Um blog do Ministério Fiel
Associação Judaica de Polícia – Romances seculares que recomendamos [13]
“Minha terra natal é o meu chapéu” — Meyer Landsman, Associação Judaica de Polícia (Companhia das Letras, 2009).
O autor Michael Chabon estava perambulando em uma livraria quando deparou com um livro chamado Say it in Yiddish [Diga isso em Íidiche]. Era um livro de expressões para viajantes que poderiam encontrar-se necessitando de orientações, uma refeição ou (o livro fornece isso a sério) um torniquete. Isso pareceu profundamente nostálgico e trágico a Chabon. “Onde”, ele se perguntou, “seria o reino mais fabuloso para o qual você poderia ter levado esse livro de expressões, se o Holocausto não tivesse acontecido?”. Em um mundo pós Segunda Guerra Mundial, a ideia de uma comunidade falando íidiche parecia tanto triste como mágica.
O que emergiu dessa pergunta foi a Associação Judaica de Polícia, um romance vencedor do Prêmio Hugo que mescla uma estória detetivesca estilo noir, uma reimaginação substancial da política global do século 20 e a própria voz de Chabon, que é ao mesmo tempo engraçada e provocativa. E se, Chabon supõe, os Estados Unidos tivessem aberto Sitka, no Alasca, como um refúgio temporário para judeus fugindo de Hitler, e se o incipiente estado de Israel tivesse sido conquistado em 1948? O mundo resultante mescla as culturas americana, judeu-europeia e nativos tlingit alasquianos, um mundo que é, a um só tempo, rico e triste.
A estória retoma 60 anos após o estabelecimento do refúgio, quando a terra está prestes a voltar ao domínio dos EUA. Na página um, somos apresentados a Meyer Landsman, um detetive controvertido e alcoólatra, e o cadáver de Mendel Shpilmen, o filho de um rebe[1] respeitadíssimo, que também, por acaso, é uma espécie de chefe do crime na região. Ambos estão, atualmente, ocupando o mesmo motel barato, e Landsman sente uma forte empatia pelo jovem morto, que fora, outrora, uma figura promissora e intrigante em Sitka.
A pressão é para que o departamento de polícia judaica encerre os casos, arrume suas malas e deixe de ser um obstáculo para os americanos que estão assumindo o controle, o que acrescenta um fator de pressa para a investigação de Landsman. Outro fator complicador é o fato de que a chefe de Landsman no departamento prestes a ser extinto é sua ex-esposa, e as relações entre eles permanecem um misto de amargura e desejo.
O que Chabon faz com essa mistura estranha de ingredientes é tanto eletrizante como lancinante. O tom de sua escrita é, sob vários aspectos, parecido com o estilo durão das estórias detetivescas de Raymond Chandler, mas o pano de fundo espiritual e político da estória serve para intensificar as tensões e, além disso, iluminar os personagens no primeiro plano. Landsman não tem terra natal, família nem laços com o mundo em que habita. Ele viaja entre os cidadãos de Sitka — muitos dos quais são muito mais fiéis, ambiciosos e sérios do que ele — tentando tanto resolver o crime como desfazer a desordem de sua própria vida.
A história do homem morto revela um amplo senso de nostalgia e exílio na comunidade judaica de Sitka, e pinta um quadro estupendo do anseio messiânico. A redenção, para muitos dos exilados de Sitka, só parece possível através da violência, e eu achei que a estória de Chabon esclarece (embora de um modo estranho, um tanto doidão) o anseio que deve ter ocupado uma grande parte dos corações dos autores do Novo Testamento. E como essa (mais verdadeira e melhor) estória, a redenção que Landsman encontra é muito mais simples, triste e surpreendente do que alguém já poderia ter sonhado por conta própria.
Leia Associação Judaica de Polícia
#1: Nome que se dá aos rabinos do judaísmo chassídico.