Um blog do Ministério Fiel
Como o herói de “Doctor Who” é – e não é – como Jesus
No dia de Natal, a série de ficção científica britânica Doctor Who inovou. O Doutor (um superumano Senhor do Tempo vindo do planeta Gallifrey, que viaja através do tempo e do espaço em um veículo que se assemelha a uma antiga cabine que servia para chamar a polícia) se regenera em um corpo feminino. Após 12 doutores do sexo masculino ao longo de uma história de 54 anos, a escolha de Jodie Whittaker pode parecer audaciosa. Mas, para uma série com uma guerreira, semelhante a um lagarto pré-histórico, casada com uma serva humana do século XIX, a mudança do doutor masculino para o corpo de uma mulher é praticamente tímida.
No cerne da série encontra-se um marco muito mais controverso. Enquanto o tratamento da religião em Doctor Who é quase sempre negativo (veja os monges assassinos sem cabeça, os anjos lamentadores que sugam a vida e o retrato da igreja do século 51 como uma operação puramente militar), os paralelos entre o herói da série e o herói do cristianismo são inconfundíveis.
Seis ecos de Jesus no Doutor
O Doutor (cujo nome nunca é revelado) parece humano, mas ele não é. Quanto a isso, ele é significativamente diferente de Jesus. Mas há pelo menos seis aspectos em que a semelhança dificilmente passa desapercebida.
- O Doutor consegue navegar sem esforço do início ao fim do universo. Ele vê todo o tempo em cada momento consciente. E, no entanto, ele está profundamente presente e comprometido com as pessoas. “Quando você ama o doutor”, lamentou a enigmática River Song, “é como amar as próprias estrelas. Você não espera que um pôr-do-sol retribua”. Mas sua reivindicação é imediatamente anulada quando o Doutor aparece, para amá-la.
- O Doutor é teimosamente pacífico. Ele carrega uma chave de fenda em vez de uma arma e combate o mal com seus dois corações e um cérebro magnífico. E, ainda assim, ele é aterrador para os seus inimigos: “O homem que pode colocar um exército para correr pela simples menção de seu nome”.
- O Doutor rotineiramente oferece sua vida para salvar o mundo, a vida de seus amigos e até de seus inimigos. Em “Forest of the Dead” [Floresta dos Mortos] River Song tem que nocautear o Doutor e prendê-lo para fazê-lo deixá-la se sacrificar!
- O Doutor gravita em torno dos marginalizados. Ele despreza o status e exalta o fraco para envergonhar o forte. Falando de modo ousado em “A Christmas Carol” [Uma Canção de Natal] ele responde: “Em 900 anos de tempo e espaço, nunca conheci alguém que não fosse importante”.
- O Doutor chama as pessoas ao arrependimento e arrisca sua vida para dar uma chance mesmo a quem parece ser o mais irremediável. Quando é bem-sucedido, o Doutor lhes permite viver novas vidas. Por exemplo, ele encontrou a mulher-lagarto, Vastra, matando escavadores de túnel no metrô de Londres, e a transformou em detetive da Scotland Yard.
- E, claro, quando confrontado com a morte, o doutor ressuscita. Sua “regeneração” periódica em um novo corpo é conveniente para uma série que tem sido exibida de modo inconstante desde a década de 1960. Mas também dá à série uma sensação de resiliência diante da morte, uma esperança de que a morte possa ser enganada, pelo menos por um tempo.
A diferença mais profunda
Mas há uma diferença fundamental entre o herói de Doctor Who e o herói do cristianismo. O Doutor luta contra a morte com cada parte de seu ser. Como River diz: “Todos sabem que todos morrem e ninguém sabe disso como o Doutor, mas acho que todos os céus de todos os mundos podem escurecer, se ele, por um momento, aceitar esse fato”.
E, contudo, o Doutor não consegue superar a morte finalmente. Ele pode ser o “esperançoso de esperanças distantes e o sonhador de sonhos improváveis”. Mas esses sonhos e esperanças têm um prazo de validade. Essa incapacidade final de se apegar ao real está presente na cosmovisão do Doutor enquanto ele sussurra para a sua melhor amiga, Amy Pond, enquanto ela dorme: “Nós todos somos histórias, no final. Apenas faça uma boa, sim?”. Por um instante, essa perspectiva parece heroica. Mas se de fato não somos mais do que histórias, nosso sentido e moral se tornam obscuros: somos deixados sem saber o que é uma “boa” história. Jesus, em contraste, nos convida a uma história maior, uma história na qual as nossas histórias individuais encontram o seu sentido.
Para uma série que resiste ativamente às crenças cristãs, a maior controvérsia de Doctor Who é que se inspira tão claramente na fonte de vida do universo, o homem cuja história tem muito de quem o Doutor é: o verdadeiro herói que abraça os excluídos, entrega a sua vida em favor da nossa e vence a morte.