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Girolamo Zanchi – A misericórdia de Deus (Reforma500)
A seguir considerei brevemente a misericórdia de Deus.
Proposição 1. Em todas as Escrituras, Deus é representado como infinitamente gracioso e misericordioso (Êxodo 34.6; Neemias 9.17; Salmo 103.8; 1Pedro 1.3).
Quando dizemos que a misericórdia divina é infinita, não queremos dizer que ela seja, de modo gracioso, estendida a todos os homens sem exceção (e supondo que ela fosse, mesmo assim seria muito incorretamente denominada infinita por isso, uma vez que os objetos dela, ainda que fosse todos os homens juntos, não equivaleria a uma multidão rigorosa e propriamente infinita), mas que sua misericórdia para com os seus eleitos, já que ela não conhece começo, é infinita em duração, e não conhecerá período ou intervalo.
Proposição 2. A misericórdia não é em Deus, como é em nós, uma paixão ou afeição, sendo incompatível com a pureza, perfeição, independência e imutabilidade da sua natureza; mas quando esse atributo é relativo a Deus, apenas indica a sua livre e eterna vontade ou propósito de tornar bem-aventurados alguns da raça caída, libertando-os da culpa e domínio do pecado, e se comunicando a eles de uma forma consistente com a sua própria justiça inviolável, verdade e santidade. Essa parece ser a definição correta da misericórdia, que se refere ao bem espiritual e eterno daqueles que são seus objetos.
Proposição 3. Mas deve ser observado que a misericórdia de Deus, em sentido mais amplo e indefinido, pode ser considerada (1) como geral e (2) como especial. Sua misericórdia geral não é outra senão aquilo que comumente chamamos de sua graça, pela qual ele é, de algum modo, providencialmente bom para toda a humanidade, tanto para eleitos como para os não eleitos (Mateus 5.45; Lucas 6.35; Atos 14.17, 17.25,28). Por sua misericórdia especial, ele, como Senhor de todos, tem, em um sentido espiritual, compaixão de todos da raça caída que são objeto de seu livre e eterno favor; os efeitos desta misericórdia especial são a redenção e a justificação deles mediante a expiação de Cristo, o chamado eficaz, a regeneração e a santificação por meio do seu Espírito, a sua infalível e final preservação em estado de graça na terra e sua eterna glorificação no céu.
Proposição 4. Não há nenhuma contradição, real ou aparente, entre estas duas afirmações: (1) que as bênçãos da graça e da glória são peculiares àqueles a quem Deus separou para si mesmo, em Seu decreto de predestinação, e (2) que a mensagem do evangelho é anunciada, de modo que todo aquele que quiser possa tomar da água da vida livremente (Apocalipse 22.17). Em primeiro lugar, ninguém pode querer ou desejar espiritualmente e sem fingimento, ser participante desses privilégios, senão aqueles que Deus anteriormente faz ter vontade e desejo; e, em segundo lugar, Ele não concede essa vontade e excita esse desejo em ninguém, exceto em seus próprios eleitos.
Proposição 5. Desde que os homens ímpios, total e definitivamente desprovidos da graça divina, não podem conhecer o que é essa misericórdia, nem ter quaisquer apreensões apropriadas, muito menos abraçar e confiar nela para si mesmos, por meio da fé; e uma vez que a experiência diária e as Escrituras da verdade nos ensina que Deus não abre os olhos do réprobo como ele abre os olhos dos seus eleitos, nem ilumina salvificamente os seus entendimentos, evidentemente se segue que sua misericórdia nunca foi, desde o princípio, para eles, nem lhes será aplicada; mas, tanto na designação quanto na aplicação, é própria e peculiar somente aos que são predestinados à vida, como está escrito: “os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos” (Romanos 11.7).
Proposição 6. Toda a obra da salvação, juntamente com tudo o que há em relação a ela ou está em conexão com ela, é, às vezes, na Escritura, compreendida sob o único termo misericórdia, para mostrar que o puro amor e a graça absoluta foram o grande motivo pelo qual os eleitos são salvos, e que todos os méritos, dignidade e boas qualificações deles foram totalmente excluídos de qualquer influência sobre a vontade divina pela qual eles deveriam ser escolhidos, redimidos e glorificados em vez de outros. Quando é dito: “compadece-se de quem quer” (Romanos 9), é como se o apóstolo dissesse: “Deus elegeu, resgatou, justificou, regenerou, santificou e glorificou a quem lhe aprouve”, cada um destes grandes privilégios sendo brevemente resumido e de fato incluído no termo abrangente, “compadece-se”.
Proposição 7. Portanto, qualquer favor que nos seja concedido, seja qual for a coisa boa em nós ou praticada por nós, quer seja em vontade, palavra ou ação, e quaisquer outras bênçãos que recebemos de Deus, desde a eleição até à glorificação, tudo procede, mera e completamente, do beneplácito da sua vontade e da sua misericórdia para conosco em Cristo Jesus. A ele, portanto, é devido o louvor, quem estabelece a diferença entre homem e homem por ter compaixão de alguns e não de outros.