Um blog do Ministério Fiel
5 alertas sobre mudanças tecnológicas de Neil Postman
Palestra de Neil Postman realizada em Denver, Colorado em 28 de março de 1998
Bom dia vossas Eminências e vossas Excelências, senhoras, e senhores.
Mudanças tecnológicas
O tema desta conferência, “As Novas Tecnologias e a Pessoa Humana: Comunicando a Fé no Novo Milênio,” sugere, obviamente, que vocês estão preocupados com o que pode acontecer com a fé no novo milênio, e de fato vocês deveriam se preocupar. Além de nossos computadores, que estão prestes a ter um esgotamento nervoso na expectativa do ano 2000, há muito de um burburinho frenético sobre o século 21 e como ele nos apresentará problemas singulares a respeito dos quais sabemos muito pouco, mas para os quais, apesar de tudo, supostamente devemos nos preparar cuidadosamente. Todos parecem se preocupar com isso — empresários, políticos, educadores, e também os teólogos.
Com o risco de soar condescendente, posso tentar tranquilizar a mente de todos? Eu duvido que o século 21 nos apresentará problemas que sejam mais atordoantes, desnorteantes ou complexos do que aqueles que enfrentamos neste século, ou no século 19, 18, 17, ou por sinal, os muitos séculos antes destes. Mas para aqueles que estão excessivamente nervosos a respeito do milênio, posso fornecer, logo de início, alguns bons conselhos sobre como encará-lo. Os conselhos vêm de pessoas que podemos confiar, e cujo poder de reflexão, é seguro dizer, excede ao do presidente Clinton, Newt Gingrich, ou até mesmo Bill Gates. Eis aqui o que Henry David Thoreau nos disse: “Todas as nossas invenções não são nada além de meios melhorados para fins não melhorados.”[*] Eis aqui o que Goethe nos disse: “Deve-se, a cada dia, tentar ouvir uma pequena canção, ler um bom poema, ver um belo quadro, e, se possível, proferir algumas palavras sábias.” Sócrates nos disse: “A vida não examinada não vale a pena viver.” Hillel, o Ancião, nos disse: “O que for odioso para ti, não faça a outro.” E eis aqui o profeta Miquéias: “Que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus.” E eu poderia dizer, se tivéssemos tempo, (embora vocês saibam disso muito bem) o que Jesus, Isaías, Maomé, Spinoza, e Shakespare nos disseram. É tudo igual: Não há fuga de nós mesmos. O dilema humano é o que sempre foi, e é uma ilusão acreditar que as mudanças tecnológicas de nossa era tornaram irrelevante a sabedoria das eras e dos sábios.
Não obstante, dito isto, sei perfeitamente bem que por vivermos em uma era tecnológica, temos alguns problemas especiais que Jesus, Hillel, Sócrates e Miquéias não tinham e não poderiam falar deles. Eu não tenho a sabedoria para dizer o que devemos fazer com relação a tais problemas, então minha contribuição deve ser limitada a algumas coisas que precisamos saber para abordar os problemas. Chamo minha palestra de Cinco Coisas que Precisamos Saber Sobre Mudanças Tecnológicas. Eu baseio estas ideias em meus trinta anos de estudo da história da mudança tecnológica, mas não penso que estas sejam ideias acadêmicas ou esotéricas. São o tipo de coisa que todos aqueles que se preocupam com a estabilidade e o equilíbrio culturais deveriam saber, e eu as ofereço a vocês na esperança de que vocês as achem úteis ao considerar os efeitos da tecnologia em nossa fé.
Primeira Ideia: compensação
A primeira ideia é que toda a mudança tecnológica é um tradeoff[†]. Gosto de chamar de uma barganha faustiana. A tecnologia deu e a tecnologia tirou. Isso significa que para cada vantagem que uma tecnologia oferece, há sempre uma desvantagem correspondente. A desvantagem pode exceder em importância a vantagem, ou a vantagem pode bem valer a pena o custo. Ora, isso pode parecer ser uma ideia um tanto óbvia, mas vocês se surpreenderiam em como muitas pessoas creem que novas tecnologias têm apenas pontos positivos. Vocês precisam apenas pensar no entusiasmo com o qual a maioria das pessoas aborda seu entendimento de informática. Peça a qualquer pessoa que entenda de computadores para falar sobre eles, e vocês descobrirão que elas irão, desembaraçadamente e incessantemente, enaltecer as maravilhas dos computadores. Vocês também descobrirão que na maioria dos casos elas irão esquecer completamente de mencionar qualquer risco dos computadores. Este é um desequilíbrio perigoso, uma vez que quanto maiores as maravilhas de uma tecnologia, maiores serão suas consequências negativas.
Pense no automóvel, que por todas suas óbvias vantagens, envenenou nosso ar, sufocou nossas cidades, e degradou a beleza de nossa paisagem natural. Ou vocês podem refletir sobre o paradoxo da tecnologia médica que traz incríveis curas, porém é, ao mesmo tempo, uma causa comprovada de certas doenças e deficiências, e cumpriu um papel importante na redução das habilidades de diagnóstico dos médicos. Também é bom lembrar que por todos os benefícios intelectuais e sociais fornecidos pela prensa móvel, seus custos foram igualmente monumentais. A prensa móvel deu ao mundo ocidental prosa, mas transformou a poesia em uma forma de comunicação exótica e elitista. Ela nos deu ciência indutiva, mas reduziu a sensibilidade religiosa a uma forma de superstição extravagante. A prensa nos deu a concepção moderna de senso de nação, mas ao fazer isto, transformou o patriotismo em uma emoção sórdida, se não letal. Podemos até mesmo dizer que a impressão da Bíblia em línguas vernáculas introduziu a impressão de que Deus era um inglês, ou alemão, ou francês — ou seja, a prensa reduziu Deus às dimensões de um soberano local.
Talvez a melhor maneira que eu posso expressar esta ideia é dizendo que a pergunta “O que a nova tecnologia fará?” é não mais importante que a pergunta “O que a nova tecnologia desfará?”. Aliás, a última pergunta é mais importante, precisamente porque é feita com tão pouca frequência. Alguém pode dizer, então, que uma perspectiva sofisticada da mudança tecnológica inclui que ela seja cética quanto a visões utópicas e messiânicas traçadas por aqueles que não têm senso de história ou dos equilíbrios precários dos quais a cultura depende. De fato, se coubesse a mim, eu proibiria qualquer um de falar sobre novas tecnologias de informação a menos que a pessoa possa demonstrar que conhece alguma coisa sobre os efeitos sociais e físicos do alfabeto, o relógio mecânico, a prensa móvel, e a telegrafia. Em outras palavras, saiba algo a respeito dos custos das grandes tecnologias.
A Ideia Número Um, então, é que a cultura sempre paga o preço da tecnologia.
Segunda Ideia: desigualdade
Isso leva à segunda ideia, que é que as vantagens e desvantagens de novas tecnologias nunca são distribuídas igualmente entre a população. Isso significa que cada tecnologia nova beneficia a alguns e prejudica a outros. Há ainda alguns que não são afetados de maneira nenhuma. Considere novamente o caso da prensa móvel no século 16, da qual Martinho Lutero disse ser “O mais elevado e extremo ato de graça de Deus, pelo qual o serviço do evangelho é levado adiante.” Ao colocar a palavra de Deus na mesa de cada cristão, a produção de livros em massa enfraqueceu a autoridade da hierarquia da igreja, e apressou a dissolução da Santa Sé Romana. Os protestantes daquele tempo regozijaram com tal desenvolvimento. Os católicos estavam enfurecidos e confusos. Visto que sou judeu, se eu tivesse vivido naquele tempo, eu provavelmente não daria a mínima de um jeito ou de outro, uma vez que não faria diferença se um massacre fosse inspirado em Martinho Lutero ou no Papa Leão X. Alguns ganham, alguns perdem, alguns poucos permanecem onde estavam.
Tomemos outro exemplo, a televisão, embora que aqui eu deva adicionar de uma vez que no caso da televisão, há pouquíssimos que de fato não são afetados de alguma maneira. Nos Estados Unidos, onde a televisão se consolidou mais profundamente do que em qualquer lugar, há muitas pessoas que acham ser ela uma bênção, sem mencionar aqueles que alcançaram carreiras de altos salários e gratificação na televisão como executivos, técnicos, diretores, jornalistas e apresentadores. Por outro lado, e a longo prazo, a televisão pode trazer um fim às carreiras de professores de escola, visto que a escola foi uma invenção da prensa móvel e deve permanecer ou cair na questão de quão importante a palavra impressa será no futuro. Não há chance, é claro, que a televisão se vá, mas professores de escola que são entusiastas quanto à sua presença, sempre me fazem lembrar dos ferreiros da virada do século [20] que não apenas canta louvores ao automóvel, mas que também crê que seus negócios serão melhorados por ele. Sabemos que seus negócios não foram melhorados pelo automóvel; o automóvel tornou-os obsoletos, como talvez um ferreiro inteligente tenha percebido.
As perguntas, então, que nunca estão longe da mente de uma pessoa que é versada sobre a mudança tecnológica, são estas: Quem especificamente se beneficia do desenvolvimento de uma nova tecnologia? Que grupos, e que tipo de pessoa, que tipo de indústria serão favorecidos? E, é claro, quais grupos de pessoas serão, portanto, prejudicados?
Estas perguntas devem certamente estar em nossas mentes quando pensamos sobre a tecnologia informática. Não há dúvidas de que o computador tem sido e continuará sendo vantajoso para organizações de larga escala como as forças armadas, ou as companhias aéreas, ou bancos, ou instituições de cobrança de impostos. E é igualmente claro que o computador é agora indispensável para pesquisadores de alto nível na física e outras ciências naturais. Mas a que nível a tecnologia informática tem sido uma vantagem para as massas? Para metalúrgicos, donos de hortifrútis, mecânicos de automóveis, músicos, padeiros, pedreiros, dentistas, e até teólogos, e a maioria daqueles em cujas vidas o computador agora se introduz? Estas pessoas tornaram suas questões privadas mais acessíveis para instituições poderosas. Agora elas são mais facilmente seguidas e controladas; elas estão sujeitas a mais exames, e são cada vez mais mistificadas pelas decisões feitas a respeito delas. Elas são mais do que nunca reduzidas a meros objetos numéricos. Elas estão sendo enterradas por spams. Elas são alvos fáceis para agências de propaganda e instituições políticas.
Em uma palavra, estas pessoas são perdedoras na grande revolução dos computadores. Os vencedores, o que inclui também as empresas de computadores, corporações multinacionais e o estado-nação, irão, é claro, encorajar os perdedores a serem entusiastas da tecnologia informática. É assim que agem os vencedores, e então no início eles disseram aos perdedores que com computadores pessoais a pessoa comum pode cuidar de sua vida financeira com mais perfeição, se manter mais atualizada com as receitas, e fazer listas de compras mais lógicas. E então lhes disseram que os computadores tornarão possível votar em casa, comprar em casa, ter todo o entretenimento de que precisam em casa, e então tornar a vida em comunidade desnecessária. E agora, é claro, os vencedores falam constantemente da Era da Informação, sempre insinuando que quanto mais informação nós temos, melhor resolveremos problemas significantes — não apenas problemas pessoais, mas problemas sociais de larga escala também. Mas quanto disso é verdade? Se há crianças morrendo de fome no mundo — e há — não é por causa de insuficiência de informação. Sabemos há muito tempo como produzir comida para alimentar cada criança no planeta. Como então deixamos tantas delas morrerem de fome? Se há violência em nossas ruas, não é por causa de insuficiência de informação. Se mulheres são abusadas, se o divórcio, a pornografia e a doença mental estão aumentando, nada disso tem absolutamente nada a ver com insuficiência de informação. Ouso dizer que é porque outra coisa está faltando, e eu não penso que tenho de dizer a este auditório o que é. Quem sabe? Esta era da informação pode acabar se tornando uma maldição se formos cegados por ela para não podermos ver verdadeiramente onde repousam nossos problemas. É por isso que é sempre necessário para nós perguntar àqueles que falam entusiasticamente da tecnologia informática, por que você faz isso? Quais interesses você representa? Para quem você espera dar poder? De quem você estará retendo o poder?
Não pretendo me referir de maneira ofensiva; cada um com seus motivos sinistros. Digo apenas que uma vez que a tecnologia favorece a algumas e prejudica a outras, estas são perguntas que devem ser sempre feitas. E então, a segunda ideia é que há sempre vencedores e perdedores na mudança tecnológica.
Terceira Ideia: ideologia
Aqui está a terceira. Incorporada em toda tecnologia há uma poderosa ideia, às vezes duas ou três poderosas ideias. Tais ideias são frequentemente escondidas de nossa visão por serem de uma natureza um tanto abstrata. Mas isso não deveria significar que elas não têm consequências práticas.
Talvez vocês estejam familiarizados com o velho adágio que diz: Para um homem com um martelo, tudo parece um prego. Podemos ampliar este clichê: Para uma pessoa com um lápis, tudo parece uma frase. Para uma pessoa com uma câmera, tudo parece uma imagem. Para uma pessoa com um computador, tudo parece dados. Eu não penso que precisamos tomar estes ditados literalmente. Mas aquilo para que eles nos chamam a atenção é que toda tecnologia tem um prejuízo. Como a própria linguagem, ela nos predispõe a favorecer e valorizar certas perspectivas e realizações. Em uma cultura sem escrita, a memória humana é da maior importância, assim como são os provérbios, ditados e canções que contém a sabedoria oral acumulada de séculos. É por isso que Salomão foi considerado o homem mais sábio de todos. Em 1 Reis nos é dito que ele conhecia 3.000 provérbios. Mas em uma cultura com escrita, tais feitos de memória são considerados uma perda de tempo, e provérbios são meramente caprichos irrelevantes. A pessoa que detém a escrita favorece a organização lógica e a análise sistemática, não os provérbios. A pessoa que detém o telegrama valoriza a velocidade, não a introspecção. A pessoa que detém a televisão valoriza a urgência, não a história. E o povo que detém o computador, o que diremos deles? Talvez possamos dizer que a pessoa que detém o computador valoriza a informação, não o conhecimento, certamente não a sabedoria. De fato, na era da informática, o conceito de sabedoria pode desaparecer completamente.
A terceira ideia, então, é que toda tecnologia possui uma filosofia que é determinada expressão em como a tecnologia faz as pessoas usarem suas mentes, em que ela nos faz fazer com nossos corpos, em como ela codifica o mundo, em quais de nossos sentidos ela amplifica, em quais de nossas tendências emocionais e intelectuais ela desconsidera. Esta ideia é a soma e a substância do que o grande profeta católico, Marshall McLuhan, quis dizer quando cunhou a famosa frase: “O meio é a mensagem”.
Quarta Ideia: ecológica
Aqui está a quarta ideia: A mudança tecnológica não é aditiva; é ecológica. Eu consigo explicar isso melhor através de uma analogia. O que acontece se colocamos uma gota de tintura vermelha em um béquer de água limpa? Nós temos água limpa mais um ponto de tintura vermelha? É claro que não. Nós temos uma nova coloração para cada molécula de água. É isso que quero dizer com mudança ecológica. Um novo meio não adiciona algo; ele muda tudo. No ano 1500, após ser inventada a prensa móvel, você não tinha a velha Europa mais a prensa móvel. Você tinha uma Europa diferente. Após a televisão, os Estados Unidos não eram os Estados Unidos mais a televisão. A televisão deu uma nova coloração a cada campanha política, a cada lar, a cada escola, a cada igreja, a cada indústria, e assim por diante.
É por isso que devemos ser cautelosos quanto à inovação tecnológica. As consequências da mudança tecnológica são sempre vastas, frequentemente imprevisíveis e predominantemente irreversíveis. É por isso também que devemos desconfiar de capitalistas. Capitalistas são por definição não apenas pessoas que tomam riscos pessoais mas, mais precisamente, são pessoas que tomam riscos culturais. O mais criativo e ousado deles espera explorar as novas tecnologias ao máximo, e não se importa muito com quais tradições são abolidas no processo, ou se uma cultura está ou não preparada para funcionar sem tais tradições. Capitalistas são, em uma palavra, radicais. Nos Estados Unidos, nossos radicais mais significativos sempre foram capitalistas — homens como Bell, Edison, Ford, Carnegie, Sarnoff, Goldwyn. Estes homens obliteraram o século 19, e criaram o século 20, e é por isso que é um mistério pra mim porque os capitalistas são considerados conservadores. Talvez seja porque eles sejam inclinados a vestir ternos pretos e gravatas cinzas.
Confio que você entenderá que ao dizer tudo isso, não estou argumentando de maneira nenhuma a favor do socialismo. Digo apensa que os capitalistas precisam ser cuidadosamente vigiados e disciplinados. De fato, eles falam de família, casamento, piedade, e honra, mas se permitidos explorar novas tecnologias a seu pleno potencial econômico, eles podem desfazer as instituições que tornam tais ideias possíveis. E aqui eu devo apenas dar dois exemplos deste ponto, tirado do encontro americano com a tecnologia. O primeiro diz respeito à educação. Quem, podemos perguntar, teve o maior impacto na educação americana neste século [20]? Se você está pensando em John Dewey ou qualquer outro filósofo da educação, devo dizer que você está bem enganado. O maior impacto foi feito por homens silenciosos em ternos cinzas em um subúrbio da cidade de Nova York chamado Princeton, Nova Jersey. Lá, eles desenvolveram e promoveram a tecnologia conhecida como teste padrão, como os testes de QI, os SATs e GREs. Os testes deles redefiniram o que queremos dizer por aprendizado, e resultaram na nossa reorganização do currículo para acomodar os testes.
Um segundo exemplo diz respeito à nossa política. É claro agora que as pessoas que têm o efeito mais radical na política americana do nosso tempo não são ideólogos políticos ou estudantes manifestantes com cabelos longos e cópias de Karl Marx debaixo dos braços. Os radicais que mudaram a natureza da política nos Estados Unidos são empreendedores em ternos pretos e gravatas cinzas que gerenciam a grande indústria televisiva nos Estados Unidos. Eles não pretendem transformar o discurso político em uma forma de entretenimento. Eles não pretendiam tornar impossível para uma pessoa obesa concorrer a um alto cargo político. Eles não pretendiam reduzir a campanha política a um comercial de TV de 30 segundos. Tudo o que eles estavam tentando fazer era transformar a televisão em uma vasta e insone máquina de dinheiro. O fato de eles terem destruído o discurso político sólido no processo não lhes diz respeito.
Quinta Ideia: mítica
Eu chego agora à quinta e última ideia, que é que a mídia tende a se tornar mítica. Uso esta palavra no sentido em que ela foi usada pelo crítico literário francês, Roland Barthes. Ele usou a palavra “mito” para se referir a uma tendência comum de pensar a respeito de nossas criações tecnológicas como se elas fossem dadas por Deus, como se elas fossem parte da ordem natural das coisas. Em uma ocasião eu perguntei aos meus alunos se eles sabiam quando o alfabeto tinha sido inventado. A pergunta os surpreendeu. Foi como se eu tivesse perguntado a eles quando as nuvens e as árvores foram inventadas. O alfabeto, eles criam, não era algo que tinha sido inventado. Ele apenas existe. É assim com muitos produtos da cultura humana, mas com nenhum mais consistentemente do que com a tecnologia. Carros, aviões, TV, filmes, jornais — eles alcançaram o status mítico porque são percebidos como presentes da natureza, não como artefatos produzidos em um específico contexto político e histórico.
Quando uma tecnologia se torna mítica, é sempre perigoso porque ela é então aceita como ela é e, portanto, não é facilmente suscetível a modificação ou controle. Se você propor ao cidadão americano comum que a transmissão televisiva não deveria começar antes das 17h e deveria terminar às 23h, ou propor que não deveria haver comerciais de televisão, ele irá pensar que a ideia é ridícula. Mas não porque ele discorda com sua pauta cultural. Ele irá pensar que é ridícula porque ele assume que você está propondo que algo da natureza possa ser mudado; como se você estivesse sugerindo que o sol devesse nascer às 10 da manhã ao invés de às 6.
Sempre que eu penso sobre a capacidade da tecnologia tornar-se mítica, me lembro de uma observação feita pelo papa João Paulo II. Ele disse: “A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição. A religião pode purificar a ciência da idolatria e falsos absolutos.”
O que estou dizendo é que nosso entusiasmo pela tecnologia pode se tornar uma forma de idolatria e nossa crença em seus benefícios podem ser um falso absoluto. A melhor maneira de ver a tecnologia é como um intruso estrangeiro, para lembrar que a tecnologia não é parte do plano de Deus, mas um produto da criatividade e insolência humanas, e que sua capacidade para o bem e o mal reside inteiramente na consciência humana do que ela faz por nós e para nós.
Conclusão
Então, estas são minhas cinco ideias sobre a mudança tecnológica. Primeiro, que nós sempre pagamos um preço pela tecnologia; quanto maior a tecnologia, maior o preço. Segundo, que sempre há vencedores e perdedores, e que os vencedores sempre tentam persuadir os perdedores de que eles foram os reais vencedores. Terceiro, que está incorporado a cada grande tecnologia um preconceito epistemológico, político ou social. Às vezes este preconceito é em grande parte para nossa vantagem. Às vezes não. A prensa móvel aniquilou a tradição oral; o telégrafo aniquilou o espaço; a televisão humilhou a palavra; o computador, talvez degradará a vida comunitária. E assim por diante. Quarto, a mudança tecnológica não é aditiva; é ecológica, o que significa que ela muda tudo e é, portanto, importante demais para ser deixada inteiramente nas mãos de Bill Gates. E quinto, a tecnologia tende a se tornar mítica; ou seja, percebida como parte da ordem natural das coisas, e portanto, tende mais a controlar nossas vidas do que ser boa para nós.
Se tivéssemos mais tempo, eu poderia fornecer algumas coisas adicionais importantes a respeito da mudança tecnológica, mas me reservarei a estas por enquanto, e fecharei com este pensamento: No passado, nós experimentamos a mudança tecnológica como se fôssemos sonâmbulos. Nosso slogan implícito era “tecnologia acima de tudo”, e estivemos dispostos a moldar nossas vidas para nos adequarmos às exigências da tecnologia, não às exigências da cultura. Esta é uma forma de estupidez, especialmente em uma era de vasta mudança tecnológica. Precisamos prosseguir com nossos olhos bem abertos para que nós usemos a tecnologia ao invés de sermos usados por ela.
[*] “All our inventions are but improved means to an unimproved end.” [N. do T.]
[†] Trade-off ou tradeoff é uma expressão que define uma situação em que há conflito de escolha. Ele se caracteriza em uma ação econômica que visa a resolução de um problema, mas acarreta outro, obrigando uma escolha. Ocorre quando se abre mão de algum bem ou serviço distinto para se obter outro bem ou serviço distinto. [N. do T.]