Um blog do Ministério Fiel
Uma lição de Spurgeon acerca do evangelismo
Charles Spurgeon tem sido adequadamente descrito como um daqueles pregadores que aparece uma vez a cada 100 anos, em quem todos os poderosos dons que são úteis ao ministério estão depositados. Sua vida e obra permanecem hoje, mais de 100 anos após sua morte, encorajando e desafiando ministros do evangelho que estão diante do terceiro milênio.
Qualquer estudo do ministério de Spurgeon revela imediatamente um homem obsediado pelo evangelismo. Desde o momento de sua conversão até o dia de sua morte, Spurgeon manteve uma intensa preocupação pelas almas. Era fanático quanto ao assunto “em todas as formas corretas. Como pastor, levou muito a sério o conselho apostólico para fazer “o trabalho de um evangelista”. E diligentemente procurou despertar uma preocupação evangelística nos membros de sua igreja e em seus colegas pregadores.
Este fato confunde alguns estudiosos da vida de Spurgeon, pois, junto com esse fervor evangel ístico (e, poderíamos dizer, a despeito das afirmações contemporâneas em contrário), ele jamais se afastou do profundo compromisso com as doutrinas da Graça. Entendeu com clareza, creu pessoalmente e proclamou com poder o que, em linguagem popular, é chamado de “calvinismo”. Ele o fez não por qualquer tipo de devoção a um homem ou a um sistema filosófico, mas por estar convencido de que todas as verdades que historicamente sempre estiveram debaixo dessa bandeira não eram outra coisa senão o cristianismo bíblico. Foi esta compreensão que o capacitou a pregar a Cristo de forma tão simples e persuasiva.
Alguns que discordam da teologia de Spurgeon, mas apreciam seu evangelismo, têm dificuldade em conciliar as crenças e a prática dele. Tais pessoas normalmente evocam mais ou menos o seguinte: “Sim, Spurgeon era um calvinista; todavia, apesar disso, era evangelístico.” Tal análise, entretanto, não é correta. Seria melhor dizer: “É claro que Spurgeon era um calvinista e, portanto, era evangelístico.” Sua devoção brotou de sua doutrina, e sua crença orientou a sua prática.
É neste ponto, talvez mais do que em qualquer outro, que o “Príncipe dos Pregadores” tem muito a ensinar aos pastores de hoje. Nos últimos 25 anos, muitos desses têm se voltado à teologia de Spurgeon. Essa renovação teológica está crescendo. Mas o que não temos visto é um crescimento proporcional ao tipo de evangelismo praticado por Spurgeon. Isso deveria alarmar a todos que desejam ver uma renovação genuína e bíblica varrendo nossas igrejas.
Há uma geração de pastores que cresceram com o evangelismo modelado de acordo com a arte de vendas. Alguns dos manuais de evangelismo modernos diferem muito pouco do livro The Art of the Deal (A Arte do Neg ócio), escrito por Donald Trump (um milionário de nossos dias). Esse tipo de evangelismo tem causado grande estrago às igrejas, enchendo-as de pessoas não convertidas e, em última análise, confundindo os crentes acerca da verdadeira natureza do cristianismo. Tal evangelismo é mortal e precisa ser rejeitado. Mas, como Jesus alertou, quando um espírito imundo sai de um homem, se tal espírito não for substituído, logo voltará e trará consigo “outros sete espíritos piores que ele,..” e o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro. (Mt 12.45) “Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa”. O evangelismo falso precisa ser substituído pelo verdadeiro. Spurgeon pode nos mostrar o caminho, especialmente em termos de atitudes interiores e desejos.
Spurgeon era um calvinista com “C” maiúsculo e um batista com “B” maiúsculo, mas seu CRISTIANISMO era escrito totalmente em letras maiúsculas. Em uma palestra aos alunos de uma faculdade de pastores, ele reconheceu a conveniência de se tentar transformar um pedobatista em um batista e ajudar os arminianos a enxergarem que a salvação é totalmente pela graça. “Mas”, ele disse, “nosso grande objetivo não é a reversão de opiniões, e sim a regeneração das naturezas. Devemos trazer homens a Cristo e não aos nossos pontos de vista particulares a respeito do cristianismo. Fazer prosélitos é algo que cabe aos fariseus; regenerar homens para Deus é uma meta honrada dos ministros de Cristo”.
É praticamente impossível encontrar um sermão impresso de Spurgeon que não contenha algum tipo de apelo ao não-convertido. Eles estão cheios de alegações, argumentos, alertas e instruções aos pecadores, chamando-os e convidando-os a virem a Cristo. A própria atitude de Spurgeon é refletida no retrato de João Bunyan de um verdadeiro ministro do evangelho, em O Peregrino. Em seu primeiro sermão, na igreja de New Park Street, ele utilizou essa cena para descrever como o ministro do evangelho deve considerar as almas de homens e mulheres:
João Bunyan fornece-nos um retrato de um homem a quem Deus tencionou tornar um guia para os céus; vocês já observaram como esse quadro é bonito? Esse homem tem uma coroa da vida sobre sua cabeça, a terra encontra-se debaixo de seus pés, está de pé como se implorasse aos homens e com o melhor dos Livros em suas mãos. Oh! Como eu gostaria, por um só momento, ser esse tipo de pregador; que pudesse arrazoar com os homens, assim como João Bunyan descreve. Todos somos embaixadores de Cristo e, nesta qualidade, devemos suplicar aos homens, como se Deus lhes falasse por nosso intermédio. Como eu gosto de ver um pregador que chega às lágrimas! Como gosto de ver um homem que é capaz de chorar por causa dos pecadores, um homem cuja alma anela pelos ímpios, como se ele pudesse, de alguma forma, trazê-los ao Senhor Jesus Cristo! Não consigo compreender um homem que sobe ao púlpito e apresenta um discurso frio e indiferente, como se não tivesse interesse pela alma de seus ouvintes. Creio que o verdadeiro ministro do evangelho é aquele que tem um real anseio pelas almas, demonstrado em uma atitude semelhante à de Raquel, quando clamou: “Dá-me filhos, senão morrerei”. Esse ministro também clamará a Deus, para que veja os eleitos do Senhor nascerem e serem trazidos para Deus. E, conforme penso, todo o verdadeiro crente deve ser extremamente zeloso na oração em favor das almas dos ímpios; e quando fazem isto, Deus os abençoa abundantemente e a igreja prospera! Porém, amados, mesmo vendo almas condenadas, quão poucos se importam com elas! Os pecadores podem afundar no lamaçal da perdição; entretanto, poucas lágrimas são derramadas por eles! O mundo inteiro pode ser levado por uma torrente ao precipício de condenação, e, apesar disso, quão poucos realmente clamam a Deus em favor dessas pessoas! Quão poucos homens dizem: “Oh! Que a minha cabeça se tornasse em águas, e os meus olhos, em fonte de lágrimas! Então, choraria de dia e de noite os mortos da filha do meu povo!” Não lamentamos diante de Deus pela perda da alma dos homens, como seria próprio aos cristãos fazerem.
Spurgeon argumentou que não apenas certos tipos de pregadores podem ser ganhadores de almas. Na verdade, todo o pregador deveria labutar seriamente para ver seus ouvintes salvos.
“A menos que conversões sejam constantemente vistas, em todas as nossas congregações um clamor amargo deveria ser levantado a Deus. Se nossa pregação jamais salva uma alma (e isto não é comum acontecer) não deveríamos glorificar a Deus melhor como lavradores ou comerciantes? Que honra pode o Senhor receber de pregadores inúteis? O Espírito Santo não está conosco, nem estamos sendo usados por Deus, para os seus gloriosos propósitos, a menos que almas estejam sendo despertadas para vida eterna. Irmãos, será que podemos suportar o sermos inúteis? Podemos ser estéreis e, ainda assim, estar contentes?”
Para Spurgeon, essa paixão era inextinguível. Ele viu, de forma bastante exata, que a glória de Deus estava em jogo.
“Novamente, se tivermos de ser revestidos do poder do Senhor, precisamos sentir um intenso anelo pela glória de Deus, e pela salvação dos filhos dos homens. Mesmo quando somos os mais bem-sucedidos, precisamos anelar por mais êxito. Se Deus tem nos dado muitas almas, precisamos ansiar por milhares de vezes o que temos. A satisfação com os resultados será a morte lenta do progresso. Não é bom para o homem pensar que não pode melhorar. Ele não possui santidade, se acha que já é útil o suficiente. Essa paixão ardente inevitavelmente determinará como um homem prega. Por um lado, ela o levará a empenhar-se para ser claro em seu discurso. Devemos dizer a nós mesmos: .Não; eu não posso usar esta palavra difícil, pois aquela pobre senhora que senta naquele lugar não me compreenderia. Não posso salientar aquela dificuldade obscura, pois aquela pobre alma poderá ser confundida por tal dificuldade e não aliviada por minha explanação… Se você ama os seres humanos, você amará menos as palavras difíceis.”
O objetivo de ver almas ganhas para Cristo através da pregação também levará o pregador a labutar para ser interessante. “Como, em nome da razão, podem almas se converter por meio de sermões que embalam as pessoas a dormir?” É por esse motivo que o humor pode ter um papel legítimo na pregação. Spurgeon ponderou que é “crime menos grave causar uma risada momentânea do que um sono profundo de meia hora”.
Ele é tão enfático nisto, que é fácil compreendê-lo de maneira errônea. Spurgeon não estava argumentando que o pregador é responsável pelo sucesso evangelístico de seu ministério; é responsável pela fidelidade à tarefa de evangelizar. Deus, em sua soberania, salvará aqueles que Ele quiser, quando e onde quiser. Spurgeon jamais duvidou disso. Todavia, ele se recusou a nos permitir esquecer que no âmago de um ministério fiel reside uma profunda paixão pelas almas de homens e mulheres. Ele disse: “Se os pecadores serão condenados, que pelo menos pulem para o inferno passando por cima de nossos corpos. Se perecerem, que pereçam com nossos braços e mãos tocando os seus joelhos, implorando que fiquem. Se o inferno tiver de ser cheio, pelo menos que seja cheio apesar de nossos esforços, e que ninguém entre ali sem estar avisado e sem que se tenha intercedido por essa pessoa”.
Se nossa doutrina não conduz à devoção, alguma coisa está tremendamente errada. Não terminaremos nossa tarefa até que a cabeça, o coração e as mãos concordem. Tal integração santificada de nossa personalidade não será alcançada até que vejamos o Senhor face a face. Mas temos de nos esforçar para alcançar esse objetivo, aqui e agora. Tendo recebido o evangelho, precisamos estar engajados no evangelismo. E, quanto mais claramente tivermos assimilado o evangelho, tanto mais apaixonados haveremos de nos entregar à evangelização.