Um blog do Ministério Fiel
A Prisão de Satanás
Apocalipse 20 é o único lugar na Bíblia que fala do “milênio” – o reino de mil anos de Cristo triunfante na terra. Em nenhum outro lugar, a Sagrada Escritura menciona essa palavra, então é necessário observar ensinamentos relacionados em outros lugares da Escritura para entender o que isso significa em Apocalipse. Um bom princípio da interpretação bíblica (utilizado desde os tempos antigos por Agostinho, Ticônio e outros autores cristãos primitivos) é que se interprete as poucas menções de uma palavra ou conceito à luz do que há de muito, e o que é simbólico através do que há de manifesto. Seria contrário a um entendimento claro das Escrituras fazer o muito se encaixar no pouco, ou o manifesto, no simbólico. Portanto, devemos entender o que Apocalipse 20, um livro altamente simbólico, diz sobre o milênio à luz do enorme número de outras passagens bíblicas que nos contam mais claramente (e de forma menos simbólica) o que ocorre entre a ressurreição de Cristo, sua ascensão aos céus e seu retorno final à terra para completar a sua obra vitoriosa. Com isso em mente, busquemos auxílio bíblico para decifrar a primeira coisa que é dita que acontecerá nesse período de mil anos entre as duas vindas de Cristo: a prisão de Satanás.
Apocalipse 20.1–3 diz que um poderoso anjo de Deus prende o Diabo por mil anos. Especificamente, o versículo 3 relata que ele está impedido de enganar as nações durante esse período. Algo acontece com a habilidade de Satanás de manter as nações da terra cegas para ver quem Deus é e o que o evangelho significa para elas. Como resultado da obra consumada de Cristo ao morrer na cruz, ao ressuscitar dos mortos, ao ascender ao Pai e ao ser coroado no trono de glória, Satanás perdeu seu poder de enganar os incontáveis milhões de pagãos que ele antes mantinha cegos para a verdade salvífica de Deus.
A antiga história de Jó pode nos dar uma importante compreensão sobre essa grande redução de poder de Satanás sobre as nações idólatras. Jó 1.6–12 retrata Satanás como possuindo a habilidade de achegar-se à presença imediata de Deus, junto com outros anjos ou “filhos de Deus” (v. 6). Ele usou essa posição de poder para causar grande mal a Jó. Mas de acordo com o que Cristo diz nos evangelhos, Satanás perdeu esse acesso privilegiado às côrtes celestiais, como resultado da encarnação e da obra de Cristo. Em Lucas 10.18–19, os setenta discípulos retornam com grande alegria de sua missão bem sucedida de pregar o evangelho, curar os enfermos e expulsar demônios. Cristo, então, explica como eles foram capazes de realizar essas maravilhas: “Ele lhes disse: ‘Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago’” (v. 18). Jesus explica a queda de Satanás em termos do ministério cristão: “Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano” (v. 19).
É significativo que os primeiros seres que reconheceram o Cristo encarnado, de acordo com o evangelho de Marcos, foram demônios. Marcos 1.24 e Lucas 4.34 estão entre as passagens que mostram os demônios clamando em terror que o Santo de Deus havia chegado para atormentá-los. Jesus explicou que quando ele expulsava demônios pelo Espírito de Deus (Mt 12.28–29), isso significava que o reino de Deus havia chegado. Em sua obra, ele estava amarrando o valente (isto é, o diabo), que antes estava mantendo pessoas na escura e dolorosa prisão da incredulidade, do pecado e do julgamento certo.
Após a crucificação e ressurreição do Senhor, e imediatamente após a sua ascensão de volta ao Pai, ele comissionou a igreja a ir e fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (28.19). Eles seriam capazes de fazer isso por causa da vitória de Cristo sobre Satanás, que há muito vinha cegando as nações, pois Jesus disse: “Todo poder me foi dado nos céus e na terra” (v. 18). O poder ilegítimo de Satanás sobre as nações foi arrancado dele e colocado nas mãos do legítimo Senhor e Salvador do mundo. Agora a igreja cristã pode fazer seu trabalho; pode engajar-se em uma missão bem sucedida por todo o mundo, trazendo as boas novas de liberdade do cativeiro àqueles que há muito estiveram em cadeias por causa do pecado e da incredulidade.
Colossenses 2.14–15 deixa claro o que aconteceu aos poderes do mal por causa do ministério de Cristo, especialmente o que ele conquistou na cruz: “[Ele] cance [lou] o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”. Isso indica que os poderes perversos foram derrotados, em princípio, na cruz de Cristo. Quando Jesus fez expiação de todos os nossos pecados no Calvário, alguma coisa aconteceu a Satanás. O maligno perdeu sua autoridade de manter as pessoas longe de Deus. Ele foi preso por aquilo que Jesus realizou.
As jornadas missionárias do apóstolo Paulo nos territórios pagãos da Ásia Menor, Grécia e Roma foram bem sucedidas em converter as nações antes em trevas à luz salvífica de Deus em Cristo com base na prisão de Satanás. Paulo diz em Atos 28.28: “Tomai, pois, conhecimento de que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios. E eles a ouvirão”. Esse tem sido o motor de todas as missões e evangelismos cristãos desde aquele dia até hoje.
Quanto tempo dura o milênio? Não deve haver dúvida de que ele começou com a obra consumada de Cristo na terra. Apocalipse 20 segue imediatamente após Apocalipse 19, que celebra o triunfo daquele que é “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (v. 16), cujo manto foi tinto de sangue (v. 13), e que agora governa as nações com cetro de ferro (v. 15). Mas quando ele termina? Apocalipse 20 o apresenta como contínuo até o fim dos tempos, quando após uma breve insurreição de Satanás, o julgamento final acontece (20.7-11). Isso significa que o maligno está impedido de enganar as nações até um pouco antes da conclusão da história da salvação.
Por que, então, o Apocalipse usa a expressão mil anos? Em termos de números bíblicos, dez representa plenitude, e mil é dez vezes dez vezes dez, consequentemente, plenitude vezes plenitude vezes plenitude. Parece igualar a um vasto número de anos sem ser uma cronologia precisa da história humana. Em nenhum lugar, a Escritura limita a prisão de Satanás e o sucesso da missão da igreja a um período específico antes do fim dos tempos. Além disso, há outros lugares na Escritura onde a palavra mil é usada sem ser um número literal. No Salmo 50, o mesmo número é empregado em um diferente contexto, onde diz que a Deus pertence “o gado em mil colinas” (v. 10). Isso não pode querer dizer que a única coisa que pertence a Deus na sua criação são mil colinas, pois “ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém” (24.1). Trata-se de uma expressão de plenitude. Acontece o mesmo no Salmo 68.17, onde é dito que as carruagens de Deus são “vinte mil”. É altamente improvável que Deus possua apenas vinte mil anjos ativos sob seu comando, pois Cristo na cruz poderia ter chamado vinte legiões de anjos (Mt 26.53), o que é muito mais do que vinte mil. A mensagem nos Salmos 50 e 68 é de plenitude, e é a mesma em Apocalipse 20. Um dia, a plenitude dos eleitos será trazida à igreja e então virá o fim. Não é uma questão de mil anos literários, mas do momento secreto de Deus quanto ao ajuntamento do seu povo em união com Cristo, por mais tempo que possa demorar sob a nossa perspectiva humana.
Embora o maligno ainda tenha poder limitado em um mundo caído, é muito menor do que ele tinha quando era capaz de prender e cegar todas as nações fora de Israel. E os crentes ainda podem vencer o poder limitado de Satanás, pois Tiago 4.7 nos ordena: “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós”. Apocalipse 12.11 testifica dos crentes em combate que eles “o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram”. Assim, na verdade fundamental de Satanás ter sido impedido de cegar as nações, a igreja pode diariamente orar: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como nos céus” (Mt 6.10), e encontrar conforto na garantia de Deus: “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão” (Sl 2.8).