho na perspectiva correta, lembrando-nos diariamente de que ele não tem a ver conosco, mas com Deus. É tudo sobre Ele, nada sobre nós. Escrevo estas palavras, não como alguém que já tenha alcançado, mas como alguém que permanece lutando. Se esta também é a sua condição, saiba que você não está só, tens aqui uma companheira de luta. Me permita compartilhar com você alguns conselhos práticos que têm me ajudado nesse caminho. Rogo a Deus para que você possa colocá-los em prática:

  • Descanse, lembre-se que Deus te criou com limitações. Descansar é mais do que uma escolha, é uma necessidade;
  • Não leve o trabalho para casa, respeite seus limites;
  • Ao chegar em casa, se desligue do trabalho. Deixe de lado as mensagens, os e-mails e as preocupações, eles estarão lá amanhã esperando por você;
  • Cumpra seus horários de trabalho, tire tempo para o café e para o almoço;
  • Não se torne escrava das urgências, alguns problemas podem esperar;
  • Não deixe de beber água ou ir ao banheiro;
  • Não negligencie sua alimentação, alimente-se bem e coma sem pressa, seu trabalho não é mais importante que sua saúde;
  • Faça pausas estratégicas, caminhe um pouco, converse, sorria;
  • Ore e confie em Deus – orar no trabalho tem sido uma das minhas experiências mais significativas nos últimos tempos. É maravilhoso ver Deus operando em nosso trabalho quando deixamos de confiar em nossa própria capacidade e nos sujeitamos a Ele;
  • Não se sinta frustrada quando seus esforços parecerem inúteis, dias assim são oportunidades de nos gloriarmos nas nossas fraquezas e nos deleitarmos na soberania de Deus.
  • Não idolatre a sexta-feira. Ela antecede o descanso e essa expectativa nos causa euforia, mas não devemos supervaloriza-la em detrimento dos outros dias que o Senhor nos dá. Devemos render graças a Deus todos os dias, inclusive na segunda-feira.
  • Fuja da procrastinação, seja diligente e evite acumular tarefas desnecessariamente;
  • Não negligencie seu tempo devocional. Se a Palavra de Deus e a oração não imperarem em nosso coração, os ídolos o farão.

A Palavra de Deus nos concede a motivação para que nos dediquemos com afinco ao trabalho, pois, por meio dele glorificamos a Deus; o consolo para que não desanimemos no trabalho, pois, sua obra já está consumada; e a humildade para reconhecermos que todo o nosso trabalho não passa de um pequeno grão na imensidão da gloriosa obra de Deus. O trabalho de nossas mãos só fará sentido se estiver apontando para Cristo, o fim, o propósito e a glória de todo o trabalho.

Se minha força estiver no trabalho de minhas mãos serei vencida pelo orgulho ou esmagada pelo fracasso, mas, se minha força estiver no Senhor, o trabalho será simplesmente o que Deus o criou para ser: uma estrada empoeirada, por meio da qual a glória de Deus é manifestada.

Um fraterno abraço de sua irmã, vitoriosa em Cristo.

[1] João Calvino, 1536.

Por: Prisca Lessa. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Confissões de uma jovem lutando contra a idolatria ao trabalho.