Quando as provações nos esmagam

“Eu sei que o meu redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra.

E depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus.

Eu o verei com os meus próprios olhos; eu mesmo, e não outro!

Como anseio no meu peito o coração!” Jó 19.25-27 (NVI)

Ficamos voltando para a história de Jó porque ela nunca deixa de incomodar onde temos mais coceira quando as provações nos esmagam. Fui atraído para Jó de modo renovado há alguns anos quando um colega de pastorado e amigo próximo suicidou-se. Para o propósito de nossa história, eu o chamarei de Steve.

Ele e sua esposa maravilhosa tinham passado por intensos problemas médicos com os filhos. Cerca de um ano depois de subir a montanha Matterhorn, na Suíça, esse ávido esportista foi atropelado por um trem quando procurava o caminho para sair de uma densa floresta nas montanhas Rochosas, Estados Unidos. Teve as duas pernas amputadas. Depois disso, Steve sofreu de “dor fantasma”, em que seu sistema neurológico agia como se ainda estivesse experimentando o acidente. Precisava tomar doses grandes de medicamentos de tarja negra para que conseguisse dormir algumas poucas horas cada noite.

Embora tivéssemos estabelecido amizade na Califórnia, ele havia se mudado para a costa Leste e eu fui um tanto relaxado quanto a manter contato. Muitas vezes, durante as crises de Steve, eu deveria ter me envolvido mais. Agora sei que pelo menos em parte a minha relutância era devida à natureza grotesca daquilo que meu amigo tinha se tornado – e isso, claro, é uma coisa horrível para se dizer. Steve havia sido uma pessoa de sucesso, atleta, que abraçava o mundo inteiro, e agora vivia em angústia perpétua. Enquanto menino e crescendo na casa de repouso que meus pais dirigiam, eu vira fenômeno semelhante de primeira mão, pois os filhos praticamente abandonavam seus pais por não conseguirem enfrentar a sua própria mortalidade.

Vivemos nessa espécie de cultura, onde, apesar dos saltos quânticos na tecnologia médica para estender a vida, pessoas idosas ou com doenças terminais ou deficiências severas (mentais ou físicas) muitas vezes sofrem vidas solitárias. Somos escandalizados pela fragilidade de nossa própria saúde. Mesmo que sejamos cristãos, às vezes pensamos na doença, enfermidade e morte como acontecimentos aleatórios, sem significado que, portanto, têm de ser curados a qualquer custo. Às vezes nos esquecemos que a Queda – em que o pecado passou a fazer parte da condição humana – tem ligação com a decaída da saúde mental e física.

Enfrentamos diariamente a realidade de que somos quem somos agora, mas no momento seguinte poderemos ser outra coisa. Um jovem profissional cheio de esperanças, a caminho de tornar-se sócio da firma de advocacia onde trabalha, enquanto faz sua corrida diária depois do trabalho é vítima de atropelamento, e o motorista bateu e fugiu. Uma mãe que dedica sua vida a cuidar de seus filhos em fase de crescimento é informada que tem câncer em estágio terminal. Depois de vinte anos de casamento exemplar, um marido acorda e descobre que sua mulher o deixou sozinho com os filhos para viver com outro homem. Esses foram alguns casos que enfrentei em meu ministério – e agora um colega pastor trouxe a tragédia para perto demais da minha zona de conforto.

De qualquer modo, exausto por passar quem sabe quantas noites sem dormir, agonizando por sua família já sobrecarregada devido a uma filhinha severamente autista e quase nunca alerta devido à forte medicação que tomava, Steve foi à garagem e deu fim à sua vida com envenenamento por gás carbono. Sua esposa pediu que eu pregasse no culto fúnebre.

Steve era pastor bem conhecido de uma igreja respeitada no centro da cidade, e parecia que todo mundo tinha uma teoria teológica quanto ao porque ele fez o que fez e onde ele acabaria na eternidade como resultado disso. Alguns comentaram à imprensa que, segundo seu entendimento do suicídio, Steve seria condenado eternamente. No meio desse palavrório todo veio à minha mente a história de Jó, e foi essa história que contei naquele dia confuso do enterro de Steve.

O suicídio é o ato supremo do desespero. Encontramo-nos repletos das mais variadas emoções – pena, tristeza, raiva, perplexidade, ressentimentos – e perguntamos como foi possível que as coisas chegassem a esse ponto. Questionamos como alguém que cria e pregava a suficiência da Palavra de Deus e sua graça em meio às muitas tribulações da vida pôde nos deixar desse jeito em uma tarde de verão. Indagamos: “Se o evangelho não bastou para ele, será que pode ser o suficiente para mim? O que acontece quando o cristianismo não dá certo?”

Nossa cultura passou a valorizar somente aquilo que é prático, que dá certo. Toda convicção, toda ideia, é avaliada em termos de sua utilidade: Isso ajuda na criação de meus filhos? Vai construir um casamento bem-sucedido? Ajuda a viver uma vida saudável? Quando uma ideia ou convicção não tem bons resultados, é fácil mudar de produto. Frequentemente, as pessoas vêm a Cristo com promessas de “vitória em Jesus”. Pessoas sorridentes contam como eram tristes, mas hoje estão transbordando de alegria. Os casamentos fracassados se endireitam, filhos transviados voltam para o bom caminho estreito, e a depressão desaparece.

É claro que o triunfalismo ingênuo não era a mensagem de Steve. Ele não via o cristianismo como resposta para todos os problemas nem adorava a Jesus como um “conserta tudo”, mas como amigo dos pecadores, redentor, pastor de seu rebanho. Sabia que existia um problema mais profundo enfrentado por nós, criaturas caídas. Não descartava os desafios terrenos como irrelevantes ou triviais – ele os enxergava na perspectiva correta da eternidade. Mesmo que a vida esteja desmoronando, Deus continua sendo Deus, os seus propósitos não falham, e ele provou isso ressuscitando o filho da morte. Ainda que o cristianismo não tenha resposta para todo problema desta vida, com certeza a perspectiva da eternidade nos ajuda a lidar com essas dificuldades.

Ficamos a perguntar: Então, por que meu pai, irmão, marido, amigo e pastor tirou sua própria vida? o drama antigo Jó foi um homem profundamente dedicado a Deus. Tão zeloso era por sua família que sempre que eles iam embora depois das muitas visitas de volta ao lar, Jó oferecia sacrifícios em favor deles, pela viajem de retorno. Satanás ralhou com Deus por sua fidelidade. “Por que ele não seria fiel? Afinal de contas, ele tem uma vida encantada! É feliz, rico, sábio, todos da casa vivem bem – a família ideal de um cartão postal de Norman Rockwell”. Então, Deus permitiu que Satanás pusesse Jó à prova. Não há como nos esquivar dos fatos desse caso: Deus não somente sabia antecipadamente da provação de Satanás como também a sancionou (Jó 1.6-12). Através desta história fica claro que Satanás não teria acesso a Jó se Deus não o tivesse permitido.

No dia seguinte, foi um desastre após outro, e da noite para o dia, Jó perdeu tudo quanto lhe era precioso. No entanto, ele respondeu: “Saí nu do ventre de minha mãe e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor!” (Jó 1.21 NVI). Jó se recusou a acusar Deus de ter feito mal.

Bom Demais Para Ser Verdade

Encontrando esperança num mundo de ilusões

Nessa obra, Michael Horton aborda o problema e a realidade do mal, do sofrimento e das angústias da vida humana à luz da teologia da cruz, contrastando-a com a cada vez mais popular teologia da glória. Tratando com sensibilidade os dramas da vida, Horton apresenta uma robusta teologia da providência e graça de Deus, e oferece ao leitor esperança ao falar do triunfo de Cristo na ressurreição.

CONFIRA

Por: Michael Horton. © Editora Fiel. Website: EditoraFiel.com.br. Traduzido com permissão. Fonte: Extraído do livro: Michael Horton, Bom Demais Para Ser Verdade.

Original: Quando as provações nos esmagam. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados.