O culto substituto: Porque o culto público não pode ser virtual

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar…” (Eclesiastes 3.1, 5b)

Hoje completaram-se 18 dias desde que minha família começou a se isolar socialmente. Nesse período, temos recorrido, assim como muitos outros, a vários recursos tecnológicos que nos permitiram ter pelo menos um mínimo de contato social “seguro”. Minha esposa já “viajou” pelo mundo com nossos filhos usando Google Earth. Já assistimos uma apresentação do Cirque du Soleil, “andamos” nos brinquedos da Disney, conversamos com os familiares, ouvimos celebridades lerem livros e pastores contarem histórias para crianças, e até jogamos jogo da velha e da forca com os avós. E em meio a todos esses recursos, não é a toa que os cultos dos domingos também foram “sanados” por meio da tecnologia. Ou será que foram mesmo?

No filme Substitutos, Bruce Willis incorpora um homem que está socialmente isolado na sua casa não por semanas, mas por longos anos. A sociedade fictícia na qual ele vive aboliu a convivência social e a substituiu pela interação através de robôs a fim de fugirem da realidade do pecado, da dor e da morte. O filme torna nítida a diferença entre os dois mundos e mostra, resumidamente, as limitações da comunicação artificial mediada pela tecnologia, o desejo do ser humano de controlar e subverter uma realidade indesejada (tal qual determinada por Deus) e o anseio natural do ser humano por algo real.

Apesar de não termos chegado (ainda) à situação extrema retratada pelo filme, nós sofremos do mesmo mal. Não podemos negar os benefícios incontáveis que a tecnologia tem proporcionado ao ser humano, podendo ser usado, dentre tantas outras coisas, como ferramenta pela igreja tanto para servir ao próximo quanto para propagar ao Evangelho. No entanto, apesar da comunicação virtual ser cada vez mais eficiente, deparamo-nos com esse inescapável fato: O real nunca poderá ser substituído pelo virtual. E isso, hoje, em plena época de coronavírus e isolamento social, posa-nos um problema. Afinal, é possível ou não virtualizar um culto solene?

É fundamental que estejamos atentos às diferenças entre o virtual e o real. Essa diferença nos ajudará a responder a importante questão se é possível um culto solene sem a presença física das pessoas. Gênesis 2.7 mostra que, quando Deus criou Adão (adam), fez um boneco de terra (adamah) e soprou (nfh) nas suas narinas fôlego de vida (nishemat hayyim) e ele se tornou ser vivente (nefesh hayyah). A transliteração pode nos ajudar a ver o jogo de palavras do texto. O nome “Adão”, que pode ser tanto o primeiro homem quanto um termo genérico para humanidade, está relacionado com à terra, enquanto o fôlego de vida, soprado por Deus no homem, está semanticamente conectado ao homem como um ser vivente. Não podemos subestimar a presença física ou corpórea do homem no mundo porque a realidade criada por Deus, no espaço e no tempo, é a realidade espiritual e corpórea.

O ambiente virtual tem aspectos que simulam a realidade corpórea, mas nunca poderá se igualar a ele. Ao vermos e ouvirmos as pessoas através dos dispositivos de transmissão experienciamos algo parecido com a experiência de ver e ouvir as pessoas em sua presença física. Mas ainda assim, essa experiência nunca será completa. Quando estou conversando com alguém presente fisicamente a luz, as ondas de som e outras manifestações físicas fazem parte da experiência direta que tenho, porém através da tela ou caixa de som, por melhor que seja a transmissão, outro “tipo de manifestação” será experienciado por mim. Deus nos criou para relacionamentos corpóreos, por isso, nosso anseio natural pela experiência da presença física. O ambiente virtual poderá emular esse relacionamento, mas jamais se igualar ou mesmo substitui-lo.

Deus também nos criou para relacionamento consigo através do corpo. A adoração em espírito e verdade que o Pai procura é adoração no corpo e na alma (Jo 4.24), porque ela é adoração no tempo e no espaço. Deus criou o homem para agir no mundo através do corpo, por isso, a convocação de ajuntamento dada por Deus é física e não pode ser substituída pelo virtual. O ambiente virtual pode emular esse ajuntamento, mas nunca se igualar. Minha experiência no ambiente real do culto solene será completamente distinta, por melhor que seja a transmissão, do ambiente virtual. Quando estamos no culto ao Senhor os corações dos presentes se unem em adoração a Deus através dos elementos do culto. Esses elementos foram designados para serem experienciados fisicamente em coletivo. Quando ouço a leitura das Escrituras, posso ver as expressões de meus irmãos, ouvir as crianças, experienciar diretamente a relação dos meus irmãos com a voz de Deus, o que também afeta o meu próprio relacionamento com a Palavra que está sendo lida. Isso será verdade também para todos os outros elementos, especialmente os cânticos, pois poderei ouvir e ser ouvido pela igreja sem nenhuma interferência de taxa de upload.

A nossa possibilidade de fazer transmissão ao vivo de cultos ou gravações não podem substituir os encontros reais físicos. Da mesma sorte, podemos falar da Ceia do Senhor administrada através da transmissão virtual. Tais recursos estão limitados a impossibilidade de presença física exigida para o culto verdadeiro a Deus, o culto espiritual e físico. Por isso, culto e ceia virtual não são Culto Solene e Ceia do Senhor da mesma forma que um “abraço”, escrito numa mensagem, não é um abraço. Isso não impede que façamos transmissões dos cultos, mas não podemos atribuir status de culto o que não pode ter esse status.

Salomão nos mostra em Eclesiastes 3.1 que Deus determinou momento para todas as coisas da vida. Esse tempo fala também dos meios que tais coisas podem e devem acontecer. O versículo 5, por exemplo, fala do tempo de abraçar e de afastar. Ao sentirmos a ausência de alguém, impedidos de estarmos juntos, vemos também nossa limitação corpórea. Deus nos criou em corpos, extensões no espaço e no tempo, que não podem se estender para além daquilo que ele designou. Portanto, o livro de Eclesiastes nos ajuda a lembrar que há tempos de privação. Não é nossa tarefa mudar isso determinado por Deus, mas aprendermos a lição do que está sendo ensinado por esse tempo. Os nossos dias se encaixam em momento de “afastar-se de abraçar”, como disse o Pregador. Não devemos usar a tecnologia para criar meios de maquiar a dura realidade que nos encontramos de privação do Culto Público, mas podemos utilizá-la para auxiliar a passar por esse tempo.

Que possamos viver este momento de anseio pelo ajuntamento corpóreo da igreja e do alimento providenciado pelo sacramento da Ceia do Senhor, consolados que Ele está conduzindo sua igreja de forma gloriosa. Não precisamos, assim, nos render aos apelos tecnológicos e tentar fugir deste tempo de deserto, mas passar por ele glorificando a Deus com corações alegres em ação de graças.

Por: Ronaldo Vasconcelos. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: O culto substituto: Porque o culto público não pode ser virtual.