[Palavras de Amor] João & Idelette Calvino

Um coração que ama incendeia outro (Agostinho)


Abaixo segue um trecho do lançamento Palavras de Amor, da Editora Fiel.

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João & Idelette Calvino

Se Martinho Lutero foi o pioneiro da Reforma, o seu contemporâneo mais novo, João Calvino (1509-1563), deve ser considerado como o teólogo sistemático da reforma. Durante quase todo o seu ministério, de 1536 até sua morte, em 1564, Calvino esteve exilado na Genebra de fala francesa. Esses anos em Genebra foram interrompidos por um período de permanência em Estrasburgo, de 1538 a 1541, e foi nesse intervalo que Calvino casou-se. […]

Calvino não falou muito sobre sua esposa em suas cartas, durante os seus oito anos e meio de casamento. Ela faleceu em março de 1549, após ter sofrido com enfermidades durante muitos anos. […]

Nas duas cartas que se seguem, Calvino conta detalhes sobre a morte de Idelette a Viret e Farel. Sua intensa aflição revela o profundo amor que sentia por ela. Podemos ver a ternura de Calvino para com sua esposa à medida que ele fala sobre os procedimentos que adotou para aliviar qualquer ansiedade que ela pudesse ter em relação ao futuro de seus filhos, após a sua morte. Esse tipo de cuidado é um modelo para os maridos.

De João Calvino para Pierre Viret

7 de abril de 1549

Embora a morte de minha esposa esteja sendo algo excruciantemente doloroso para mim, a despeito disso, tento transpor minha tristeza da melhor maneira possível. Meus amigos têm sido zelosos em seus deveres para comigo. De fato, gostaria que eles pudessem estimular-me mais, bem como a eles mesmos; apesar disso, raramente alguém poderia exprimir o quanto tenho sido amparado por meio de suas atenções. Mas tu bem sabes o quanto minha mente está sensível, ou melhor, debilitada. Não fora por um poderoso domínio próprio, que a mim me foi concedido, eu não teria permanecido firme por tanto tempo. Não é minha, de fato, a origem dessa fonte comum de tristeza. Da melhor companheira de minha vida fui privado; daquela que, se assim estivesse determinado, não somente compartilharia, de boa vontade, da minha pobreza, como também da minha própria morte. Durante sua vida, ela foi uma fiel ajudadora em meu ministério. Da parte dela, nunca experimentei nenhum obstáculo. No decorrer de toda a sua enfermidade ela nunca me importunou; desassossegava-se mais por causa de seus filhos do que por si mesma. Porque eu receava que essas inquietações pessoais a aborrecessem sem motivo, três dias antes de sua morte, aproveitei a ocasião para dizer-lhe que não falharia em cumprir minhas obrigações em relação aos filhos dela. Ela replicou imediatamente, dizendo: “Eu já os entreguei a Deus”. Quando afirmei que aquilo que ela dissera não me impediria de inquietar-me por causa deles, ela respondeu: “Sei que você jamais descuidaria daquilo que a Deus foi entregue”.

De João Calvino para Guillaume Farel

Genebra, 11 de abril de 1549

Neste momento, tu já deves ter recebido informações acerca do falecimento de minha esposa. Tenho feito o que posso para não ficar totalmente dominado pela tristeza. Meus amigos também não têm deixado de fazer o possível para abrandar meu sofrimento mental. Quando o teu irmão partiu, já não mais havia esperança de vida para ela. Quando os irmãos se ajuntaram na terça-feira, acharam que seria melhor nos unirmos em oração; e isso fizemos. Quando Abel, em nome dos demais, exortou-a a ter fé e a ser paciente, ela brevemente exprimiu o que havia em sua mente (pois, naquele momento, já estava bem enfraquecida). Mais tarde, fiz mais uma exortação que me pareceu apropriada para a ocasião. E, depois, como ela não havia feito menção alguma acerca dos filhos, temendo que estivesse muito angustiada por causa deles, mas que estivesse se reprimindo por modéstia, fato que lhe poderia causar maior sofrimento do que a própria enfermidade, na presença de todos os irmãos, declarei que daquele momento em diante cuidaria dos filhos dela como se fossem meus. Ela replicou: “Eu os entreguei ao Senhor”. Quando respondi que aquilo que ela dissera não me impediria de cumprir minha obrigação, ela respondeu: “Se Deus estiver cuidando deles, sei que Ele os confiará a ti”. Tão intensa era a sua magnanimidade que parecia que ela já havia deixado este mundo.

Por volta das seis horas da manhã, quando ela já havia entregado o seu espírito ao Senhor, nosso irmão Bourgouin dirigiu-lhe algumas palavras piedosas, e enquanto ele falava, ela bradou de tal modo que todos perceberam que muito além do mundo estava elevado o seu coração. Pois estas foram as suas palavras: “Oh, ressurreição gloriosa! Oh, Deus de Abraão e de nossos pais, em quem os fiéis confiaram durante muitas gerações passadas, e nenhum deles confiou em vão. Eu também terei esperança”. Essas breves sentenças foram emitidas de modo súbito, em vez de serem pronunciadas claramente. Elas não partiram da sugestão de outras pessoas, mas sim de seus próprios pensamentos, o que deixou evidente, em poucas palavras, em que meditava o seu coração.

Eu carecia de sair às seis horas. Havendo sido removida para outro aposento após as sete horas, ela começou a desfalecer imediatamente. Ao perceber que sua voz falhara de modo súbito, ela disse: “Oremos, oremos. Todos vós, orai por mim”. Naquele momento, retornei. Ela não conseguia falar, e sua mente parecia perturbada. Encarreguei-me de orar, após haver dito algumas poucas palavras sobre o amor de Cristo, a esperança da vida eterna, a respeito de nossa vida de casados e de sua partida. Estando no total domínio de suas faculdades mentais, ela ouviu e prestou atenção à oração. Expirou antes das oito horas, de maneira tão serena que aqueles que estavam presentes mal podiam fazer distinção entre seu estado de vida e de morte. No presente, procuro conter minha tristeza para que isso não prejudique minhas obrigações…

Adieu, meu irmão e amigo mui excelente. Que o Senhor Jesus te fortifique por meio de seu Espírito; e que Ele me ampare em meio a essa intensa aflição, que certamente me venceria, se Aquele que levanta ao que está caído, que fortifica o fraco e dá vigor ao abatido não houvesse estendido sua mão do céu para mim. Saudações a todos os irmãos e a toda a tua família.

Atenciosamente,

— João Calvino