Um blog do Ministério Fiel
O pobre impotente
É uma verdade evidente dos estudos do Antigo Testamento que a “pobreza”, na Bíblia, não é meramente uma condição econômica. Ser pobre não é apenas carecer de propriedade e riqueza tangível. Implica privação em um sentido mais amplo.
O Salmo 10 ilustra o ponto. O perverso que não crê em Deus (vv. 3-4) parece ser próspero, inabalável, não atingido pela adversidade (vv. 5-6). O homem perverso agride o inocente com impunidade (v. 8), e “seus olhos espreitam o desamparado” (v. 8b). Essa última frase pode significar simplesmente que os perversos procuram uma oportunidade de tirar vantagem do pobre, mas dadas as conotações de “olhos” na Escritura, ela pode ter uma conotação mais específica, judicial. O ímpio tem poder de torcer a lei a seu favor, contra o pobre. O salmo o compara a um leão esperando pela presa, abaixando-se, encurvando-se e, por fim, arremetendo-se contra o aflito (vv. 9-10), o tempo todo dizendo que Deus não vai ver nem julgar o que ele fez (v. 11).
A oração do salmista não é que o Senhor faria o pobre rico, mas que Ele se lembraria e defenderia o aflito, afirmando-se como o “defensor do órfão”, que se compromete ao Senhor (vv. 12-14). O que o pobre precisa não é de esmola, mas de resgate. Ele procura o Senhor para “quebrantar o braço do perverso e do malvado” (v. 15).
Por todo o Salmo, a disparidade entre o perverso e o “pobre” é uma disparidade de poder. E, provavelmente, também uma disparidade de riqueza. O perverso tem “poderosos” que executam seus planos contra o vulnerável (v. 10); ele tem uma comitiva, e é capaz de mantê-los por perto, pois pode pagá-los. Mas a disparidade de riqueza é relevante aqui porque a riqueza é uma forma de poder. (Dostoiévski chamou o dinheiro de “liberdade cunhada”; é, também, “poder cunhado”.) O perverso pode se dar ao luxo de contratar assassinos e subornar policiais e juízes; o pobre não tem os recursos para conseguir a defesa mais básica.
A pobreza também parece ser privação social. O órfão não tem pais para protegê-lo, e o pobre no Salmo está isolado e sozinho. Se ele tivesse advogados e defensores, grupos e rede de amigos, ele não seria tão vulnerável. Ele podia defender-se dos bandidos; ele podia achar alguém mais poderoso para defendê-lo. Ele possui apenas uma defesa, o Rei que vindica o órfão e o oprimido (vv. 16-18), que dá a segurança pela qual o pobre espera (Salmo 12.5).
O Salmo nos exorta à fé, mas também sugere um paradigma para o trabalho de assistência. O que os pobres precisam, seguramente, não é de dinheiro propriamente dito, nem de riqueza para que possam se tornar bons consumidores na economia global. Eles precisam de poder, o poder que vem através das redes de relacionamentos, dos advogados, da proteção legal. Na medida em que eles precisam de dinheiro, eles precisam dele para garantir o poder que a riqueza proporciona.