Um blog do Ministério Fiel
A única coisa necessária para a Reforma da América Latina
Todo e qualquer indivíduo que abre uma Bíblia pela primeira vez, o faz munido de uma cosmovisão. Iniciamos a leitura com um conjunto de valores e pressuposições absorvidas da família, professores, autores, filmes e outras fontes culturais de informação.
Dado que nossas perspectivas são situadas geograficamente, não é surpresa que a cosmovisão e abordagem à Escritura no Hemisfério Sul seja diferente do Hemisfério Norte. Do Iluminismo em diante, muitos no Ocidente – incluindo cristãos – aprenderam a separar o natural do sobrenatural. Isto nos deixou com um cristianismo dividido ao ponto que, de acordo com o livro “Understanding Folk Religion”, “a maioria dos missionários ensinou o cristianismo como a resposta para as questões últimas e eternas da vida, e a ciência baseada na razão como a resposta aos problemas deste mundo”.
Subtração versus adição
No Ocidente, o principal problema tem sido, em muitos casos, o liberalismo – subtração da revelação de Deus. A expressão definitiva dele é encontrada no teólogo alemão Rudolf Bultmann (1844-1976), que procurou remover os elementos sobrenaturais da Bíblia. Mas no Hemisfério Sul, onde eu moro e pastoreio, nosso principal problema não tem sido o liberalismo; está sendo a heresia – acréscimo à revelação bíblica. Muitos desses “acréscimos” vieram a nós por meio de experiências místicas tais como visões e sonhos.
O racionalismo no Ocidente diz: “O homem tem a autoridade para subtrair Palavra de Deus”. Mas o misticismo no Hemisfério Sul diz: “O homem tem a autoridade para acrescentar à Palavra de Deus”. Para o racionalismo ocidental, a cosmovisão dominante é a modernidade ou a pós-modernidade. Mas para uma grande porcentagem do Hemisfério Sul, a cosmovisão dominante é o animismo.
Inundado com animismo
O cruzamento entre cristianismo e animismo perverteu o cristianismo ortodoxo no Sul. Essas duas cosmovisões têm, muitas vezes, se fundido, em vez de se chocado, criando uma alternativa sincretista. Perguntas sobre a finalidade do cânon bíblico são abundantes; assim também são as perguntas sobre sua autoridade.
Demolir estas questões é um subconjunto de discipulados cristãos. Animistas convertidos deixam de acreditar nas mentiras comunicadas por espíritos maus; no entanto, como é típico dos novos convertidos, eles muitas vezes mantêm a crença de que Deus fala com frequência através de anjos, aparições divinas, sonhos, visões e outras revelações que contradizem a Palavra de Deus. Os relatos dessas experiências tornaram-se a norma em muitos cultos, reuniões de oração e encontros de “avivamento”. Com muita frequência, essas experiências oferecem nada mais do que religião sincretista – heterodoxia resultante do choque entre sua antiga cosmovisão animista e sua nova cosmovisão bíblica.
A revelação especial de Deus não é negada no Hemisfério Sul; ela é “suplementada”, mesmo entre aqueles que reivindicam ser evangélicos. Eles tentam “cristianizar” suas antigas crenças e práticas. É por isso que existem muitas “superstições evangélicas” no Hemisfério Sul.
Você poderia dizer que o desafio não vem através da porta frontal da inerrância bíblica, mas da porta dos fundos da revelação extra-bíblica.
O que tudo isso significa, portanto? Para quem serve no Sul, o desafio normalmente não é persuadir as pessoas de que Deus se revelou, mas convencê-las de que a Escritura é sua revelação completa e final. As doutrinas da revelação divina e da autoridade bíblica – bem como a crença em um cânon fechado – são fundamentais em um solo inundado de “profetas” e “apóstolos”.
Contrastando visões de autoridade
No Hemisfério Sul, a autoridade da Palavra de Deus tem sido comprometida tanto nos círculos católico-romanos como nos evangélicos. A Igreja Católica chegou a dizer o seguinte:
É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, segundo um sapientíssimo desígnio de Deus, estão de tal maneira ligados e conjuntos, que nenhum pode subsistir sem os outros e, todos juntos, cada um a seu modo, sob a acção do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas.
(Catecismo da Igreja Católica, Artigo 95.)
No Ocidente secular, a autoridade última reside no raciocínio do indivíduo; no Sul Católico, a autoridade reside no raciocínio da igreja.
Aqui está uma amostra de como o conceito de autoridade se desenvolve com bastante frequência no Hemisfério Sul:
• Animistas pensam que existem “seres espirituais” ou entidades que possuem poder e autoridade;
• Católicos Romanos aprendem que, quando se trata de questões espirituais, a autoridade da Bíblia e da tradição da igreja estão em pé de igualdade;
• Modernistas creem que a ciência possui a autoridade suprema;
• Evangélicos creem que a Escritura possui a autoridade suprema.
Philipe Jenkins classifica o Hemisfério Sul cristão como conservador e fundamentalista, no geral. Isso pode ser verdadeiro até certo ponto, mas muitos dos que reconhecem a Escritura como a autoridade suprema também acreditam na mais recente declaração extra-bíblica feita por um “apóstolo” ou “profeta” que visitou suas congregações recentemente. Pessoas governadas por um regime ditatorial podem ser facilmente convencidas a submeter-se a líderes autocráticos com personalidades imponentes. Em muitos casos, tais líderes tornam-se a autoridade funcional suprema sobre os crentes, em vez de Cristo e sua Palavra.
Para remediar isso, o Sola Scriptura deve virar o brado de guerra da reforma latino-americana.
Escrevi este pequeno ensaio na esperança de que meus irmãos cristãos no Hemisfério Norte entendam melhor as diferenças entre os dois hemisférios. Isso nos ajudará a alcançar melhor o Hemisfério Sul com o evangelho, confiando na soberania de Deus e na suficiência de sua Palavra.