Um blog do Ministério Fiel
Um retrato positivo do pastorado
Este texto faz parte de uma série. Para ler o texto anterior, clique aqui.
Leitura sugerida pelo autor essa semana: páginas 53 a 108.
Gilead é um romance epistolar, escrito por um pastor na altura de seus setenta anos para um filho que é jovem demais para receber toda a sabedoria que um velho homem deseja compartilhar. Assim, o Reverendo John Ames escreve para seu filho uma longa carta que inclui episódios importantes na história da família, resume sermões importantes, admoestações práticas para a vida diária, digressões sobre tópicos de interesse teológico e muitas expressões de afeição pessoal.
Ele escreve para compartilhar com o jovem filho de sua velhice “coisas que teria lhe contado se você crescesse ao meu lado” (p. 163-164), com o objetivo de deixar “um testamento razoavelmente cândido dos meus melhores sentimentos” (p. 245).
O ministro possui defeitos, é óbvio, incluindo alguns que ele abertamente reconhece (como sua avareza ou sua dificuldade em amar aqueles a quem ele foi chamado para pastorear), e alguns que são visíveis apenas ao leitor (seu racismo, por exemplo, conforme revelado em sua rejeição de uma congregação negra que deixou Gilead após seu prédio ter sido destruído por um incêndio criminoso).
Mas Ames também dá testemunho de seus “melhores sentimentos”. É um homem admirável cujo ministério preserva muitos dos mais altos ideais do ministério do evangelho. Dessa forma, Gilead apresenta um dos mais positivos retratos do ministério pastoral na literatura.
O ministério e os meios de graça
O pastorado de Ames é um ministério da Palavra, dos sacramentos e da oração. Ele vê o ministério primeiramente em termos da pregação. No início do romance, descobrimos que ele tem guardadas todas as suas antigas notas de sermão no sótão. “Praticamente o trabalho de toda a minha vida está naquelas caixas” (p. 27-28), diz. Ames estima que, em um ritmo de pelo menos 50 sermões por ano em 45 anos, deve haver 2.500 sermões ao todo. Juntos, somam para mais de 67.000 páginas – que ele estima ser tanto quanto Agostinho e Calvino escreveram. Com um senso de satisfação legítima, sem orgulho pecaminoso, Ames atesta que cada um desses sermões foi pregado com genuína convicção, pois acreditava que “um bom sermão é um dos lados de uma conversa apaixonada” (p. 59).
Em pontos relevantes de sua carta, o ministro relata o principal argumento de um de seus sermões. A partir desses digestos homiléticos, percebemos seu gosto em trabalhar com os detalhes de um texto bíblico, bem como sua tendência em interpretar a Escritura em parte através das lentes da experiência e da reflexão.
Ele é um ministro do sacramento, bem como da Palavra. Sua percepção do ministério sacramental foi despertada na infância, quando seu pai lhe trouxe um pedaço de biscoito das ruínas de uma igreja que tinha sido atingida por um raio – um incidente que ele encara como sua primeira comunhão. Mais tarde, ele passou a encarar o sacramento da Ceia do Senhor como um testemunho para a unidade do corpo de Cristo, mostrando que a igreja, em qualquer lugar, é parte da igreja em todo lugar. Visto que ele pedeu praticamente sua vida inteira em um fim-de-mundo cultural, sua vivência de igreja é protegida e provinciana… “a não ser pelo fato de que é realmente uma vida universal e transcendente; a não ser pelo fato de que o pão é o pão, e o cálice é o cálice, onde quer que seja, em quaisquer circunstâncias […], coisa em que acredito piamente” (p. 141).
Imagens do batismo repetem-se por todo o livro. A própria água parece milagrosa para Ames, e o episódios-chaves no romance ocorrem enquanto está chovendo, ou alguma outra afusão reluzente. Ames recorda o batismo de Lila, que tornou-se sua esposa depois, com um senso de mistério e espanto sagrado (“O que foi que eu fiz? O que significa isso?” – p. 31). Ele também recorda dos muitos recém-nascidos que batizou: “Aquela sensação da testa de um bebê encostada na palma da nossa mão – como amei esta vida!” (p. 71). Ele vê o batismo como uma bênção real, em que a água estabelece uma conexão elétrica entre o pastor e seu paroquiano, operando como um “veículo do Espírito Santo” (p. 34).
O pastor em oração
Acima de tudo, o ministério de Ames é uma vida de oração. “Eu [oro] o tempo todo” (p. 11), ele afirma, e isso prova não ser uma jactância inútil. Gilead é permeado com oração de petição. Tendo pastoreado durante as duas Guerras mundiais e a Grande Depressão, Ames muitas vezes orou pelas “coisas bem assustadoras” (p. 88) que seu povo estava enfrentando. Várias seções da carta concluem ao mencionar assuntos que clamam por mais oração, e o ministro às vezes desiste de continuar escrevendo para ir orar.
À noite, Ames caminha pelas ruas de Gilead e ora pelas pessoas em seus lares: “E imaginava a paz, pela qual estavam esperando e com a qual não podiam contar, descendo sobre a sua doença, a sua briga ou seus sonhos. Depois, ia para a igreja e [orava] mais um pouco, esperando pela luz do dia. Muitas vezes lamentei ver uma noite terminar, apesar de adorar ver a aurora chegando” (p. 90). As orações do pastor são um meio de graça para o povo de Deus. Suas últimas palavras (a linha que encerra o livro) formam um epitáfio apropriado: “Vou [orar] e, depois, vou dormir”.
Para reflexão ou discussão: A Palavra, os sacramentos e a oração são fundamentais ao ministério de qualquer igreja. Que prioridade relativa essas práticas têm em sua congregação? Que experiêncas, na vida ou culto, ajudaram você a chegar a um entendimento mais profundo dos mistérios do batismo e da Ceia do Senhor? Como a participação no ministério o ajudou no crescimento de sua vida de oração?