Um blog do Ministério Fiel
Por que a maioria dos cristãos sino-americanos são evangélicos conservadores
Não há, talvez, um sino-americano mais icônico do que Jeremy Lin. Ele é a personificação de todas as nossas ambições. Ele obteve formação em Harvard. É mesmo um cristão empenhado! Em 2010, Lin tuitou que dois livros escritos por evangélicos conservadores (da ala do Novo Calvinismo) foram seus favoritos: Não jogue sua vida fora, de John Piper, e Humildade, a verdadeira grandeza, de C. J. Mahaney.
Aparentemente, Lin não está sozinho. Sociólogos sino-americanos, historiadores, teólogos e até mesmo o Pew Research, todos confirmam o fato de que os cristãos ásio-americanos são predominantemente evangélicos conservadores – portanto, opostos aos protestantes liberais, católicos romanos e à Igreja Ortodoxa.
A Questão
A questão que desejo explorar é: “Por que Jeremy Lin é um evangélico conservador?”. Ou, de forma mais abrangente: “Por que os cristãos sino-americanos de hoje são, em sua maioria, evangélicos conservadores?”. Em outras palavras, por que eles têm esmagadoramente abraçado a autoridade da Escritura e doutrinas tais como a inerrância? Por que insistem tão veementemente que Jesus é o único meio de salvação? E por que priorizam o evangelismo sobre da justiça social em suas missões?
Alguns podem dizer que é só porque eles acreditam simplesmente no que a Bíblia diz e compartilham de sua “perspectiva eterna”. Eu acho que a resposta possui mais nuances.
Cinco razões
1. O clima político na China em 1949 e as Teologias Contextuais
A origem do cristianismo sino-americano começa já em 1853, pelo menos, com a mais antiga igreja ásio-americana na América do Norte. Hoje ela é conhecida como a Igreja Presbiteriana em Chinatown, uma congregação da PCUSA na qual minha esposa e meu sogro cresceram.
Antes da vitória comunista na China, em 1949, o nacionalismo chinês era forte mesmo entre os chineses que moravam fora da China. Quase todos os chineses no exterior ainda viam o estado chinês como o centro da identidade chinesa. Compartilhando do fervor da Revolução Republicana Chinesa em 1911, até os cristãos chineses nos Estados Unidos colocaram suas esperanças em uma nova e moderna China. A teologia liberal abordou a Escritura com as suposições científicas modernas, adotou o ceticismo no que tange aos elementos sobrenaturais do cristianismo, concentrou-se nos ensinos morais e sociais de Jesus e fomentou um espírito mais ecumênico.
No entanto, quando os comunistas venceram a Guerra Civil Chinesa em 1949, as esperanças de muitos nacionalistas chineses foram abaladas. Na verdade, o centro da identidade e cultura chinesas mudaram do estado central da China para a periferia. Em vez de lembrar da China como seu lar, muitos dos chineses no exterior sentiram-se como peregrinos desabrigados.
A teologia protestante conservadora tornou-se uma teologia contextual mais adequada para esses peregrinos. Ela enfatizou um lar espiritual e uma perspectiva eterna. Defendeu os milagres e proclamou uma poderosa mensagem de esperança e certeza no futuro baseada em uma leitura mais literal da Escritura.
2. O clima religioso nos Estados Unidos desde meados do século 20.
Nos Estados Unidos, as igrejas tradicionais, de onde a maioria das igrejas cristãos sino-americanos surgiram, estavam começando a perder o interesse nesse campo missionário nativo. Ademais, juntamente com o restante do país, as igrejas tradicionais adotaram uma ideologia racial assimilacionista. A suposição foi de que menos atenção e recursos precisavam ser alocados para as igrejas de missão étnica, uma vez que esses grupos de pessoas de todo jeito acabariam assimilando a cultura americana com o tempo.
Simultaneamente, as igrejas tradicionais estavam no ocaso de seu predomínio cultural e deslocando-se mais para a esquerda no espectro teológico. Do outro lado, o neoevangelicalismo nasceu nos anos 40, e logo se tornaria a expressão predominante do protestantismo americano.
Por essa razão, não só os sino-americanos estavam abandonando as denominações tradicionais que estavam perdendo o interesse nas missões étnicas nativas e tornando-se mais liberais, mas o evangelicalismo estava se tornando uma alternativa popular e atraente nos Estados Unidos.
3. O Ato de Nacionalidade e Imigração dos EUA de 1965 e o cristianismo chinês no exterior.
Este ato revogou as severas restrições que foram colocadas sobre a imigração asiática. O resultado foi que a população chinesa entre 1960 (237 mil) e 1980 (806 mil) mais que triplicou. Hoje, existem aproximadamente quatro milhões de chineses nos Estados Unidos.
Conforme os chineses imigravam da Ásia, muitos deles traziam suas convicções cristãs. A feição do cristianismo chinês na China e entre os chineses em outras partes da Ásia era predominantemente conservadora e evangelical por uma variedade de razões. A Missão para o Interior da China de Hudson Taylor foi a maior agência missionária na China. Além disso, o predominantemente conservador Movimento da Igreja Independente prosperou após a tomada comunista. Esses ministérios, junto com denominações conservadoras como a Aliança Cristã e Missionária e os Batistas do Sul [dos EUA], também continuaram produtivos entre as populações chinesas no sudeste asiático após 1949.
Como os cristãos chineses imigraram para os Estados Unidos após 1965, muitos deles começaram suas próprias igrejas. Havia muitas diferenças entre os cristãos chineses nos EUA pré-1965 e pós-1965. As igrejas chinesas estabelecidas nos EUA estavam cheias de oradores que falavam o cantão, em vez do mandarim. Os novos imigrantes geralmente eram de um status sócio-econômico mais alto do que os antigos imigrantes porque o Ato de Nacionalidade e Imigração de 1965 deu preferência aos imigrantes mais capacitados e instruídos. Os imigrantes cristãos viram as denominações conservadoras como bastiões da teologia impura. Consequentemente, entre 1952 e 1979 o número de igrejas cristãs chinesas nos EUA subiu de 66 para 366 igrejas. Hoje, existem aproximadamente mil delas, quase todas evangelicais.
4. A Natureza do Evangelicalismo
Embora muitos cristãos chineses tenham vindo para os Estados Unidos após 1965, já em 1990 e até 2010 poderia-se razoavelmente dizer que a maioria dos cristãos chineses na América tornou-se cristã depois que chegou aos EUA.
Historicamente, as convicções mais enfatizadas do evangelicalismo são seus compromissos com a autoridade da Escritura (biblicismo) e com a pregação cristocêntrica (crucicentrismo) visando “ganhar almas” (conversão). Essas convicções são muito atrativas para os sino-americanos.
Visto que os chineses na América (imigrantes e chineses nascidos nos EUA) lutam com suas múltiplas identidades na América, a convicção evangelical a respeito da autoridade da Escritura vem a calhar. Embora os sino-americanos queiram ser tanto chineses quanto americanos, a Bíblia lhes dá um padrão autoritativo pelo qual transpor suas identidades duplas. Por exemplo, para serem mais americanos, sino-americanos podem rejeitar o culto aos antepassados como anti-bíblico e idólatra. No entanto, desejando preservar seus valores chineses/confucianos, é comum aos sino-americanos interpretar o 5º Mandamento mais rigidamente e com uma ênfase maior do que outros cristãos americanos. Ademais, no ethos crucicêntrico do evangelicalismo, muitos imigrantes chineses encontram um Deus radicalmente amoroso, diferente de qualquer outro símbolo de autoridade que eles já conheceram. E para os imigrantes, a retórica evangelical “nascer de novo” apresenta linguagem e categorias para uma nova maneira de ser na América.
Além das convicções enfatizadas do evangelicalismo estão suas práticas. Em termos simples, os cristãos sino-americanos são predominantemente evangelicais porque evangelicais evangelizam muito mais do que não-evangelicais.
5. Situação da Universidade Ásio-Americana
Nem todos os ásio-americanos são iguais. A narrativa da “minoria modelo” é problemática sob muitos ângulos. Não obstante, é justo atribuir a orientação evangelical conservadora da igreja sino-americana aos ministérios evangelicais ásio-americanos nos campuses em todos os Estados Unidos.
Desde os anos 70, o fenômeno comunhão/ministério no campus decolou em resposta ao cataclismo dos anos 60. Simultaneamente, a participação universitária asiática triplicou nos EUA. Com efeito, além dos ministérios no campus, tais como a Asian American Christian Fellowship (AACF), que sempre teve por objetivo servir asiáticos especificamente, os dois maiores e mais proeminentes ministérios evangelicais no campus, InterVarsity Christian Fellowship e Campus Crusade for Christ (que agora se chama Cru) inauguraram escritórios em seus campuses. Tais ministérios não só atraem um punhado de imigrantes, mas, o que é mais importante, reforçam tanto a identidade evangelical quanto as identidades ásio-americanas dos sino-americanos. Nos campuses da universidade, sino-americanos são minorias religiosas e étnicas. Para muitos, uma fusão entre identidade ásio-americana e identidade evangelical ocorre durante a faculdade. A leitura de manuais científicos na universidade se funde com a insistência da InterVarsity no estudo bíblico indutivo. Encontrar sino-americanos com ideias afins que gostam de chá de bolhas se funde com atividades de comunhão cristã ásio-americanas.
Depois de passar esses anos de formação dentro desses grupos evangélicos asiáticos um tanto homogêneos, a narrativa de vida comumente partilhada continua. Um punhado de estudantes sino-americanos conseguem empregos estáveis e estilos de vida de classe média nos subúrbios americanos, com suas excelentes formações superiores em ciência e engenharia. Esse relativo sucesso muitas vezes resulta em abraçar o status de “minoria modelo”. “Se conseguimos ser bem-sucedidos, qualquer um pode”. Ademais, os estilos de vida suburbano que eles levam podem protegê-los de confrontar as realidades da pobreza e da injustiça social. Tal estilo de vida presta-se facilmente a um tipo de cristianismo que separa o espiritual do material. Toda a vida cristã passa preocupar-se com a piedade espiritual pessoal e com ganhar almas.
Outro fenômeno comum entre os sino-americanos evangelicais nos campuses das universidades é um interesse no Novo Calvinismo. Sino-americanos estão se tornando amigos íntimos de conservadores, reformados e coreanos pietistas, e devorando Tim Keller, John Piper, D. A. Carson, Wayne Grudem e os blogs do The Gospel Coalition. De fato, na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), um dos maiores ministérios no campus é o Grace on Campus, um ministério da Grace Community Church, de John MacArthur. Esse ministério é quase 75% chinês e quase 90% asiático, e muitos de seus pastores aspirantes continuam frequentando o The Master’s Seminary. Aliás, basta pesquisar a formação teológica daqueles que pastoreiam as maiores igrejas chinesas nos Estados Unidos. Os locais de educação teológica mais comuns são a Talbot School of Theology e o Dallas Theological Seminary, ambos conservadores e evangelicais. E para os ministros dessas instituições não é incomum indicar seus obedientes sucessores ásio-americanos a essas escolas também.
E daí?
Como eu disse antes, é hora de levarmos em conta os fatores contextuais que moldaram nossas crenças e identidades. Insistir que nossas convicções teológicas se originam meramente da nossa leitura simples e objetiva da Bíblia é simplista. Tal atitude desconsidera nossos possíveis pontos cegos. O contexto importa.
Para leituras adicionais
Sou incrivelmente dependente do trabalho de muitos estudiosos para chegar a essas conclusões, mas mais significativamente da pesquisa do Dr. Timothy Tseng.
Tseng, Timothy. “Religious Liberalism, International Politics, and Diasporic Realities: The Chinese Students Christian Association of North America, 1909-1951.” The Journal of American-East Asian Relations 5, no. 3/4 (Fall-Winter 1996): 305–30.
———. “Protestantism in Twentieth Century Chinese America: The Impact of Transnationalism in the Chinese Diaspora.” Journal of American-East Asian Relations 13 (2004): 121–48.
———. “Trans-Pacific Transpositions: Continuities and Discontinuities in Chinese North American Protestantism.” In Revealing the Sacred in Asian and Pacific America, edited by Jane Naomi Iwamura and Paul Spickard, 241–71. New York, New York: Routledge, 2003.
Yang, Fenggang. Chinese Christians in America: Conversion, Assimilation, and Adhesive Identities. University Park, Pa: Pennsylvania State University Press, 1999.
Chen, Carolyn. Getting Saved in America Taiwanese Immigration and Religious Experience. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2008.
Wuthnow, Robert. The Restructuring of American Religion: Society and Faith since World War II. 1. paperback printing. Studies in Church and State. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1989.
Bays, Daniel H. A New History of Christianity in China. Blackwell Guides to Global Christianity. Chichester, West Sussex ; Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2012.
———. “Christian Revival in China, 1900-1937.” In Modern Christian Revivals, 161–79. Urbana, Illinois: University of Illinois Press, 1993.
———. “The Growth of Independent Christianity in China, 1900-1937.” In Christianity in China: From the Eighteenth Century to the Present, 307. Stanford, California: Stanford University Press, 1996.
Jeung, Russell. “Evangelical and Mainline Teachings on Asian American Identity.” Semeia 90–91 (n.d.): 211–36.
———. Faithful Generations: Race and New Asian American Churches. New Brunswick, N.J: Rutgers University Press, 2005.