O Evangelho axiológico na era da sociedade anaxiológica #2 – Jonas Madureira – Fiel Jovens 2016

Colossenses 1.9-10: Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus;

Existe uma diferença entre o conhecimento que recebemos e memorizamos e aquele que toma raiz em nosso coração. Este conhecimento traz mudança de todo o nosso paradigma comportamental, seja no contexto da igreja local, seja no contexto da esfera pública. Se queremos viver de modo digno o conhecimento do evangelho não pode ser apenas memorizado, mas tem que ser mostrado em nossa maneira de pensar, amar, agir, ouvir, cultuar, expressar a finalidade última do ser humano: glorificar a Deus acima de todas as coisas.

Assim, o conhecimento de Deus deve tocar todo o nosso ser; o conhecimento de Deus envolverá o conhecimento de si mesmo. Trata-se de uma compreensão de Deus e do ser humano fundamentada no fato de que (1) ninguém pode conhecer de modo adequado a si próprio sem o conhecimento de Deus e (2) ninguém pode conhecer verdadeiramente a Deus e ao mesmo tempo ser um ignorante sobre si mesmo. O conhecimento de Deus depende do autoconhecimento tanto quanto o autoconhecimento depende do conhecimento de Deus. A dependência é mútua.

Desta forma, não podemos genuinamente conhecer a nós mesmos, sem conhecer a Deus. Não conseguimos conhecer a nós mesmos através da introspecção, mas precisamos do reflexo dos olhos de Deus.

O conhecimento de Deus é o único espelho pelo qual o homem torna-se capaz de contemplar verdadeiramente a si mesmo. Quando o salmista diz “Sonda-me, ó Deus!” (Sl 139.23), sempre me pergunto se Deus não teria algo mais interessante para sondar. Que vantagem o homem tem em Deus sondar seu coração? Seria o “sondar de Deus” um mero olhar que não exerce nenhuma influência sobre o ser do homem? Calvino, por exemplo, ao interpretar o Salmo 139, dizia que, quando o salmista pediu para Deus sondar seu coração, ele “estava convicto da impossibilidade de enganar a Deus”. Nenhuma máscara permanece presa ao rosto daquele está diante do Santo Oleiro. Quando elas caem, o homem se surpreende, pois já não consegue mais se ver; ele não foi feito para ver a si mesmo sem máscaras.

Para saber algo real sobre si, o homem precisa confiar no olhar de Deus, o único espelho capaz de refletir o que o homem é quando suas máscaras caem. Em contrapartida, Deus enxerga sempre por trás das máscaras e, por isso, conhece verdadeiramente todos os homens: “O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração” (1Sm 16.7). Tudo o que Deus diz sobre o homem é o que verdadeiramente o homem é. Por isso, o conhecimento de Deus é tão fundamental para o autoconhecimento.

Diante da incapacidade de ver adequadamente a si mesmo, o homem deveria ser “induzido à humildade e à suspeita de si mesmo”, como afirma Calvino (Institutas, 1.1.1-3). Além de provocar a humildade, o conhecimento de Deus deveria suscitar também uma saudável suspeita de si mesmo. Essa suspeita revela ao homem o quanto suas máscaras o enganam.

Pedro é um caso clássico de quem não conseguia suspeitar de si mesmo – ao dizer que jamais abandonaria a Cristo. Tal pessoa confia tanto em si mesma que se sente altamente segura até mesmo para duvidar de Deus. Pedro era assim, incapaz de suspeitar de si mesmo, mas Cristo, que o conhecia como ninguém, confrontou-o, ao revelar o que Pedro seria capaz de fazer naquela mesma noite.

Contudo, a máscara de Pedro caiu e ele descobriu amargamente o alto preço da inautenticidade. E que máscara caiu? A do Pedro corajoso, fiel até o fim, capaz, inclusive, de salvar o mestre da morte e se tornar o maior discípulo de todos os tempos. Agora, diante de sua real identidade, Pedro reconhece que o conhecimento de Cristo a seu respeito estilhaça suas falsas ilusões sobre si mesmo.

Porém, esse reconhecimento é libertador, pois nos humilha ao ponto de ouvir a Palavra da Cruz. Pedro foi quebrantado ao ponto de responder “tu sabes”, quando Jesus perguntou se ele o amava. Ele não mais estava firmado na autoconfiança.