Sinclair Ferguson – Prólogo para Cristo

Prólogo para Cristo

O Evangelho de João sempre foi considerado o mais teológico dos quatro Evangelhos. Como Calvino disse, com alguma perspicácia, “Os três primeiros exibem o corpo [de Cristo], se me é permitido falar desse modo, […] mas João expõe a sua alma”.

Cada um dos Evangelhos possui um ponto de partida diferente. Mateus começa com Abraão, Marcos com João Batista e Lucas com Zacarias e Isabel. Mas o Evangelho de João começa no começo – na eternidade.

Os versículos iniciais são geralmente descritos como o Prólogo. Assim como a abertura de uma grande sinfonia, ele introduz os temas que o compositor (João) abordará em seu testemunho ao seu Senhor. Quais são esses temas?

A identidade de Jesus

Ele é a Palavra encarnada (1.14). Com um emocionante uso de suspense – leia o Prólogo devagar e em voz alta para senti-lo – João se demora antes de nomear o majestoso Logos em 1.17-18. Finalmente, nós aprendemos que Ele é Jesus! Ele vem a nós dos profundos recessos da eternidade.

O nosso Salvador é o Deus-homem, e nós deveríamos pensar a respeito Dele como ambos. No primeiro versículo, Ele é descrito como o companheiro de Deus (“Ele estava com Deus”) o qual, simultaneamente, é o próprio Deus (“e a Palavra era Deus”). Ele “se fez carne” (1.14). Plenamente Deus, plenamente homem; verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem.

Essa visão de Jesus – aquilo que veio a ser conhecido na teologia cristã como a união hipostática ou pessoal (o nosso Senhor possui duas naturezas unidas em uma pessoa) – é a chave-mestra para o Evangelho de João. Aquele que caminha por suas páginas é Deus o Filho que se fez carne.

Revelação em Jesus

O nosso Senhor é a Luz do mundo (João 1.4-5, 9; cf. 8.12). O Evangelho de João registra a autorrevelação de Jesus. Suas duas principais seções são por vezes chamadas o “Livro dos Sinais” (capítulos 1-12), no qual Ele aponta para a Sua própria identidade, e o “Livro da Glória” (capítulos 13-21), no qual Ele revela a Sua comunhão com o Pai e com o Espírito, e então é glorificado através de Sua morte, ressurreição e ascensão. Através de ambas as seções, o Senhor é luz brilhando na escuridão do mundo.

No Livro dos Sinais, Jesus é visto iluminando e expondo a escuridão que compõe a atmosfera na qual a humanidade vive. Assim é que Nicodemos, apesar de suas muitas boas qualidades, vem a Jesus “de noite” (João 3.2). A conversa de Jesus com ele deixa claro que, embora fosse um erudito, espiritualmente Nicodemos estava na escuridão.

No Livro da Glória, a luz de Cristo continua a brilhar apesar dos esforços dos poderes das trevas para extingui-la. Novamente, de modo significante, quando Judas se retira da reunião no cenáculo para trair Jesus, “era noite” (13.30).

Neste mundo no qual “os homens amaram as trevas mais do que a luz”, (3.19), a Luz do Mundo vem para desmascarar e julgar o pecado (9.39) e para revelar a Deus. Todo aquele que viu a Ele viu o Pai (14.9; cf. 1.18).

Cumprimento em Jesus

A Cristologia de João é estabelecida no contexto dos propósitos progressivos de Deus na história. “A lei foi dada por intermédio de Moisés; mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (1.17). O Antigo Testamento aponta para o Novo. Deus revelou a Si mesmo nas sombras e cerimônias por intermédio de Moisés; Jesus é a realidade para a qual elas apontavam. Nele está a plenitude (1.16).

Assim como João Batista (1.15), a Lei e os Profetas eram apenas testemunhas da Luz; mas Jesus é a própria Luz. É por isso que, para João, os eventos, as imagens e a linguagem do Antigo Testamento são como uma sombra projetada para trás da história por Cristo, a Luz do Mundo. A habitação de Deus no tabernáculo do deserto prefigurava a presença da Palavra encarnada como o templo final. É somente Nele que nós finalmente vemos a glória de Deus (1.14).

A obra de Jesus

O Criador é também Recriador. Desde o início do seu livro, João deixa clara a sua resposta à famosa indagação que formava o título da grande obra de Anselmo da Cantuária: Cur Deus Homo? – Por que o Deus-homem?

O que faz essa Cristologia de duas naturezas essencial ao evangelho? A resposta de João é dupla:

1. Somente Deus – Aquele por meio de quem “todas as coisas foram feitas” (1.3; cf. v. 10) e em quem estavam “a vida” e “a luz” (v. 4) – pode reverter a morte da criação e dissipar as trevas causadas pelo pecado.

2. Porém, uma vez que a morte e as trevas estão na criação, no homem, a Palavra deve fazer-se carne a fim de restaurar a carne a partir da própria carne. O Criador deve entrar na Sua própria criação, a qual geme por estar sob o jugo da alienação de Deus.

A Cristologia de João é uma Cristologia de cima e de baixo. Cristo vem do Pai, mas Ele é também nascido da Virgem Maria. Mas é mais do que isso. É uma Cristologia de fora e de dentro: “Quão grande é a diferença entre a glória espiritual do Verbo de Deus e a sujeira fedorenta da nossa carne!”, escreve Calvino novamente. “Ainda assim, o Filho de Deus inclinou-se tão baixamente ao ponto de tomar para Si mesmo aquela carne viciada em tantas misérias.”

Assim, João nos compele a tomar três passos para entendermos o Senhor Jesus Cristo:

1. A Palavra se fez carne.

2. A Palavra fez a Sua habitação entre nós.

3. A Palavra revelou a Sua glória.

Quando nós chegamos a conhecer Cristo como o nosso Redentor, nós descobrimos – para nosso deslumbre e alegria – que também chegamos a conhecer o nosso Criador! Então nós dizemos: “Vimos a Sua glória”.

A lição? Leia e releia o Evangelho de João até que você descubra que ele é maior por dentro do que aparentava ser por fora. Isso é verdade acerca do Evangelho de João porque é verdade, antes de tudo, acerca do evangelho de Jesus Cristo!

Por Sinclair Ferguson. Extraído do livro In Christ Alone: Living the Gospel-Centered Life. © Copyright 2007 by Sinclair B. Ferguson. Published by Reformation Trust.

Tradução: voltemosaoevangelho.com

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