Um blog do Ministério Fiel
“Semper Reformanda” e a fidelidade à Palavra de Deus
A maioria dos ocidentais esqueceu o seu latim, se eles já o conheceram. Se não tiverem cuidado, portanto, eles podem confundir o lema latino ecclesia reformata, semper reformanda com o lema dos fuzileiros navais dos EUA, Semper fi. Poderia haver coisas piores.
Para os fuzileiros navais, Semper fi (abreviação de Semper fidelis, “sempre fiel”) é o resumo de um estilo de vida e um conjunto de compromissos. Para o cristão, semper reformanda pode ajudar no retorno das comunhões à fé antiga, separando as tradições mendicantes (miseráveis) da vitalidade das Escrituras, ou pode contribuir para diluir a fé.
O significado da frase
Embora o lema seja frequentemente citado apenas em parte, a frase completa significa “a igreja tendo sido reformada [particípio passado passivo] e continuando a ser reformada [particípio futuro passivo]”. Infelizmente, muitas pessoas deturpam a frase, ou traduzindo mal o original ou enfatizando apenas uma parte desse lema.
A versão ideal do lema demanda três coisas: (1) que a igreja passe por uma reforma considerável; (2) que a igreja continuamente aperfeiçoe a sua reforma — mas a reforma em direção a um objetivo específico, a saber, mais conformidade com as Escrituras; e (3) que qualquer reforma contínua também deve ser “de acordo com a Palavra de Deus” (secundum verbum Dei). Esse terceiro aspecto-chave é muitas vezes convenientemente esquecido. Quando cristãos bem-intencionados falham em ressaltar todas as ênfases do lema igualmente, uma igreja em constante mudança emerge. O Cristianismo é continuamente reformado, tudo bem — mas reformado como o “nariz de cera” de Lutero,[1] moldado como massa de modelar de acordo com os desejos de cada geração.
Alguns grupos parecem ser discípulos de semper revisionendum. Para o observador ingênuo, a “Primeira Igreja do Aqui e Agora” — sempre mudando, sempre revisando — pode parecer atraente no início, porém mais tarde veremos que essa igreja está fatalmente contaminada com o vírus do revisionismo que destrói a santidade, apostolicidade e catolicidade. Pode-se transformar uma igreja desse modo, certamente, mas o resultado nem sempre é tão salutar.
O revisionismo pode afligir tanto os conservadores quanto os liberais. Certa vez, participei de uma conferência em que um grupo implicitamente tentava se redefinir. Fiquei surpreso ao ver os líderes desse grupo ostensivamente conservador citarem o “mantra” semper reformanda. Tendo saído recentemente de uma denominação liberal, eu tinha aprendido a segurar reflexivamente minha carteira para proteger todo o dinheiro restante sempre que eu ouvia essa frase. Na maioria dos casos, a expressão continuamente reformando sinalizava uma tomada de poder eclesiástico ou uma tentativa de afastar-se da verdade recebida. Claro, percebemos que o passado também contém erros. Nenhuma tradição é infalível. G.K. Chesterton fez um gracejo: “O negócio dos progressistas é continuar cometendo erros. O negócio dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos”. O conservadorismo em si não é o padrão. No entanto, na maioria das vezes, as mudanças baseadas nesse som de “sereia latina” têm sido desvios da ortodoxia.
Nessa mesma conferência, nenhum orador mostrou o equilíbrio desejado citando a primeira parte da subscrição: reformatus est (tendo sido reformada). Se alguém é um defensor de semper reformanda, então o mínimo que poderia fazer para evitar o revisionismo total é citar a primeira metade do lema —tendo sido reformada — tão enfaticamente quanto tal pessoa convoca a atualização. Talvez mais atenção precisasse ser dedicada a “ter [nossas igrejas] reformadas” na realidade antes de marcharmos para prosseguir uma reforma que não existiu.
João Calvino (que não usou essa frase) e outros pareciam pensar que o cenário eclesiástico poderia ser primeiramente reformado de acordo com as verdades eternas da Palavra de Deus; assim, os reformadores originais deram pouca atenção à dinâmica modernizadora. Calvino, como Martinho Lutero, foi certamente corajoso o suficiente para tentar levar a Igreja Católica Romana de volta às Escrituras e afastá-la do tradicionalismo não-bíblico. É importante lembrar aos nossos amigos que os exemplares reformadores protestantes foram impulsionados ad fontes (de volta para as fontes) em vez de ad futura sola (somente para o futuro).
O uso adequado
Adequadamente usada, essa expressão pode ser útil como um atrativo magnético para o nosso verdadeiro norte. Usada indevidamente ou empregada para a liberalização política ou adaptação constante, pode ser mortal. Semper reformanda é usada corretamente quando nos lembramos que…
- A nossa fé não é uma evolução (Judas 3).
- A igreja e seus membros são protegidos por credos e confissões bíblicas.
- Uma confissão é digna se, e somente se, for completamente bíblica.
- Somente a Escritura é inerrante; assim, as confissões e quaisquer escritos passíveis de erro podem ser melhorados. A Confissão de Fé de Westminster afirma logo no capítulo inicial que a única regra infalível para interpretação é a Escritura interpretando a Escritura (1.9).
- Além disso, somente a Escritura — nossa “regra normativa” — é infalível e o “juiz supremo… em cuja sentença devemos descansar” (CFW 1.10).
Também queremos evitar a crítica de Jesus aos fariseus, os quais anularam as Escrituras para atender às tradições do homem (Mateus 15.6). De fato, muito do exemplo de Jesus nos Evangelhos se preocupa em devolver a verdade do evangelho aos seus fundamentos, libertando-a primeiro das imundícies de um tradicionalismo incrustado. A exposição de Jesus da lei mosaica em Mateus 5 é um exemplo perfeito de chamado à reforma por meio da volta à verdadeira norma.
Um exemplo de uma reforma saudável e contínua ocorreu quando a versão americana da Confissão de Fé de Westminster alterou as suas expectativas sobre a abrangência do magistrado civil. A confissão original (adotada em uma Inglaterra que admitia a autoridade do Estado nos assuntos da igreja) reconhecia um papel muito maior para os governantes civis do que a maioria das democracias modernas concede. Na primeira Assembleia Geral Presbiteriana da América (1789), a igreja modificou a confissão nessa seção, buscando proteger a liberdade individual e eclesiástica, mesmo contra uma tendência teocrática bem-intencionada. Depois de séculos de exegese e luta (até mesmo o martírio de alguns), a versão americana da Confissão de Westminster foi reformada de acordo com as Escrituras. Podemos ser gratos por essa correção bíblica. Da mesma forma, o apoio da igreja moderna à alfabetização universal, direitos civis iguais e proteção dos não-nascidos, juntamente com uma sacramentologia mais robusta, são exemplos de um crescimento contínuo em fidelidade bíblica.
Fidelidade à Palavra de Deus
Ainda mais importante do que qualquer latinismo, o verdadeiro padrão deveria ser: “Assim diz o Senhor”. Devemos fazer como os bereanos (Atos 17.10-11) ao buscarem a verdade na Escritura. O profeta Isaías nos convocou a avaliar as coisas recorrendo “à lei e ao testemunho” (Isaías 8.20), enquanto Jeremias nos exortou a buscar as veredas antigas (Jeremias 6.16). Em Romanos, Paulo disse: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (3.4), enquanto Judas 3 fala sobre a fé imutável.
Enquanto o Novo Testamento se desdobra, não há uma fé entre muitas, ou “uma fé”, seja qual for a que as pessoas sinceramente defendam. Em vez disso, existe “a fé”. Uma revisão superficial evidencia que “a fé” é um conjunto de verdades reveladas (1 Timóteo 1.19; 4.1, 6, 16). Deus, em sua misericórdia, não fundou a igreja sobre um fundamento imperfeito que necessita de atualizações em série ou revisão constante da sua essência. Contudo, os conceitos humanos sempre revelam imperfeição.
Felizmente, apesar de artigos fixos de crença serem usados como padrões da verdade até meados do primeiro século, as melhores confissões protestantes declaram de modo explícito “a Bíblia sobre a tradição”. Os cristãos devotos sempre desejarão reformar a igreja de acordo com as Escrituras. O fracasso em fazê-lo frequentemente produz caos, culto da vontade, confusão, idiossincrasia, idolatria do método ou instabilidade contínua.
Ser reformado de acordo com as Escrituras e continuar a buscar uma fidelidade ainda maior à Palavra de Deus pode ser emancipador. Os fariseus e os saduceus, antigos e modernos, são mestres em usar os padrões não escritos para fazer com que os inexperientes entrem em “estado de coma”. Uma igreja conformada às verdades bíblicas, por outro lado, não sujeita a comunidade dos crentes a essas leis secretas. Em vez disso, ela nos liberta dos padrões egoístas e também torna a igreja acessível a todos sob os mesmos padrões.
Contudo, duas coisas tornarão esse lema mais útil:
- Quanto à parte reformatus est — a igreja deve primeiro lidar com questões importantes antes de voltar a sua atenção para questões menores. Uma igreja que não tenha sido reformada quanto ao essencial dificilmente poderá continuar a reforma.
- “Sempre sendo reformada” é medido por um padrão: a própria Escritura (secundum verbum Dei). Não é bom solicitar reforma contínua se não está muito claro que o objetivo é se conformar mais com as Escrituras eternas.
A igreja de Jesus precisa sempre crescer em conformidade com Cristo. No entanto, essa santificação pode ser muito diferente da conformidade com ideias revisadas ou impulsos modernos. Assim, sempre que usamos essa expresssão corretamente, semper reformanda deve levar a semper fidelis. Esse é o uso adequado do ideal. E se a igreja de Cristo está sendo santificada e sendo feita gloriosa (Efésios 5.27), se aprendermos com alguns dos erros do passado e nos apegarmos firmemente à Escritura, seremos abençoados com maior conformidade à Escritura.
#1: Em 1520, Lutero respondeu a um ataque contra ele feito pelo monge franciscano Augustine Alved, de Leipzig. Ele acusou Alved e seu grupo religioso de fazerem da Escritura “tudo o que querem, como se fosse um nariz de cera para ser empurrado de um lado para o outro”. ‒ N.T.