Um blog do Ministério Fiel
5 motivos para não desperdiçar o seu momento de lazer
Eu sei que suas intenções eram boas, mas soou um tanto pomposo; estava mais para um desses lutadores profissionais que passam na TV nas tardes de sábado do que para um homem ordenado de Deus, quando disse: “O diabo não tira um dia de folga. Ele não tira férias, e eu também não”.
Eu lhe falava da viagem à praia que minha família estava prestes a fazer, do quão relaxante seria e de como eu esperava que recarregasse as minhas baterias pastorais. Ele não tinha nada disso. “Há quarenta anos que não tiro férias”, disse-me. “Olho para o divertimento da mesma forma que os puritanos olhavam: não tenho qualquer passatempo, nem faço questão de ter”.
Eu sabia que não chegaria a lugar algum, então larguei a conversa. Porém, isso me fez pensar. Quais são os limites de um cristão quando se trata de lazer? E os puritanos? Eles eram contra a diversão? Isso é importante, pois eu concordo com J. I. Packer de que o puritanismo é o ápice de maturidade da teologia e espiritualidade cristãs, talvez a estrela mais luminosa da galáxia da Reforma.
Nos anos desde o meu encontro com o laborioso ministro, estudei os escritos dos puritanos atentamente e desenvolvi afeições profundas por eles. Também dei várias escapadas, com minha esposa e nossos quatro filhos, como um pastor e cristão necessitado de descanso. E percebi que, embora os puritanos talvez tenham sido um tanto deficientes em sua perspectiva sobre o lazer, eles não foram completamente contra.
Os puritanos e o lazer
Em se tratando de teologia, pastores e teólogos puritanos foram profundamente bíblicos e praticantes incansáveis do princípio reformado do Sola Scriptura. Em se tratando de piedade, eles foram, como aponta J. I. Packer em Entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, gigantes imponentes no cenário da história da igreja tais quais as sequoias na Califórnia.
Mas em se tratando de uma visão robustamente bíblica das atividades de recreação e lazer, os puritanos admitidamente deixaram algo a desejar. Leland Ryken, em seu livro Santos no mundo: Os puritanos como realmente eram, coloca bem: “Alguém observou corretamente sobre os puritanos que ‘eles escreveram sobre recreação com a seriedade de um sociólogo moderno’”[1]. Considere, por exemplo, as palavras de Cotton Mather: “Que os seus negócios absorvam a maior parte do seu tempo. Não é uma hora aqui e ali nos seus negócios que resolverá. Seja entusiasmado com respeito a seus negócios, tão cedo quanto seja conveniente. Mantenha-se próximo dos seus negócios, até que seja conveniente deixá-los”[2].
Como Ryken observa, os puritanos não valorizavam a recreação para o seu próprio bem ou como celebração – uma boa dádiva de Deus para ser feita para a sua glória. Em vez disso, eles viam as atividades de lazer como atividades que capacitavam para o trabalho. “A recreação não pertence ao descanso, mas ao trabalho”, escreveu um puritano, “e é usada para que os homens através dela possam se fazer mais aptos para o trabalho”[3].
Os puritanos podiam chegar a extremos quando se tratava de prazer não religioso. A certa altura, John Bunnyan acreditava que sua participação em um jogo de taco (considerado um precursor do críquete e do beisebol na Inglaterra) no Dia do Senhor era um claro sinal de sua reprovação. Richard Baxter afirmou que a recreação é um “esporte lícito”, embora tenha listado nada menos do que dezoito parâmetros para aferir a licitude de um esporte.
Embora os puritanos fossem indubitavelmente dissonantes acerca dessa questão, a Escritura é o instrumento autoritativo para respondê-la. Aqui estão cinco linhas de raciocínio bíblico acerca do envolvimento do cristão em lazer e passatempos.
1. Lazer e passatempo não são pecaminosos
Em lugar algum a Escritura proíbe os momentos de lazer. Após Deus ter terminado de criar o mundo e tudo o que nele há, descansou. E, em seu descanso, ele estabeleceu, dali para frente, o princípio de descanso para o seu povo. Independentemente de sua visão acerca do Dia do Senhor, isso é indiscutível. OK, Deus não estava sentado assistindo a uma partida de futebol, mas acho que isso está fora de questão. Deus descansou. Ele chamou a criação de boa. Portanto, visto que os momentos de lazer servem para apreciar as coisas que Deus criou para o nosso bem, eles não são pecado em hipótese alguma.
Mas podem vir a ser? Sem dúvida. Eles se tornam-se pecado quando assumem a primazia em nossas vidas e nos levam a negligenciar o nosso chamado divino para trabalhar e atender as nossas famílias.
A Escritura é curta e grossa quando proíbe a preguiça: “Aquele que não quer trabalhar, não coma” (2Ts 3.10; cf. Pv 6.6). Se lazer e passatempos conduzem à preguiça ou incapacidade, então eles se tornaram em substituições de Deus que podem emaranhar nossos corações assim como o kudzu. Mas a maioria dos passatempos não são, em si mesmos, pecado. Meu amigo citado no início deste texto poderia ter se beneficiado de algum tempo livre.
2. Lazer e passatempos são necessários à luz da fraqueza e ritmos de vida humanos
Os puritanos muitas vezes são retratados como estraga-prazeres e esquisitos. Eles eram sérios acerca do evangelho. Eram sérios sobre a Bíblia. Eram sérios sobre teologia. Eram sérios sobre a igreja. Podemos aprender uma ou duas coisas deles no que diz respeito a levar essas coisas a sério. Um observador certa vez disse a Packer que o protestantismo norte-americano tende a ter “cinco mil quilômetros de largura e um centímetro de profundidade”[4]. De fato. A necessidade gritante do momento não exige menos seriedade sobre essas questões centrais, mas muito mais.
Entretanto, isso não quer dizer que devamos evitar os momentos de lazer e atividades menos sérias que trazem relaxamento e alegram os nossos corações. Na atual conjuntura da força de trabalho, alguns pesquisadores descobriram que a semana de trabalho média para um americano está se arrastando para além das 50 horas. Dessa forma, após uma longa e cansativa semana de trabalho, nossos corpos e mentes finitos muitas vezes necessitam de repouso. Deus estabelece um padrão na ordem criada (noite/manhã/tarde) por seis dias, e então estabeleceu um dia de descanso no sétimo. Nossos ritmos de vida tendem a seguir ao longo dessa linha: trabalhe cinco ou seis dias e então descanse um ou dois. Se usados corretamente, os períodos de descanso e lazer são úteis.
Até mesmo os puritanos afirmaram, ainda que tibiamente, as atividades de lazer para recarregar as baterias físicas e mentais. Ryken cita John Downame (1571-1652), mostrando que os puritanos encorajaram pessoas a participar moderadamente de passatempos tais como “passear em lugares agradáveis, conferências que são prazerosas sem ofensa, poesia, música, caça, e tais outros esportes permissíveis como melhor se adaptarem às várias disposições dos homens para seu conforto e refrigério”[5].
3. Lazer e passatempos podem ser vistos como boas dádivas de Deus
Meu passatempo favorito é acompanhar os jogos de baseball da Major League Baseball e ler sobre sua história, e é um jogo que eu aprecio especialmente com meus dois filhos. Eu treino as suas equipes, e muitas vezes vemos jogos na TV e visitamos muitos estádios em todo o país a cada verão. O beisebol é jogado ao ar livre sob o céu azul de Deus e na grama exuberante que ele fez.
Em nossas viagens de família, visitamos com frequência velhos estádios históricos em que times ou jogadores famosos já jogaram. É uma excelente forma de gastar o tempo com meus meninos e ensiná-los lições sobre história, espírito desportivo e até mesmo masculinidade bíblica. Oramos antes de começarem o jogo (que irão jogar, vencendo ou perdendo, para a glória de Deus) e muitas vezes somos privilegiados de ter conversas sobre o evangelho com os companheiros de equipe. Enxergamos o jogo – e o prazer que nossa família tem nele – como uma boa dádiva das mãos de Deus (Tg 1.17). São presentes para serem desfrutados dentro do contexto da adoração a um Deus bom que demanda toda a nossa fidelidade.
Deus tencionou que desfrutássemos da sua criação a seu modo desde que compreendamos que ela possui uma “indicação” de glória, e não a glória definitiva. A ordem criada, apesar de bela e deslumbrante, foi projetada como um indicador para um Criador ainda mais belo e deslumbrante. Em outras palavras, ela possui glória por causa de seu Criador, não em si mesma. Penso que seja isso o que Davi está nos dizendo no Salmo 19: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”. Nossos passatempos e momentos de lazer nos proporcionam a oportunidade de desfrutar da ordem criada e das dádivas que Deus nos concedeu.
4. Lazer e passatempos podem ser tornar ídolos
Como Calvino excelentemente colocou, o coração humano é uma fábrica de ídolos. Salomão experimentou prazer e regozijo – que sem dúvida incluía uma boa dose de lazer –, mas no fim achou-a totalmente ineficiente como um meio de satisfação suprema, descartando-a como “correr atrás do vento”.
Passatempos não produzem bons deuses. Para mim, o beisebol poderia transformar-se facilmente em algo que chega muito perto de assemelhar-se a um culto. Nos Estados Unidos, os esportes (e escrevo isso como um ex-jornalista esportivo e um fã de longa data consideravelmente zeloso) beiram a idolatria quando os admiradores deixam o culto dominical para ir a esses eventos. Quando nosso momento de lazer e passatempos substituem o culto ao nosso Salvador, eles se tornaram ídolos funcionais.
5. Lazer e passatempos devem ser feitos para a glória de Deus.
Aqui, as palavras de Paulo são oportunas: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Ele não fez nenhuma exceção aqui. Comer? Fazemos aos montes. Beber? Idem. Devemos buscar a glória de Deus até mesmo nas coisas mais mundanas que fazemos.
Deus declarou que tudo de sua criação é bom. Então eu penso que seja plenamente bíblico dizer que os passatempos são atividades que podem ser feitas para a glória de Deus – jogar, acompanhar esportes, cuidar do jardim, fazer exercícios, ouvir música, praticar atividades ao ar livre e muitas outras coisas – e devem ser desfrutadas pelo cristão.
Portanto, como diria John Piper, não desperdice o seu momento de lazer. Use-o para glorificar aquele que lhe dá essas coisas e lhe concede vida, fôlego e força para desfrutá-las.
[1] Editora Fiel, 2013, p. 316
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Packer. Op. Cit., p. 10.
[5] Ryken. Op. Cit., p. 314.
Santos no Mundo
Este livro é um relato fiel e livre sobre os Puritanos, homens que souberam aplicar a teologia em muitas áreas de suas vidas. A cada capítulo, Ryken apresenta a compreensão teológica dos puritanos aplicada às principais esferas da vida do homem, como fé, igreja, família, trabalho, dinheiro e tantas outras.