Biografia: como você escreveria a sua?

A minha costuma ser bem simples: sou Ana Rute Cavaco, tenho 42 anos, sou casada com o Tiago, mãe da Maria, Marta, Joaquim e Caleb. Trabalhei numa editora de manuais escolares, mas desde 2007 que estou dedicada a tempo inteiro à família e à Igreja onde sirvo com o meu marido, que é pastor.

Dependendo do destino desta biografia, poderia acrescentar que sou a mais velha de cinco irmãos, que nasci e cresci em Lisboa, que gosto de nuvens, de fotografar e preciso de um café duas vezes por dia.

Quando fazemos estas bios ou introduções, pretendemos apresentar-nos a outros que não nos conhecem ainda, para os contextualizar, certo? Só assim nos podemos conhecer. Tudo certo.

A minha vida tem mudado tanto, a biografia que escrevo hoje é tão diferente da que escreveria há 10 ou 15 anos. Com as mudanças da minha vida, apercebi-me que estas afirmações acerca de quem eu sou, de onde vim e para onde vou poderiam ser confundidas com a minha verdadeira identidade. Descobri isso quando, em 2007, deixei de ter uma profissão. E também descobri que a importância de dizer o que fazia e como fazia, estava directamente ligada à maneira como me via a mim mesma.

Se isso acontece contigo, e uma das coisas onde alicerças a tua identidade estiver a caminho de te ser retirada, podes ir a caminho de uma grande, grande crise. Tal como eu tive.

Os rótulos, as categorias

Categorizar as pessoas não é uma coisa errada em si, mas o problema surge quando essas categorias são o que sustém aquilo que nós somos, o propósito a que nos sentimos chamadas na vida. Pode até dar-se o caso de algumas destas áreas que temos como inabaláveis para nós (no meu caso, era a minha independência e a realização que eu encontrava em ser uma boa profissional) nos serem retiradas e desestabilizarem completamente a noção de como nos vemos. Em menos de nada, podemos dar com uma vida com a qual não nos preparámos para viver e sentimo-nos vazias, inúteis, sem propósito. Isso pode acontecer contigo, mais fácil do que imaginas.

Quem sou eu?

A questão com a identidade, com aquilo que tu és, é muito mais rica do que podes imaginar para ti mesma. Em Génesis 1.27, a Bíblia diz: “E criou Deus o homem à sua imagem. à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou”. O que quer que isto queira dizer – parece tão utópico, não é? – começa por nos afirmar que o que quer que seja a nossa identidade, ela tem de ser encontrada naquele que teve a ideia de nos inventar. A nossa identidade não é encontrada em categorias, tarefas, em sucesso ou em fracasso, é encontrada em Deus.

Porque Deus nos fez à sua imagem, Ele fez mais do que simplesmente dar-nos valor; ele imprimiu em nós, no nosso DNA, um sentido profundo de propósito e de chamada. Nos tempos em que não havia internet e as terras eram distantes umas das outras e governadas por reis que a maior parte das pessoas nunca tinham visto, era comum fazerem-se estátuas ou imprimirem-se imagens desse rei em moedas ou selos. A ideia de fazer isto era a de lembrar aos cidadãos que eles viviam debaixo de uma autoridade que eles nem sempre viam, mas que estava presente.

Como portadoras da imagem de Deus, nós somos chamadas a representar, anunciar essa imagem, e a carregarmos essa identidade. Agostinho, um dos teólogos e filósofos dos primeiros séculos do cristianismo, escreveu uma frase que descreve isto muito bem: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”

Nada menos do que Deus vai-te satisfazer. Vais encontrar prazer em muitas coisas da vida – mas sem Deus vais sempre ter um vazio por preencher, que nenhuma dessas coisas te dará.

Mas à medida que podemos ir descobrindo a nossa identidade em Deus, podemos ser facilmente tentadas a querer ser Deus. Podemos desenvolver um sentido de nós mesmas, uma auto-suficiência que nos convence que somos mais fortes, mais capazes, mais espertas, mais poderosas do que realmente somos. Podemos acreditar que as categorias podem ser quebradas, que nada nos pode oprimir e podemos começar por confundir a nossa identidade criada por Deus com a identidade de Deus como nosso Criador.

O fruto

Em Genesis 3, logo a seguir a Deus ter criado os seus portadores de imagem, o homem e a mulher, vemos estes mesmos portadores a rejeitar a identidade que Deus lhes tinha acabado de dar, no momento em que rejeitam a autoridade do Criador. Tentados pela serpente de que eles seriam como Deus, eles decidiram provar do fruto proibido. Quiseram alcançar a independência, a autodeterminação e a liberdade. Em vez disso, receberam tristeza, sofrimento, confusão e morte.

Quando Adão e Eva comeram do fruto, eles fizeram muito mais do que passar a linha “não tocar”. Eles negaram a autoridade e o poder do seu Rei. Em vez de eles serem os representantes do seu poder e glória, eles roubaram o poder e a glória para eles mesmos. Para sermos portadoras da imagem do nosso Deus, temos que em primeiro lugar nos submeter à autoridade do nosso Rei.

O convite de Deus para vivermos a vida no seu pleno não se contradiz com o facto de ele ser a própria vida. O facto de Deus ser bondoso ao ponto de experimentarmos a sua glória não significa que nós podemos roubar a glória para nós mesmas. Em Isaías 42:8 diz: “Eu sou o Senhor; este é o meu nome; a minha glória eu não darei a mais ninguém!” Da mesma forma que Deus estabelece os limites da nossa identidade, ele guarda e protege os limites da sua própria identidade.

Tal como o primeiro homem e a primeira mulher, podemos facilmente ser conduzidas ao orgulho e ao desejo de sermos Deus. Às vezes é de forma subtil ( nenhuma de vocês acorda de manhã a dizer: hoje eu sou Deus!), mas sempre que presumimos que podemos viver fora dos limites que Deus nos dá, sempre que obedecemos a outras vozes que não são a voz de Deus, cada vez que lutamos limitadas nas nossas próprias forças e para a nossa própria glória, negamos a verdade de quem Deus é de quem nós somos. Em vez de refletirmos o seu poder, nós atraímos o poder e a glória para nós mesmas.

Mas a esperança, a grande e enorme esperança é de que Deus não nos deixa sozinhas, não permite que nos destruamos assim. Na sua enorme misericórdia, ele vem para resgatar todos os que estão perdidos – nós! e a ensinar-nos a vivermos como o seu povo querido. Em Filipenses 2.6-8 lemos “Que, Jesus, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” – fala de o maior exemplo da mais profunda humildade. Quando Jesus, sendo o filho de Deus, o grandioso Deus, acedeu em estar limitado a um corpo e viver com os limites iguais aos da nossa humanidade, ele veio restaurar a identidade que tinha sido perdida e distorcida com o primeiro homem e com a primeira mulher.

À medida que conhecemos melhor a vida de Jesus, nós recuamos ao modelo inicial da nossa identidade. De forma a sermos nós mesmas, precisamos conhecê-lo melhor. De maneira a reflectirmos o seu poder e a sua glória (e não a roubarmos o seu poder e glória), temos de ser tornadas mais como ele. Como diz em Colossenses 3.10: “e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”.

Isto, na prática, pode significar perdermos algumas das coisas que achamos fundamentais para a nossa existência – mas que na verdade não são. Pode significar darmos connosco a questionar tudo, mas ao fazê-lo e ao perdermos algumas dessas coisas, encontramo-las. Ao nos rendermos completamente ao nosso Pai do céu, vamos experimentar a melhor vida de todas, abundante, cheia, plena. Deus, na sua sabedoria, entendeu que ao sermos portadoras da sua imagem, oscilamos entre momentos de exaltação e de humilhação. Isto serve para nos lembrar de que aquilo para o qual fomos criadas é demasiado grande e superior para ser restringido a categorias. Ao mesmo tempo, confronta o nosso orgulho, lembrando-nos que nós não somos nem nunca seremos Deus. Neste sentido, encontrarmos a nossa identidade recentra e coloca-nos no melhor lugar possível.

Pode-se dar o caso, à medida que desejas conhecer melhor Deus e redefines a tua identidade, a ainda centrares quem tu és naquilo que fazes, e a usares de justificações de como gastas o teu tempo, do que fazes, como fazes. Irás continuar a querer ser uma boa profissional, uma boa mãe ou mulher, fazer coisas de que gostas. A vida ao teu redor pode nem mudar, mas a forma como tu ages em todas essas coisas irá mudar para melhor.

E assim quando a tua identidade é reconsiderada e colocada no lugar certo e coisas difíceis surgem: pode ser uma doença, a perda de um querido, o desemprego, uma separação, a forma como te posicionas neles é diferente. Cada novo desafio será uma oportunidade para Deus trabalhar no teu íntimo, para te moldar mais à imagem de Jesus.

Quando surgirem momentos de grande dificuldade – porque eles surgem sempre em alguma altura da vida – é quando Deus os usa para te mostrar como ele é suficiente para ti. Ele trabalha, ele molda, ele redefine a tua vida para que possas brilhar para a sua glória. Não tenhas medo quando isto acontecer. Não tenhas medo quando surgirem questões e coisas onde encontravas imenso prazer já não são assim tão importantes. Não tenhas medo nunca. Deus está sempre a trabalhar, ele não descansa, ele não vai parar enquanto tu não fores aquilo que ele deseja que tu sejas: uma mulher que é um reflexo da grandeza e da glória do seu Deus.

Por: Ana Rute Cavaco. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Biografia: como você escreveria a sua?