Santos e soldados

Nota: Meu filho, Tyler, atualmente está no exército, no Afeganistão. Nos últimos anos, Tyler mencionou vários contatos que teve com diferentes capelães militares, particularmente um capelão chamado “Mike”. Perguntei a Tyler se ele gostaria de escrever sobre sua experiência com aqueles chamados unicamente para ministrar e cuidar de soldados.

Quisemos publicar o artigo de Tyler enquanto honramos nossos soldados nessa segunda-feira — Memorial Day.[1] Embora esse soldado tenha retornado, muitos outros não. Esta realidade nunca deve ser esquecida por nós.

Primavera de 2015: A aeronave de transporte C-17 parece diferente dessa vez. Estranho, mas quase familiar, um casco de metal espaçoso e barulhento que me transportou em voos de ida e volta do Afeganistão durante três destacamentos anteriores. Agora estou há 36 horas em minha quarta viagem — um passageiro frequente visando um programa de recompensas. Meu saco de dormir está espalhado no chão frio, e apenas 1,8 metros estão entre mim e a temperatura exterior de -37°C.

Minha mente se volta para tempos diferentes, momentos mais sombrios. Momentos quando eu fiz exatamente essa mesma viagem enquanto uma tempestade se agigantava dentro de mim, ondas violentas de perguntas batiam contra os bancos de areia da minha alma. O precursor do que poderia ter sido considerado um “derretimento”, mas a graça de Deus prevaleceu. Lembro-me de um pastor-soldado falando as palavras que acalmaram a tempestade.

Abril de 2011: Era outro voo C-17. Setenta e cinco soldados se dividiam em sete a cada fileira, todos vestindo roupas de proteção enquanto voávamos para casa do aeródromo de Kandahar, no Afeganistão. Nós tínhamos cumprido o nosso tempo, estávamos exaustos e o C-17 estava voando para longe da guerra. Ninguém falava — as palavras pareciam triviais demais. Sentamos em silêncio, refletindo sobre nossas experiências, cada homem tentando entender por que estávamos voltando vivos e outros — homens que eram melhores do que nós — seguiam em caixões. Para suas famílias não haveria encontros, nem entes queridos, nem celebrações. Somente tristeza, perda, confusão e, depois, um funeral militar. Pequeno consolo para uma perda indescritível.

Nós reforçamos o sul do Afeganistão, no distrito de Zari, por ordem do presidente Obama, logo depois que tomou posse. Tínhamos visto alguns dos piores combates da “Operação Liberdade Duradoura”, perdendo tantos soldados que nossa unidade se tornou “incapaz de qualquer missão”. Ainda assim, nós lutamos.

Pouco antes de sairmos, os combates haviam aumentado novamente. Os helicópteros Medevac[2] eram acionados com urgência, como faziam quando havia carga preciosa a recuperar. Eles recuperariam outro soldado caído da 10ª Divisão de Montanha que acabara de nos substituir. Lembro-me de orar: “Por favor, não permita que seja o Andrew… ou Russ!”. Lembro-me da náusea como se tivesse ocorrido há uma hora.

Mas agora isso havia acabado, pelo menos para nós. Eu estava indo para casa. Deus tinha me protegido de danos físicos. Outros não tiveram tanta sorte.

No pavoroso C-17, eu estava irado. Por que Deus permitiria isso? Como Deus poderia fazer tal coisa? Por que ele permitiria tal carnificina? PORQUE?! As perguntas perturbavam a minha cabeça como as batidas de um tambor, e elas se recusavam a ser respondidas.

Eu fiquei de pé, andando sem rumo ao redor da aeronave, perdido em pensamentos enquanto a música “Something Like That”, de Tim McGraw, tocava em meu iPod. Encarei o capelão da nossa unidade, Mike. “Olá, Tyler”, ele começou, “no que você está pensando?”. Mike era um daqueles homens que instintivamente sabiam quando algo estava errado. Apesar do mau cheiro de combustível do jato e dos soldados que não tomavam banho há dias, ele conseguia detectar o cheiro de confusão, depressão e desesperança em qualquer canto do avião. A guerra de Mike era pelas almas dos homens, e semelhante ao nosso credo, Mike nunca deixava um companheiro caído.

A cena não era bonita. Eu estava com raiva, e minhas palavras refletiam minha dor. Como bom pastor-soldado, Mike me conhecia. Ele estava presente na maioria das minhas maiores lutas. Ele tinha me visto no meu pior momento, quando o sofrimento e a confusão sobre os absurdos da guerra me dominavam. Mike era um homem que fazia questão de estar presente em cada grande evento que ocorria. Agora ele estava sentado ouvindo atentamente meus pensamentos severos e sombrios sobre Deus.

Para Mike, nada era teórico. Ele não era apenas o capelão, cuspindo versículos sobre sentir-se bem e distribuindo doçuras. Ele não estava desconectado de nossas vidas e do que estávamos passando. Mike era um homem agraciado por Deus para responder às perguntas mais difíceis da vida. Lembrei-me de outros momentos. Mike falou com a nossa unidade quando Matt (os nomes são fictícios) morreu, quando Rob foi explodido, e quando Kevin foi baleado. Ele reuniu todos nós para oração, e foi rápido em citar os versículos certos da Bíblia.

Mike também era um homem que se sacrificava pelo seu rebanho. Ele conhecia nossas mentes, compartilhava as nossas missões, e estava presente quando as balas eram disparadas. No entanto, Mike tinha uma missão diferente. Seu chamado era para cuidar das almas dos seus soldados. Mike nos confortou em momentos de necessidade, orou por nós quando não podíamos orar por nós mesmos, e nos ajudou a permanecer no caminho quando nossa força falhava pela exaustão operacional.

Mike era nosso pastor, sua arma era a palavra de Deus, e sua paróquia era a guerra. O chamado para o cuidado significava adentrar no horror e escuridão de ajudar aqueles que defendem a nossa nação e defendem uns aos outros. Enquanto a maioria de nós lutava pela sobrevivência física, Mike lutava pela sobrevivência das nossas almas e mentes.

Quando concluí minha torrente emocional, Mike sentou-se, considerando cuidadosamente as suas palavras. Ele tinha estado aqui antes… comigo, apesar de tudo. Ele me lembrou do controle soberano de Deus sobre a guerra e a paz. Falando com convicção, ele falou de como as boas intenções de Deus para com o seu povo estavam no centro da luta humana. Mike pastoreou-me como só um capelão experiente pode fazer.

Minha alma foi respondida e Deus foi engrandecido. (Essa foi uma experiência que eu não conseguiria valorizar completamente até mais tarde). Mas eu também senti gratidão — uma apreciação profunda, ressonante, edificadora da fé não somente por Mike, mas por outros como Mike; pessoas que não trabalham com igrejas ou vestem túnicas, mas carregam a mesma espada em diferentes épocas, independentemente de se é “um tempo de matar (ou) um tempo de curar” (Eclesiastes 3.3). São soldados-santos que se encontram com soldados-pecadores em seus piores momentos e os ajudam a encontrar o seu caminho. São soldados-santos que respondem ao chamado para ministrar e cuidar de guerreiros feridos.

Eu sou um soldado — esse é o meu chamado. O mundo das manhãs de domingo e dos pequenos grupos parece distante do piso frio desse C-17. Porém, eu sou grato a Deus por ele chamar homens para pastorear soldados até que possamos voltar para o lar e para as igrejas que amamos.

Eu sou grato porque, quando Deus chamou, Mike respondeu.

#1: N.T.: Memorial Day é o feriado nacional americano que acontece anualmente na última segunda-feira de maio. Antes conhecido como Decoration Day (Dia da Condecoração), o feriado homenageia os militares americanos que morreram em combate.

#2: N.T.: Helicóptero Medevac é usado para operações de resgate, extração e cuidados médicos de feridos em combate, também conhecido como ambulância aérea.

Por: Dave Harvey. © Am I Called? Website: amicalled.com. Traduzido com permissão. Fonte: Soldiers and Saints.

Original: Santos e soldados. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Camila Rebeca Teixeira. Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva.