Os 3 Rs do Envolvimento do Cristão com a Cultura

Somos forasteiros nesta terra, vivendo entre o Reino que veio e o Reino que será consumado, não sendo do mundo, mas vivendo no mundo. Esta situação singular nos coloca em situações complexas. O embate cristão/cultura é algo que se dá desde os primórdios do cristianismo. Vemos esse embate inclusive na Bíblia: podemos nos associar com incrédulos? podemos comer carne? podemos comer carne sacrificada aos ídolos?

Voddie Baucham em um artigo intitulado O Peregrino em uma cultura pós-cristã, fazendo referência ao clássico de John Bunyan, O Peregrino, nos lembra que:

Como peregrinos nessa jornada para a Cidade Celestial, precisamos reconhecer o fato de que nascer na fé em Cristo é o fim da nossa inimizade com Deus, mas de modo algum o fim da guerra. Obstinado, Flexível, o Pântano da Desconfiança, e o Sr. Sábio-segundo-o-mundo, tudo foi obstáculo na jornada do Cristão pela Porta Estreita. Contudo, de várias maneiras, o pior estava por vir. Semelhantemente, nossa batalha com o mundo, a carne, e o Diabo só intensifica uma vez que passamos da morte para vida.

Velhos padrões de pensamento, tendências culturais e o constante bombardeio de  imagens e ideias podem obscurecer o caminho para a Cidade Celestial. Atravessar a Porta Estreita não é o fim da questão. O mundo pode não ser mais nossa “casa”,  mas ainda é onde vivemos. Como peregrinos, devemos reconhecer nossa necessidade de renovar nossas mentes constantemente. (Romanos 12:2), mortificar a carne (Gálatas 5:24), e resistir ao Diabo (Tiago 4:7).

O intuito desta postagem não é analisar caso por caso (e como há casos!), mas ajudá-lo a ter estruturas de pensamento para poder lidar com cada situação. Mark Driscoll propõe que podemos ter três tipos de reações diferentes quanto à cultura: receber, rejeitar e redimir.

Receber

Há coisas na cultura que fazem parte da graça comum de Deus a todas as pessoas, as quais um cristão pode simplesmente receber. É por isso que, por exemplo, estou digitando em um Mac e vou postar neste blog na internet sem ter que procurar um computador ou um formato de comunicação expressamente cristãos.

Rejeitar

Há coisas na cultura que são pecaminosas e não benéficas. Um exemplo é a pornografia, que não tem valor redentor e deve ser rejeitada por um cristão.

Redimir

Há coisas na cultura que não são ruins em si mesmas, mas podem ser usadas de uma forma pecaminosa e, portanto, precisam ser redimidas pelo povo de Deus. Um exemplo que teve grande repercussão na mídia é o prazer sexual. Deus fez nossos corpos para, entre outros fins, o prazer sexual. E, embora muitos tenham pecado sexualmente, como cristãos, devemos resgatar este grande dom e todas as suas alegrias, no contexto do casamento.”

Contudo, saber como agir em cada situação não é tão simples. É necessária uma grande dose de discernimento. Inclusive precisamos avaliar consequências futuras (que são muitas vezes imprevisíveis). As decisões que precisam ser feitas não são preto no branco. Há inúmeros tons de cinza – ou seja, existem benefícios e prejuízos que devemos ponderar. Por exemplo, hoje se fala muito de redimir eventos culturais com fins evangelísticos ou contextualizar-se à cultura (e, isso não é errado em si), mas não esqueçamos o que a história nos ensina com o sincretismo da Igreja Católica Romana. Repito: é necessária uma grande dose de discernimento!

Saindo deste escopo maior, há ocasiões em que estaremos em uma guerra cultural pela verdade. Kevin DeYoung propõe outros três pontos nessa situação:

1. Sem Retirada

Diante de controvérsia e oposição, é sempre tentador recuar para fronteiras mais amistosas. Mas trabalhar pelo bem comum é parte de amar nosso próximo como a nós mesmos. O impulso pietista de simplesmente concentrar-se em ganhar os corações e as mentes não considera suficientemente o papel das instituições e a importância de dar voz à verdade na arena pública. Muito pelo contrário, o progressivo impulso de ficar calado por medo de invalidarmos nosso testemunho é uma estratégia equivocada de vencer o mundo deixando-o vencer. Ou isso ou uma tentativa insincera de esconder o fato de que eles já não possuem quaisquer padrões éticos.

2. Sem Retrocesso

Não importa a pressão, nós nunca devemos nos desviar da palavra de Deus para agradar os poderes do mundo (Romanos 12:1-2). Esse princípio não determina automaticamente o curso de ação em cada esfera, pois a política deve às vezes ser a arte de ceder. Mas, quanto aos nossos compromissos doutrinários, nossa pregação de púlpito e nossos valores comuns, nós não devemos ceder um centímetro sequer se aquele centímetro nos afasta da verdade da Escritura (João 10:35). Aquele que se casa com o espírito desta era torna-se um viúvo na próxima. A igreja não é construída sobre novidades teológicas, e as almas não são ganhas por ambiguidade sofisticada. Todo aquele que se envergonha de Cristo e suas palavras nesta geração adúltera e perversa, o Filho do Homem também se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos (Marcos 8:38).

3. Sem Revidar

Se isto é uma batalha, então os seguidores de Cristo devem ser um tipo diferente de exército. Mesmo quando nossas emoções estouram, nossa compaixão deve se aprofundar. Não há espaço para triunfalismo, cinismo e disputas para ver quem faz mais pontos. Devemos ser guerreiros alegres e esperançosos. Quando injuriados, não devemos injuriar ou ameaçar em troca, mas confiar-nos àquele que julga retamente (1 Pedro 2:23). Não devemos nos surpreender com o sofrimento (1 Pedro 4:12). Não devemos odiar quando somos odiados (Mateus 5:43-44). E quando descansarmos em paz à noite, que não seja porque todos os homens nos louvam ou porque a cultura reflete nossos valores, mas porque nossa consciência está limpa (1 Pedro 3:16). Na luta contra os principados e potestades, não devemos nunca nos afastar, nunca ceder, nunca desistir do amor.

Espero que essa estrutura possa ajudá-lo em sua interação com a cultura. Se você deseja saber mais, um bom lugar para começar é o livro O Cristão e a Cultura de Michael S. Horton (lembrando que, como eu disse, esse assunto está em debate desde os primórdios do cristianismo).

Para Glória de Cristo e o Bem da Igreja,

Vinícius Musselman Pimentel