Um blog do Ministério Fiel
Devemos ungir com óleo? (2)
Alguns irmãos questionaram sobre a questão do óleo em Tiago – se ele refere-se a uma unção simbólica ou não (veja os comentários da postagem anterior). Primeiro quero enfatizar quatro pontos antes de continuarmos:
(1) Essa questão não é central a fé e, portanto, o erro nela não é uma heresia (se você não levar para extremos como “extrema unção”). Por isso no começo do ebook clamei para que ninguém o usasse de forma imprudente.
(2) Embora não seja central a fé, podemos observar na história que símbolos não raramente se tornam objetos de idolatria. Então, não devemos ser levianos na questão.
(3) Se você não leu o ebook ainda, sugiro que você o faça antes de continuar. (clique aqui ou na imagem ao lado para baixar)
(4) No texto que escrevi falo sobre quatro usos atuais de se ungir: (i) consagração de ministros, (ii) simbolismo de recebimento do Espírito Santo, (iii) simbolismo de cura e (iv) consagração de objetos. Afirmo que o NT não prescreve nenhum deles para ser realizado de forma simbólica. Aqui só o (iii) está em debate, pois de fato não há nenhuma outra referência sequer controversa a respeito dos outros três pontos. Logo, fica certo que não há prescrição do NT para ungir com óleo ao consagrar ministros, objetos ou como simbologia de recebimento do ES (não adentrando o debate do pentecostalismo).
Voltando a questão da simbologia ou não do óleo, apesar do ebook já argumentar sobre isso, quero fazer jus e postar o argumento de um respeitável teólogo (Vincent Cheung) que defende a questão simbólica.
Há várias passagens bíblicas que as pessoas usam para tentar justificar o uso da medicina. Tomaremos primeiro Tiago 5:14-15 como um caso representativo, visto que examinar os argumentos a favor e contra o uso da medicina baseado nessa passagem será útil quando estudando diversas outras passagens. A passagem diz o seguinte:
Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado.
Donald Burdick diz que deveríamos considerar “essa aplicação de óleo como medicinal antes do que sacramental”. Afinal de contas, “é um fato bem documentado que o óleo era um dos remédios mais comuns dos tempos bíblicos…É evidente, então, que Tiago está prescrevendo oração e remédio”.[28] Veremos que essa interpretação é superficial e irresponsável.
Em primeiro lugar, nem todo erudito bíblico crê que o apóstolo Tiago está recomendando o uso de remédios. Por exemplo, E. Gibson escreve: “Se…o óleo era usado como um remédio real, (1) porque ele tinha que ser administrado pelos presbíteros? e (2) porque a cura é imediatamente atribuída à ‘oração com fé’? Essas questões parecem sugerir que o óleo foi imposto por São Tiago como um símbolo externo, antes do que como um remédio real”.[29] Em adição, Alexander Strauch escreve: “Tiago certamente não era tão ingênuo para acreditar que o óleo era curativo para todas as enfermidades. Podemos assumir que se o óleo fosse necessário para propósitos médicos, ele teria sido aplicado bem antes da visita dos presbíteros…A tarefa dos presbíteros era orar por cura, de acordo com o versículo 15, e é a oração com fé — não o óleo — que restaura o doente…O óleo, portanto, devia ter um significado simbólico”. [30]
Agora, se o óleo sozinho fosse suficiente para curar, então seria desnecessário orar por cura em conjunção com a unção do doente. Mas a passagem faz da oração o fator decisivo: “A oração feita com fé curará o doente” (Tiago 5:5). Contudo, se a oração é o fator decisivo, então o óleo não é um fator necessário; isto é, o óleo em si mesmo não é o meio ou nem mesmo um dos meios na cura. Tiago diz que é a oração que faz com que a pessoa seja curada, e que é o Senhor que a levanta. Não há implicação de que o óleo tenha qualquer parte em fazer a pessoa ser curada.
A Escritura registra casos nos quais Deus curou os casos mais extremos e até mesmo ressuscitou mortos em resposta à oração.[31] Em muitos destes casos, nenhuma substância, tal como óleo, foi usada. Isso significa que a oração sozinha é um meio suficiente para receber cura de Deus, que, conseqüentemente, significa que nenhuma substância possuindo valor médico é necessária quando alguém deseja receber cura dEle.
Mesmo que o óleo possua certas propriedades curadoras, quantos tipos de enfermidades ele pode curar? Tiago não coloca uma limitação nos tipos de enfermidades sobre as quais os presbíteros podem orar usando esse método. Aqueles que dizem que Tiago tinha o valor medicinal do óleo em mente devem também estar preparados para dizer que o óleo é um “cura-tudo”; de outra forma, sua interpretação falha em fazer a passagem ter sentido.
Agora, mesmo que o óleo possua algumas propriedades curadoras, a maioria das pessoas concordaria que a medicina de hoje é muito mais eficaz do que uma aplicação externa de óleo ao corpo. Aqueles que afirmam que o processo descrito aqui depende mesmo que parcialmente do valor medicinal do óleo devem também estar preparados para afirmar que Tiago, se ele estivesse vivo hoje, sugeriria melhores tipos de remédios. Mas não há indicação a partir da passagem que devamos interpretá-la dessa forma.
Aqueles que interpretam essa passagem como significando uma aprovação bíblica para o uso de remédios, não tem garantia para mudar ou igualar “óleo” com “remédio”; portanto, se eles baseiam suas tentativas de unir oração e remédio sobre esta passagem, eles devem continuar a usar somente o óleo como remédio, e nada mais.
Em outras palavras, se Tiago tem em mente o valor medicinal do óleo, ao invés de seu significado simbólico, aqueles que entendem a passagem dessa forma não têm razão para continuar usando óleo quando eles oram pelos doentes, visto que agora possuímos remédios muito mais eficazes. Contudo, a própria passagem não diz que você pode usar algo mais no lugar do óleo, mas que você deve usar o próprio óleo. Por outro lado, se Tiago está considerando o significado simbólico de óleo, então podermos continuar a usá-lo quando orando pelos doentes.
Portanto, a interpretação mais apropriada dessa passagem é que o óleo usado para ungir os doentes é meramente simbólico, e não devemos pensar que haja qualquer valor medicinal no óleo em si. Não há justificação para crer que Tiago tinha em mente algum valor medicinal que o óleo poderia possuir quando ele nos ensina a ungir com óleo e orar pelos doentes. A passagem simplesmente não ensina o uso de remédios, mas somente que Deus curará quando orarmos em fé, e ela estabelece uma forma pela qual podemos cumprir essa instrução. A conclusão é que mesmo que a Escritura permita o uso de remédios, essa passagem particular não diz isso. Mesmo que ela não desencoraje o uso de remédios, ela certamente não encoraja, visto que ela prescreve a oração como a solução para a doença.
[28] Expositor’s Bible Commentary, Vol. 12; Grand Rapids, Michigan: Zondervan Corporation, 1981; p. 204.
[29] The Pulpit Commentary, Vol. 21, “The General Epistle of James”; Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers; p. 71.
[30] Alexander Strauch, Biblical Eldership; Lewis and Roth Publishers, 1995; p. 258.
[31] Visto que eu já citei alguns deles num capítulo anterior, eu não os listarei novamente aqui.
Por: Vincent Cheung. Excerto do livro Cura Bíblica.
Tradução: monergismo.com
De fato, a passagem de Tiago não é uma passagem fácil. Existem outras questões, como: a doença é física ou espiritual? A passagem se refere ao dom de cura? Estava este restrito ao tempo apostólico? Não entrarei nestes quesitos, pois não é o foco. Contudo, sugiro que você leia também as seguintes opiniões:
1. João Calvino – Comentário de Tiago 5:14-15 (defende unção simbólica e dom de cura restrita aos tempos apostólicos. Aborda também a questão da extrema unção).
2. Herman Hanko – Oração e Cura (defende doença espiritual e unção simbólica)
3. Augustus Nicodemus Lopes, a quem muito respeito, em seu livro Tiago (Interpretando o Novo Testamento), afirma:
“não posso concordar com aqueles que pensam que óleo era usado como remédio nestes casos. […] Quanto a pergunta sobre se a orientação de Tiago nessa passagem se aplica hoje, respondo que não vejo objeção textual. Considerando, contudo, os abusos cometidos pela igreja católica e pela igrejas neopentecostais, pastores e presbíteros deveriam cuidar para não incorrer nos mesmos erros e também para não ser levados a essa prática por motivos incorretos. Além do que, deveriam observar criteriosamente o que Tiago recomenda aqui, para não adotar práticas espúrias, supersticiosas e humanas no ministério pastoral, que acabam por corromper a fé dos crentes”.
4. John Piper, pregando na passagem, afirma:
Tiago 5 é uma repreensão aos pastores que nunca tem fé para curar e igrejas que não oram no espírito de Elias. […] Este é um caso onde a pessoa está tão fraca e acamada que não pode sair facilmente para reunir-se à igreja. Vemos essa condição na expressão “orar sobre” (provavelmente, significando ele estar em uma cama com os anciãos em volta), e nós vemos na declaração “o Senhor o levantará” (o que implica que ele está deitado). Então, a situação em que os presbíteros são chamados provavelmente envolve uma condição física que impede uma pessoa de sair para ter comunhão com os irmãos.
Não julgando ter entendido todo assunto, atualizo brevemente com minhas considerações para continuarmos a boa reflexão cristã, fundamentada no amor de Cristo.