Segundo domingo de advento: O Profeta

“O Senhor, seu Deus, fará com que do meio de vocês, do meio dos seus irmãos, se levante um profeta semelhante a mim; a ele vocês devem ouvir.” Dt 18.15

A palavra do ano de 2016 escolhida pelo dicionário britânico Oxford foi “pós-verdade”. Segundo a definição proposta pelo dicionário, o verbete significa “relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal”.[1] A definição proposta pelo dicionário explica bem o momento histórico que vivemos. Não podemos mais usar o artigo definido “a” para “verdade”, temos que aceitar que existem inúmeras verdades. O problema é que se tudo é verdade, nada é verdade. A “verdade” no conceito moderno é definida pela razão pessoal. A subjetividade da verdade e o relativismo moral são as piores coisas que podem acontecer a uma nação. Quando não há fundamento a nação se desintegra. O livro de Juízes nos serve como exemplo. Aquela geração posterior da geração de Josué não conhecia mais o SENHOR e a tônica do livro é: “Os filhos de Israel fizeram o que era mau aos olhos do SENHOR […] e naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais certo” (Jz 2.11; 21.25). O pós-modernismo faria bem se aprendesse com Israel que sua filosofia está fadada ao fracasso!

Aliás a verdade tem sido sempre questionada. Foi essa pergunta que Pilatos, governador da província romana da Judéia, fez a Jesus: “O que é a verdade?” (Jo 18.38).[2] Sabemos que esse questionamento acerca da verdade não tem origem humana, mas do próprio Satanás. Foi ele quem questionou pela primeira vez: “É verdade que Deus disse […]?” (Gn 3.1). Foi acerca dele que Jesus disse: “Ele foi assassino desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Aqueles que tentam “matar” a verdade (Jo 8.40) dão prova de que “são do diabo” (Jo 8.44).

Foi nesse contexto de muitas “verdades” e falsos profetas que Deus instruiu seu povo quanto a quem deveriam ouvir em Dt 18.15. Moisés tinha sido um profeta inigualável. Deus se revelou a ele face a face e o tratou como amigo. Nunca mais se levantou em Israel um profeta como Moisés (Dt 34.10). Ele serviu como um “mediador” entre o povo rebelde e o Deus santo. O povo pediu: “Não nos faça ouvir de novo a voz do Senhor, nosso Deus, nem ver este grande fogo, para que não morramos” (Dt 18.16). Deus então enviou Moisés.

Mas algo surpreendente foi dito por esse grande profeta. Deus enviaria um outro profeta. Um homem que fosse semelhante a Moisés e o povo deveria ouvi-lo. A expectativa por esse novo profeta era grande. Sabemos por passagens do Novo Testamento que essa profecia não tinha sido realizada plenamente no período do Antigo Testamento. O povo ainda procurava pelo Profeta:

Diante disso, lhe perguntaram: — Quem é você, então? Você é Elias? Ele disse: — Não sou.
Então perguntaram: — Você é o profeta? Jo 1.21

— Então por que você batiza, se não é o Cristo, nem Elias, nem o profeta? Jo 1.25

Com a vinda de Jesus foi se tornando cada vez mais claro que era acerca dele que Moisés profetizou. Talvez a passagem que nos exemplifica melhor essa realidade é a da transfiguração de Jesus (Lc 9.28-36). Semelhantemente do que tinha acontecido no monte Sinai em Êx 20, Jesus, Pedro, João e Tiago, também estão no topo de um monte. Como Moisés, eles também viram a glória do próprio Deus, só que dessa vez não mais em fumaça, fogo e trombetas, mas no próprio Filho Jesus Cristo: “A aparência do seu rosto se transfigurou e a roupa dele ficou de um branco brilhante” (Lc 9.29). Para deixar mais claro ainda o paralelo com o Sinai, o texto diz que Moisés aparece ao lado de Elias. Dois grandes profetas de Israel, os maiores! Os discípulos que eram de tradição judaica, tinham alta estima por esses homens. O ambiente estava tão bom que Pedro decidiu perpetuar aquele momento sugerindo que tendas fossem feitas para que eles permanecessem ali. Mas a experiência no “novo Sinai” ainda não terminara. O texto diz que uma nuvem veio e os envolveu. Como aconteceu no Sinai, os discípulos ficaram com medo ao entrar na nuvem. Aquela voz que tinha sido ouvida por todo o povo de Israel no pé do monte, agora entrou na história novamente. Veja o que diz o texto:

“E dela veio uma voz que dizia:
— Este é o meu Filho, o meu eleito; escutem o que ele diz!” Lc 9.35 (ênfase do autor)

Espere um pouco…Moisés, o grande profeta estava presente. Elias, o grande profeta que tinha sido arrebatado em carruagem de fogo também estava lá. A voz do temível Deus não fez referência alguma a esses grandes homens, mas ao seu Filho. O Filho tem primazia sobre os grandes profetas do Antigo Testamento. A ordem divina nitidamente dizia que o verdadeiro Profeta tinha chegado – “escutem o que ele diz!”. Deus quis ensinar aos seus discípulos aquilo que Filipe tinha descoberto anteriormente: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José” (Jo 1.45). Nas palavras de Filipe, em Jesus “achamos” o cumprimento de todas as profecias que os profetas escreveram, inclusive Moisés.

Meus amigos ouvir a Jesus não é uma opção, é uma ordem. A ordem é clara, “a ele vocês devem ouvir” (Dt 18.15). Em tempos de “pós-verdade”, nós podemos afirmar com convicção que Deus falou claramente através do seu Filho. Aliás, aprendemos com Jesus que a verdade não é meramente um conceito abstrato ou filosófico, mas uma Pessoa – “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6 – ênfase do autor). Isso torna Jesus único na história humana. Líderes religiosos podem apontar para “uma verdade”, mas não se intitulam como “a verdade”. O compromisso que temos com Jesus é na verdade o compromisso que temos com a verdade.

Uma última pergunta pode ser feita: por que há pessoas que o negam? Por que há tanta rejeição ao Profeta verdadeiro? Deixemos o Profeta responder:

“Se digo a verdade, por que não creem em mim? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso, vocês não me ouvem, porque não são de Deus.” Jo 8.46

O comportamento que temos com a verdade revela a quem pertencemos. Negar Jesus é uma forma de ateísmo, é negar que Deus existe e rejeitar relacionamento com ele.


[1] Veja: https://g1.globo.com/educacao/noticia/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano-pelo-dicionario-oxford.ghtml

[2] “Verdade” é uma palavra chave no evangelho de João – 25 vezes.

Por: Thiago Guerra. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Segundo domingo de advento: O Profeta.