Um blog do Ministério Fiel
Girolamo Zanchi – A justiça de Deus (Reforma500)
Agora, considerarei a sua justiça.
Proposição 1. Deus é infinita, absoluta e imutavelmente justo.
A justiça de Deus pode ser considerada tanto imanentemente, como é em si mesmo, que é, propriamente falando, o mesmo que a sua santidade; ou transitória e relativamente, à medida que diz respeito à sua conduta reta para com as suas criaturas, que é justiça propriamente. Quanto ao primeiro, ele é tudo o que é santo, justo e bom; quanto a esse último, ele é manifestado ser assim em todos os seus lidares com anjos e homens. Quanto ao primeiro, veja Deuteronômio 32.4 e Salmo 92.15; quanto ao segundo, Jó 8.3 e Salmos 145.17. A partir disso, segue-se que tudo o que Deus quer ou não, por mais que, à primeira vista, pareça entrar em conflito com nossas ideias de certo e errado, não pode ser realmente injusto. De fato, por um tempo ele afligiu duramente o seu justo servo Jó, e, por outro lado, enriqueceu os sabeus, uma nação infiel e sem lei, com uma profusão de riqueza e contínuo sucesso; antes que Jacó e Esaú nascessem ou fizessem o bem ou o mal, ele amou e escolheu o primeiro e reprovou o último; ele deu arrependimento a Pedro e deixou Judas perecer em seu pecado; e como em todas as épocas, até hoje, “compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer” [Romanos 9:18]. Em tudo isso, Ele age muito reta e justamente, e não há iniquidade nele.
Proposição 2. A deidade pode ser considerada em uma visão tríplice: como Deus de todos, como Senhor de todos e como Juiz de todos.
(1) Como Deus de todos, ele criou, sustenta e exalta todo o universo; faz com que seu sol brilhe e sua chuva caia sobre maus e bons (Mateus 5), e é swthr pantwn anqrwpwn, o preservador de todos os homens (1Timóteo 4.10). Pois, como ele é infinita e supremamente bom, assim ele também comunica a sua bondade, como é evidente não somente a partir de ter criado todas as coisas, mas especialmente de sua benignidade providencial. Tudo tem a sua existência a partir dele como Criador, e seu bem-estar dele como um preservador generoso.
(2) Como Senhor ou Soberano de todos, Ele faz o que quer (e tem o mais inquestionável direito de fazê-lo) com os seus próprios, e em particular estabelece e determina o estado eterno de cada pessoa individual, como ele considera apropriado. É essencial para a soberania absoluta que o soberano tenha em seu poder dispor como quiser daqueles sobre os quais a sua jurisdição se estende, sem prestar contas a ninguém; e Deus, cuja autoridade é ilimitada — ninguém sendo isento disso — pode, com a mais estrita santidade e justiça, amar ou odiar, eleger ou reprovar, salvar ou destruir qualquer uma das suas criaturas, seja humana ou angélica, de acordo com seu próprio prazer e propósito soberano.
(3) Como Juiz de todos, ele confirma o que faz como Senhor, considerando a todos segundo as suas obras, punindo os ímpios, e recompensando aqueles que era sua vontade considerar justos e santificar.
Proposição 3. Tudo o que Deus quer ou faz, não é desejado e feito por ele porque eram justos ou retos em sua própria natureza e antes da designação de Deus, ou porque, por sua aptidão intrínseca, ele deveria querer e fazê-las; mas eles são, portanto, justos, retos e apropriados, porque aquele que é a própria santidade, os deseja e faz.
Por isso, Abraão considerou uma ação justa matar o seu filho inocente. Será que ele o considerou assim porque a lei de Deus autorizava o assassinato? Não; pelo contrário, tanto a lei de Deus quanto a lei da natureza o proíbem peremptoriamente; mas o santo patriarca sabia muito bem que a vontade de Deus é a única regra de justiça, e que seja o que for que Ele deseje ordenar é, nesta consideração, justo e reto (compare também Êxodo 3.22 com Êxodo 20.15).
Proposição 4. Segue-se que, embora nossas obras sejam examinadas pela vontade revelada de Deus, e sejam essencialmente denominadas boas ou más na medida em que elas concordam ou discordam com esta vontade, ainda assim, as obras do próprio Deus não podem ser submetidas a qualquer teste, pois a sua vontade sendo a grande lei universal, ele mesmo não pode ser, falando propriamente, sujeito ou obrigado por qualquer lei superior a essa. Muitas coisas são feitas por Ele, tais como escolher e reprovar os homens, sem qualquer consideração às obras daqueles; permitir que pessoas caiam em pecado, quando, se isso o agradasse, ele poderia ter impedido; deixar muitos professos reprovados prosseguirem e perecerem em sua apostasia, quando está em seu poder divino santificá-los e corrigi-los; atrair alguns pela sua graça, e permitir que muitos outros continuem no pecado e não regenerados; condenar à miséria futura aqueles a quem, se Ele quisesse, poderia sem dúvida salvar; com inúmeros exemplos da mesma natureza (que poderíamos mencionar), e que, se feitos por nós, seriam aparentememente injustos, na medida em que não se conformariam à vontade revelada de Deus, que é a grande e única regra segura da nossa prática. Mas, quando ele faz estas e coisas semelhantes, elas não deixam de ser santas, equitativas e dignas de si mesmo; pois, uma vez que a sua vontade é essencial e imutavelmente justa, tudo o que ele faz, em consequência dessa vontade, deve também ser justo e bom. A partir do que foi declarado neste tópico, eu deduzo que aqueles que negam que Deus tem o poder de fazer o que ele quiser com as suas criaturas, e protestam contra os decretos incondicionais como cruéis, tirânicos e injustos, ou não sabem o que dizem nem o que afirmam, ou são blasfemadores deliberados do nome de Deus e rebeldes ímpios contra a sua soberania, aos quais, por fim, por mais que não queiram, serão obrigados a se submeterem.