Um blog do Ministério Fiel
Por que cristãos deveriam ler ficção
Ler ficção é perda de tempo?
Tenho percebido que a maioria das pessoas que me dizem que ficção é uma perda de tempo são pessoas que parecer ter uma visão sola cerebra da vida cristã que simplesmente não se encaixa na Bíblia. A Bíblia não se refere ao homem simplesmente como um processo cognitivo, mas como um ser que carrega a imagem de Deus que reconhece a verdade não apenas por meio de categorias de silogismos, mas através de imaginação, beleza, maravilha e admiração. A ficção ajuda a moldar e afiar o que Russell Kirk chamou de “imaginação moral”.
Meu amigo David Mills, agora editor executivo da revista First Things, escreveu um brilhante artigo para a Touchstone há alguns anos sobre o papel das histórias em moldar a imaginação moral das crianças. Como ele apontou, instrução moral não é simplesmente saber factualmente o que é certo e o que é errado (apesar de isso também ser parte); é aprender a sentir afeição por certas virtudes e repulsão por outras. Uma criança aprende a simpatizar com o heroísmo de João, o matador de gigantes do pé de feijão e se sente repelida pela crueldade das irmãs da Cinderela.
Quando você pensa sobre isso, é assim que as Escrituras muitas vezes funciona. Provérbios, por exemplo, pinta uma imagem vívida da tragédia revoltante que é o adultério (Provérbios 7). Jesus não simplesmente fala sobre o perdão de Deus de forma abstrata. Ele conta uma história, do filho pródigo, pensada para ser chocante (um filho que gasta toda sua herança) e para evocar simpatia e identificação. Os apóstolos fazem o mesmo. Eles usam linguagem literária e visual para apelar não somente ao intelecto, mas também a consciência, por meio da imaginação. Pense na linguagem de Paulo ao dizer “sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” ou o uso de temas literários no Novo Testamento (“o fruto do Espírito”, etc.).
A ficção pode, às vezes, como a história do profeta Natã sobre a cordeirinha do homem pobre, despertar partes de nós que estão calejadas, seja por ignorância, preguiça, desatenção ou pecado. Certa noite, dirigindo a caminho de casa, estava falando no telefone com minha avó de 86 anos. Ela estava me contando a história da última vez em que viu meu avô vivo. Ela me contou sobre como sentiu a frieza em seus pés ao trocar as meias dele no leito do hospital, sobre como os olhos dele a fitavam, apesar dele estar incapacitado de falar. Ela falou sobre como, quando as enfermeiras disseram que ela precisava se retirar, ela o beijou, disse que o amava e que podia sentir que ele o acompanhava com os olhos conforme ela deixava o quarto pela última vez. Eu sabia que ela tinha perdido o marido. Eu sei que as pessoas morrem. Eu sei sobre “Maridos, amai vossa mulher” (Efésios 5).
Mas aquela história despertou algo em mim. Me levou a abraçar minha esposa com um carinho especial quando cheguei em casa. Eu havia imaginado o que seria dizer adeus a ela daquela forma e, de repente, todas as pressões do dia-a-dia das crianças, das contas, do cuidado da casa e das férias pareciam fazer parte de um contexto maior. A ficção muitas vezes faz a mesma coisa. Quando eu leio A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói, eu ganho certa simpatia imaginativa com algo que talvez eu evite na correria da vida: o que é, de fato, morrer. Quando leio as histórias de Wendell Berry situadas no Henry County de Kentucky, tenho acesso ao sentimento de como seria encarar a perda de todas as propriedades da família durante a Grande Depressão de 1929. Esse tipo de ficção fornece uma visão mais rica e mais ampla da vida humana.
Além disso, a ficção é, penso seu, um grande auxílio para aqueles que são chamados para pregar e ensinar (o que, nos termos de dar bom testemunho de Cristo, um chamado para todos nós). A ficção ajuda o cristão a aprender a falar de formas que possam navegar entre o abstrato tedioso e o corriqueiro irrelevante. Também te possibilita aprender sobre a natureza humana. Eu nunca tive um problema com vício em drogas. Eu não consigo imaginar que tipo de coisa levaria alguém a experimentar metanfetamina. Ler histórias de vida em locais onde isso é comum e sobre as motivações por trás de um viciado me metanfetamina podem me ensinar a lidar com essas coisas de forma bíblica e enxergar onde eu tenho uma idolatria similar que seria igualmente incompreensível para outra pessoa.
Eu diria que a ficção, junto com composição de músicas e aconselhamento pessoal, são formas constantes que Deus me ensina empatia. É fácil no cristianismo evangélico assumir que todos que se opõe ou discordam de nós deve ser simplesmente evaporado verbalmente como um inimigo a ser destruído. Mas nenhum ensinamento falso ou direcionamento enganoso tem qualquer poder até que aparente ser algo bom a alguém. Jesus nos ensina que aqueles que entregam os discípulos à morte “pensarão que estão fazendo a vontade de Deus”. Praticamente qualquer pessoa se sente o heróis de sua própria narrativa pessoal.
Pessoas não pensam em si mesmas como super vilões de histórias em quadrinhos, esfregando as mãos e planejando “o reino do maaaaaaal no mundo! Mwa ha ha ha ha!”. A ficção ajuda pessoas a apresentarem honestamente aquelas histórias íntimas que as pessoas contam a si mesmas, coisas que elas não irão discorrer em, por exemplo, um debate, ou uma monografia, sobre sua forma de viver. Na ficção, um Darwinista pode mostrar como é o temor de se viver uma vida em sentido em um universo sem propósito, mas ele também pode demonstrar onde ele encontra aquelas coisas, como amor e admiração, que só podem ser encontradas de forma plena em Deus.
Mas, para finalizar, uma boa ficção não é “perda de tempo” pela mesma razão que boa música e boa arte não são perdas de tempo. Tudo isso está enraizado em um Deus infinitamente criativo que escolheu ter sua imagem representada por seres humanos que também criam. Cultura não é irrelevante. É parte do que Deus nos mandou fazer no começo, e que ele declara ser bom. Quando você desfruta da verdade e da beleza, quando você é abençoado por dons que Deus deu aos seres humanos, você está desfrutando de um universo em que, apesar de caído, Deus se regozija e considera “muito bom”.