Um blog do Ministério Fiel
Tempo de expectativas
“O temor do Senhor (é a causa) do prolongamento dos dias e os anos do malvado (serão) encurtados.” Provérbios 10.27 [1]
Introdução
Chegamos no último domingo do ano de 2017. Esse é um tempo de reflexão e balanço existencial (pelo menos deveria ser) e também é um tempo de expectativas. Espera-se que o próximo ano seja melhor. Desta forma, as pessoas criam metas, promessas, planejam, anotam, elaboram uma série de sonhos para que 2018 seja mais e melhor.
Talvez o maior problema das pessoas não seja de expectativas, mas de sabedoria. Almeja-se muito, há muito tempo, mas como chegar lá? O que precisamos saber para atingir nossas metas e sonhos? O livro de Provérbios é um livro que mostra a doutrina de Deus aplicada às situações concretas da vida. Sábio é quem teme o Senhor e vive em seus caminhos todos os dias. Mas, o que a sabedoria tem para nos ensinar nesse momento de virada e outros momentos da vida?
O verso que lemos, expressa um conhecido contraste do livro de Provérbios, a saber, a diferença entre o justo e o ímpio. O justo é aquele que teme a Deus e o ímpio despreza a dádiva de Deus. Porém, esse pequeno provérbio também lida com as expectativas da vida, e por isso, creio que as lições que ele nos ensina são úteis para as reflexões nesse último dia do ano.
1. Um tema importante: os dias futuros
Salomão faz uma menção direta ao prolongamento da vida e o encurtamento dos anos. Ele usa duas palavras dentro de um paralelismo oposto: Há um jeito de ser que prologando a vida e outro que encurta a vida.
Vida e morte fazem parte das coisas que são experimentadas dentro do tempo (Ecl 3.3). No sentido mais intuitivo, prologar os dias ou encurtá-los representa o tempo que temos entre o nascimento e a morte.
O estudioso alemão Walter Eichrodt afirma que as frases habituais como “além da fronteira de Israel, a saber, que alguém morreu ‘em boa idade’ ou ‘velho e saturado de vida’, requerem um novo significado: à parte da satisfação natural por ter levado a cabo a carreira da vida sem maiores obstáculos, traduzem a abundancia de vida que é alcançada, tratamento com Deus que chama o homem à comunhão com ele. [2]
Porém, é possível pensar na qualidade da vida – do tempo que se vive em dias e anos. No dizer do professor Bruce Waltke, trata-se de uma “vida abundante” que se expressa em promessas e expectativas de “saúde, prosperidade e reconhecimento social.” Com respeito ao ímpio a morte é seu destino certo. [3] Veja:
21 Filho meu, não se apartem estas coisas dos teus olhos; guarda a verdadeira sabedoria e o bom siso; 22 porque serão vida para a tua alma e adorno ao teu pescoço. 23 Então, andarás seguro no teu caminho, e não tropeçará o teu pé (Pro 3:21-23 ARA)
17 Pois debalde se estende a rede à vista de qualquer ave. 18 Estes se emboscam contra o seu próprio sangue e a sua própria vida espreitam. 19 Tal é a sorte de todo ganancioso; e este espírito de ganância tira a vida de quem o possui. (Pro 1:17-19 ARA)
Salomão não está interessado em tomar o lugar de Deus no controle do tempo, ou viver no tempo de maneira irresponsável. Sua motivação é saber como viver os dias e anos dados por Deus. A grande questão é: o que fazer com esse tempo que nos resta?
Não é pecado planejar ou ter expectativas na vida. Erra-se o alvo quando Deus é colocado de lado e o tempo é encarado com soberba controladora ou com a ansiedade pagã. Os pensadores do nosso tempo, pensam que o que dá a vida é a morte. Outros, de maneira menos abstrata abraçam o misticismo e as superstições. Outros abraçam um forte rigor organizacional, sugestionado psicologicamente pela virada do tempo, porém, com o passar do tempo esfriam nos compromissos e recaem em velhos hábitos, muitas vezes destrutivos.
É justo pensar na qualidade do tempo que vivemos entre o nascimento e a morte. É sábio inquirir em como viver mais os dias e os anos que nos restam. O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor (16.1) É preciso remir o tempo porque os dias são maus, ainda que só possamos viver um dia de cada vez. Se tivermos essas verdades em mente não comprometeremos o compromisso do nosso coração com o Senhor!
Mas como viver mais e melhor? Como experimentar mais dos dias e anos que Deus nos dá?
2. A importância do temor do Senhor
Salomão diz que “o temor do Senhor prolonga os dias da vida”. A expressão “temor do Senhor” (construto) liga duas realidades. A palavra temor (יִרְאַ֣ת) significa, dentre outras coisas, medo, terror, pavor, espanto, receio e reverência. Porém, Salomão não está interessado no medo em si, mas no temor relacionado ao Senhor, ou seja, seu interesse está na reverencia religiosa. Temor do Senhor, nesse sentido, pode até incluir o medo ou espanto diante de Deus, mas tal sentimento não é desacompanhado da consciência dos desígnios de Deus (1.7). Logo, temor do Senhor é princípio da sabedoria. Quem teme ao Senhor não é guiado por um medo irracional, mas pela revelação dos desígnios santos de Deus. Aqueles que temem o Senhor “reconhecem que Deus é a fonte da virtude, e que sua vontade é o fundamento da felicidade humana.” [4]
A expressão “temor do Senhor” é ligada à muitos aspectos da vida, mas nessa passagem Salomão diz que o temor do Senhor prologa os dias da vida. Na língua hebraica os verbos são expressados por meio de troncos que acumulam sentido. No caso em questão, o verbo “aumentar” (יָסַף ) está no Hiphil, que é um tronco que indica causa. Logo, a ideia de Salomão é destacar que a causa do prolongamento dos dias é o temor do Senhor. Temer a Deus pode prologar o tempo, e certamente enche de vida o tempo.
“Em Provérbios está claro que seres humanos são incapazes de se tornar sábios sem a revelação divina. As pessoas são claramente dependentes da iniciativa de Yahweh. Sua crença em agir sob a orientação de Deus, concedida misericordiosamente, define sua probidade ” [5]
Se queremos viver mais e melhor, se queremos concretizar as boas expectativas da vida, se queremos longevidade, precisamos temer ao Senhor. Você não vai aproveitar mais a vida por tentar se ligar a um plano superior (medo do sagrado); ou por adotar alguns hábitos saudáveis; ou por adotar critérios pragmáticos de organização do tempo.
Entendam, o problema não é a religião em si, ou a adoção de práticas saudáveis e afins. A questão decisiva é o temor do Senhor. Quando se trata das questões centrais da vida, é a relação com Deus que conta radicalmente. Sem o Senhor nada podemos fazer. É o Senhor que dá sentido ao tempo. É Ele que organiza nossa vida com sua sabedoria.
É Ele que não dá não apenas as promessas de vida longa, mas a promessa de vida eterna por meio do Evangelho de Jesus Cristo. Jesus veio para que tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10.10). Ele mesmo é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6). Somente depositando toda nossa confiança em Jesus podemos experimentar a paz com Deus, o perdão dos nossos pecados e a esperança para viver nesse palco quebrado. A questão não é o que eu posso fazer, mas o que Deus graciosamente faz por pecadores que indica o caminho da vida em Jesus, onde estão todos os tesouros da sabedoria de Deus. É o compromisso com Cristo e o seu Reino que determinará a qualidade das expectativas que você pode ter em relação ao tempo.
3. O resultado da maldade
Por fim, Salomão diz: “mas, os anos do perverso serão abreviados.” O que temos aqui é a outra linha do paralelismo ressaltando a incongruência dos signos [6] ou paralelos antitético com o lado negativo na parte B do versículo. Devemos ler a passagem da seguinte maneira:
Lado A: O temor do Senhor prologa os dias de vida
Lado B: Os anos do perverso serão abreviados
A inversão é nítida na segunda linha. O perverso (רָשָׁע) é o oposto do temor do Senhor e por conseguinte, seus dias não serão prolongados, antes, serão abreviados. Ambos os tempos estão no futuro, portanto, estão versando sobre expectativas. O verbo “abreviar” (קָצַר) foi pronunciado no Qal, tronco que aponta para uma ação concreta. Ou seja, em termos simples, Salomão está dizendo o modo da certeza, que o estilo de vida perverso drena a vida, encurta a existência.
Você já parou para pensar no que está te atrapalhando de viver mais e melhor? Podemos eleger muitas coisas que podem ter embarreirado nosso sucesso em 2017, mas se olharmos a vida com a sabedoria do alto, veremos que o nosso grande problema se chama perversidade. O que tem nos impedido de experimentar a vida:
- São os ídolos, os falsos deuses do coração;
- São as falsas imagens onde depositamos confiança;
- São os falsos conceitos sobre Deus;
- É a nossa incapacidade de descasar no que Cristo fez;
- É o nosso descaso pela família;
- É o nosso descaso pela vida;
- É o nosso descaso com os compromissos;
- É o nosso jeito de querer conquistar;
- É a cobiça;
- É a mentira.
A má notícia é que não podemos mudar por nós mesmos. A boa notícia é que Deus é misericordioso e se compadece dos pecadores. Viver pelos valores de Deus se transforma numa experiência de amor a Deus e ao próximo. O contrário do amor a Deus e ao próximo resulta em um estilo de vida perverso, ímpio, depravado que encurta a vida e levanta péssimas expectativas.
Conclusão
Hoje, para muitos, é um dia de grandes expectativas. Nas igrejas, nas praias, nos lares, as pessoas estarão desejando mais do melhor umas para as outras. Boas expectativas temos de sobra, mas falta sabedoria. A sabedoria do alto expressa que o temor do Senhor é a causa do prolongamento da vida. Por outro lado, um estilo de vida ímpio encurta a vida.
O melhor balanço existencial que você pode fazer é aquele onde você passa pela escola do arrependimento e reconhece que são os nossos pecados que nos impedem de viver mais e melhor.
As melhores expectativas da vida estão em Deus. Quando tememos Ele, quando nos voltamos para Ele, recebemos não apenas as promessas de vida prolongada, mas a promessa de vida eterna. Como disse o puritano M. Henry: Tema a Deus, e isto lhe assegurará vida suficiente neste mundo, e a vida eterna, no outro.
Que o Senhor nos encha da sua sabedoria em 2018!
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[1] “O temor do Senhor” está na relação de construto objetivo. A ideia é o temor do Senhor seja entendido como reverência ao Senhor, religião, espiritualidade. O verbo “aumentar” – indica que o senhor é a causa, ou seja, o temor do Senhor é que causa o prolongamento dos dias. O hiphil quer dar essa certeza na ação futura. Os anos do perverso (malvado), ou seja, o tempo da pessoa má um contraste ou paralelo com o outro construto. Se o temor do Senhor prologa os dias, então o que acontece com os anos do perverso? Será encurtada (qual) – algo certo.
[2] EICHRODT, Walter. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2004. p. 936
[3] WALTKE, Bruce. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 1013
[4] ROWLEY, Harold. A fé em Israel. São Paulo: Teológica, 2003. p. 201
[5] HOUSE, p. 576
[6] CÁSSIO, Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 305
[7] WALTKE, Bruce. Provérbios, vol 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 539