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Tempos difíceis – Romances seculares que recomendamos [6]
Nem todos os romances de Charles Dickens são calhamaços de 800 páginas! Na verdade, meu livro favorito dele, Hard Times [Tempos Difíceis – Boitempo], possui apenas 300. Seu tamanho relativamente curto provavelmente tem a ver com sua estrutura simples e parabólica. Como os títulos de seus três livros (“Semeadura”, “Colheita” e “Provisão”) deixam claro, Tempos difíceis ilustra e dramatiza o ensino bíblico de que colhemos aquilo que plantamos.
Isso não significa que o romance é esquemático ou excessivamente moralista. Os personagens que Dickens cria são pessoas de carne e osso que tomam decisões angustiantes, pelas quais passamos a ter um profundo interesse. O protagonista imperfeito, Thomas Gradgrind, é um comerciante aposentado que dirige uma escola padrão que educa as crianças para raciocinarem apenas em termos de fatos. Empregando o mesmo sistema educacional utilitarista para seu filho mais velho (Tom) e sua filha (Louisa), ele os proíbe de ler poesia ou ficção e lhes erradica todas as noções fantasiosas, românticas ou heroicas.
Embora Gradgrind não seja nem um homem mau nem um pai indiferente, seu fracasso em cultivar os corações e almas de seus filhos tem resultados desastrosos: tanto Tom como Louisa crescem como adultos atrofiados, desprovidos de sentimento humano real. Carentes não apenas de um núcleo moral, mas dos tipos de sentimentos que devem sempre acompanhar o comportamento virtuoso, Tom, sem sofrer o menor remorso, primeiro manipula sua irmã carinhosa e depois rouba um banco e incrimina um trabalhador inocente. Quando seu pai indaga por que ele fizera essas coisas terríveis, Tom apela para a lei das médias: dado que o número de trabalhadores é grande, muitos são obrigados a ser desonestos. De maneira triste e trágica, Gradgrind é obrigado a ver o fruto amargo de seus ideais utilitaristas.
O verdadeiro âmago do romance, contudo, diz respeito ao casamento desastroso de Louisa com um capitalista corrupto, Bounderby, trinta anos mais velho que ela. Quando Gradgrind comunica a proposta de Bounderby a Louisa, ela deseja compartilhar com seu pai o que está em seu coração, mas nenhum dos dois sabe como se comunicar em um nível emocional. Embora ambos saibam que Louisa não ama Bounderby, Gradgrind ignora isso, aconselhando-a a decidir-se baseada em fatos e estatísticas. Seu casamento é desprovido de amor, deixando a emocionalmente imatura Louisa presa a um libertino inescrupuloso, com quem ela quase foge.
No último segundo, ela desiste daquilo (afinal de contas, é um romance vitoriano!), e, em vez de fugir, corre em direção à casa de seu pai. Ele a saúda na porta, apenas para vê-la cair, num amontoado inerte, a seus pés. Embora Gradgrind seja humilhado pela experiência e chegue a perceber que há uma lacuna em seu sistema educacional, ele se prova incapaz de reparar o estrago que foi feito. Bounderby rejeita a súplica de Gradgrind em conceder a Louisa algum tempo longe dele e a abandona para sempre. Louisa nunca mais volta a se casar novamente e vive como uma solteirona isolada e sem filhos.
Os destinos de Gradgrind, Tom e Louisa podem sugerir que Tempos Difíceis seja um romance sombrio, mas Dickens é cuidadoso em contrastar suas histórias com uma trupe de circenses que, embora carentes de fatos, são ricos em amor, aconchego e alegria. Por meio deles, Dickens nos ensina que existem aspectos de nossas vidas e almas que não podem ser facilmente pesados e medidos.
Leia o livro Tempos Difíceis