Pastor é empregado da igreja?

Este artigo contém partes do livro: Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas, de Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina. Publicado com permissão.

É um clássico do pensamento da Igreja: Pastor é vocação. Em se tratando de uma figura que tem como função liderar a comunidade de fé, a cosmovisão cristã entende que a figura do Pastor nasce de um chamado espiritual, transcendental, a saber, dado pelo próprio Deus. Mas saber disso, em um período com vários tipos de afrontas à natureza da Igreja, significa entender os fundamentos jurídicos que amarram esta convicção de fé, o sentimento religioso.

Vejamos os motivos que explicam a inexistência de vínculo trabalhista entre Pastor e Igreja (se você discorda, seja bem-vindo! Aproveite o texto para esclarecer suas dúvidas e quem sabe, reconhecer que está errado, confessional e juridicamente falando).

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT reza, em seu artigo 3º, que:

Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Esse dispositivo dá as diretrizes para a verificação se o vínculo existente entre um prestador de serviços (sentido lato) e seu contratante é de natureza trabalhista. Todavia este dispositivo não se aplica ao sacerdócio, senão vejamos:

O vínculo entre o sacerdote[1] e a Igreja (organização religiosa) se dá a partir de um convite, denominado eclesiasticamente, CHAMADO DIVINO ou CHAMADO ESPITIRUAL. Uma vez aceito o chamado, o sacerdote passa a ter o munus eclesiástico sobre a igreja e esta assume a manutenção financeira do líder, nunca em sentido sinalagmático, mas, sim, no espírito de fé e crença de manutenção do líder espiritual.

No Brasil vigora desde 2009 o Acordo Internacional Brasil & Santa Sé, internalizado por meio do Decreto n.7.107/2010, que trata sobre direitos humanos e prevê expressamente a inexistência de vínculo trabalhista ente o sacerdote e a igreja. Estabeleceu-se em seu art. 16, item 1:

O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as dioceses ou institutos religiosos e equiparados é de caráter religioso e, portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.

Tal tratado internacional que disciplina a relação entre o Brasil e a Santa Sé foi ratificado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados,[2] conforme artigo 5º, parágrafo 3º da CRFB/88, e deve, então, ser estendido, no que concerne às proteções ao fenômeno religioso e às questões de ordem espiritual e eclesiástica, a todas as organizações religiosas pelo próprio princípio da laicidade não confessional, que prevê absoluta isonomia a todas as confissões religiosas, não podendo privilegiar a Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo que apenas esta disponha de personalidade de Direito Internacional.

Em outras palavras, é exatamente pelo fato de o Brasil ser um Estado laico que o Acordo em questão deve ser aplicado.

Destarte, sendo o acordo entre Brasil e a Santa Sé um tratado internacional que expande um direito humano constitucionalmente protegido: liberdade religiosa e dignidade da pessoa humana, o seu descumprimento é inaceitável, tornando a CLT e até mesmo normas constitucionais trabalhistas inaplicáveis a sacerdotes religiosos e fiéis consagrados.

O princípio da legalidade, tão caro em qualquer democracia onde seus cidadãos são livres, diz que ao cidadão é permitido fazer tudo que a lei não lhe proíbe. A sociedade não está limitada à lei, mas o Estado, sim, está. O Estado não pode impor ao cidadão o que a lei não lhe permite impor, pois este é livre. Ao contrário, é o Estado que seguirá aquilo que a lei limita, pois esse só pode agir dentro do que lhe é previsto, a partir do princípio da reserva legal.

Sendo assim, se o tratado internacional do Brasil com a Santa Sé diz que “O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as dioceses ou institutos religiosos e equiparados é de caráter religioso e […] não gera, por si mesmo, vínculo empregatício”, logo o Estado está terminantemente proibido de reconhecer o vínculo empregatício entre ministros ordenados e as instituições religiosas onde eles exercem sua vocação, pelo simples fato de que não é previsto que assim o possa fazer.

Do outro lado, a sociedade é livre para fazer conforme lhe bem apraz, desde que não lhe seja proibido. É possível, mesmo sendo desaconselhável, pois as naturezas são distintas, que uma determinada igreja assine a CTPS de seu líder. Isso se dá pelo simples fato de que as igrejas não são proibidas de contratar algum ministro como empregado, se assim quiserem. Todavia, pela legislação brasileira, conforme acordo realizado com a Santa Sé, sacerdote religioso não é empregado de igreja, logo, não pode ser imposto às organizações religiosas que optem por esse tipo de vínculo.

A única hipótese possível para a existência de vínculo trabalhista entre um líder espiritual e a organização religiosa é no caso de desvirtuamento das funções eclesiásticas. Esta ocorre quando o líder exerce funções que não guardam nenhuma relação com o fenômeno religioso, caso contrário a aplicação do Acordo internacional da República Brasileira com a Santa Sé é imediata.

Reforçamos, mais uma vez, o que foi exposto acima: qualquer tentativa de submeter a Igreja ao Estado resultará no fim do Estado laico, pois este acabará, inevitavelmente, imiscuindo-se nos cuidados da religião; descaracterizando, na essência, a laicidade estatal.


Bibliografia

SANTA SÉ, Acordo. Decreto nº 7.107 de 11 de Fevereiro de 2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm >

[1] Padre, pastor, reverendo, apóstolo, bispo, rabino, babalorixá, ancião, presbítero, evangelista, pai de santo, profeta, etc.

[2] No Senado Federal tramitou a PDC 716/2009. http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/92932 , enquanto na Câmara dos Deputados tramitou sobre o PDC 1736/2009. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=44473

Por: TR Vieira e Jean Regina. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Pastor é empregado da igreja?