Um blog do Ministério Fiel
“Pantera Negra” e o anseio pelo lar
Quando o Unicórnio entra na verdadeira Nárnia, no fim da amada série de C.S. Lewis, exclama: “Finalmente cheguei em casa! Este é o meu verdadeiro país! Eu pertenço a este lugar. Esta é a terra que tenho buscado por toda a minha vida, embora eu não o soubesse até agora”.
Nós nos identificamos com essa dor por um lugar que nunca fomos, o lar celestial para o qual fomos criados. Mal podemos esperar pela consumação de nossa alegria, quando “a esperança se converterá em plena alegria, a fé em vista e a oração em adoração”.
Tudo soa bem na teoria, mas então a vida real nos atinge: tumulto político, agitação cultural, combate espiritual, guerras, conflitos e perseguição. Os valores do reino de Deus, às vezes, parecem distantes e remotos, enquanto o mundo à nossa volta parece ser a única coisa real.
Assim, a tensão para o cristão está em como vivemos de acordo com os valores daquele lar, quando tal lar é um lugar que nunca vimos. Conseguimos ser fiéis ao que somos como pessoas quando forçados, pressionados e esmagados pelos valores de uma sociedade cada vez mais secular? Devemos nos isolar do mundo ou nos imergir nele?
O apóstolo Pedro escreve: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Temos nossa identidade e temos nossas ordens para marchar. Mas e quanto ao conflito entre quem somos como cidadãos do reino e quem somos como cidadãos de outras nações, espalhados pelo mundo? Quanto de sua identidade provém de seu verdadeiro lar, e quanto você tem absorvido da cultura ao seu redor?
Lutando pela identidade de Wakanda
No início do mais recente filme da Marvel, Pantera Negra, vemos que os cidadãos de Wakanda são ao mesmo tempo isolados e dispersos pelo mundo, com alguns de seus jovens nunca tendo visto o seu país de origem, e muitos outros se mantendo seguros nas fronteiras do país. Aqueles que já vivem na terra mística da tecnologia avançada e da forte cultura africana são cada vez mais pressionados por ameaças externas. Em um mundo devastado pela guerra e pelo colonialismo, Wakanda pode permanecer fiel a quem é?
O próprio Pantera Negra, T’Challa (Chadwick Boseman), filho de T’Chaka (John Kani), incorpora essa tensão. Em um universo da Marvel dominado por super-heróis que patrulham o mundo, T’Challa se pergunta se há espaço para um governante africano cujos valores o colocam fora de sintonia com os países imperialistas que dominam o cenário mundial. Ao mesmo tempo, o Pantera Negra luta com o seu próprio lugar em sua árvore genealógica e como lidar com os fracassos de seus ancestrais. Em um momento de nossa história em que a globalização, a tecnologia e outros fatores estão minimizando fronteiras (e criando conflitos) entre culturas locais, nacionais e globais, essa é uma discussão oportuna.
A questão sobre identidade está presente em todo o filme Pantera Negra. Quando a guerra civil ameaça despedaçar os wakandanos, sua identidade os mantém unidos. Quando um governante insensato planeja usar os recursos de Wakanda para financiar revoluções em todo o mundo, seus cidadãos enfrentam a difícil tensão entre a ambição pela grandeza no mundo e permanecerem fiéis a quem eles são como povo. Todo cidadão de Wakanda é forçado a considerar a identidade como um povo próspero e amante da paz, contra a forte tentação de ascenderem e se tornarem uma potência mundial.
“Pantera Negra” eleva o universo cinematográfico da Marvel
É notável que a Marvel tenha lançado o Pantera Negra com discussões sobre identidade racial no cenário nacional. O filme usa as suas origens e cultura africanas como argumento, atingindo todas as notas certas sem nunca parecer banal ou enigmático. O filme convida a América e o mundo a verem os temas do universo Marvel através de olhos negros. Ao mesmo tempo, evita as armadilhas de ressaltar um tempo tumultuado na história americana para avançar uma agenda política de forma barata. Seus temas e pontos de discussão parecem reais e significativos, em vez de serem rapidamente ignorados.
Tudo isso significa que o Pantera Negra quase não se parece com um filme da Marvel — provavelmente isso é algo bom, considerando os rendimentos decrescentes que o universo cinematográfico da Marvel inevitavelmente experimentará pelos mesmos filmes serem exibidos sucessivamente nos cinemas, ano após ano. Nós só conseguimos assistir os Vingadores se unindo para salvar o mundo, enquanto disparam as piadas do roteirista Joss Whedon, tantas vezes.
O comentário sobre o excepcionalismo e o imperialismo americanos, feito de maneira desajeitada em Capitão América: Guerra Civil, finalmente consegue ser bem feito aqui em Pantera Negra. Não é difícil estabelecer uma conexão entre as lutas internas do povo de Wakanda e os Estados Unidos e o nosso lugar no mundo. Quem somos nós como americanos? Devemos levar os ideais americanos até os confins da terra, ou celebrar o livre intercâmbio de diversos conhecimentos e ideias é mais consistente com quem somos? Wakanda se torna um espelho para nós pensarmos muito sobre o tipo de nação que temos sido e que podemos ser.
Um espelho e uma pergunta
Como cristãos, temos uma identidade mais profundamente fundamentada como cidadãos do reino de Deus, e nosso desafio é descobrir como isso é praticado. Como nossa identidade cristã esclarece e expande a nossa identidade cultural? Quais são as implicações do fato de que nossa identidade cristã nos une a pessoas através de culturas, fronteiras e etnias? T’Challa diz à ONU: “Mais nos conecta do que nos separa”, e esse é um poderoso brado de guerra para os cristãos espalhados por todo o mundo, um povo composto de origens e culturas muito diferentes.
[Alerta de spoiler] Na poderosa cena final de Pantera Negra, T’Challa retorna ao lugar onde seu pai assassinou seu tio há muitos anos, na área urbana de Oakland. Um jovem negro de olhos arregalados se aproxima e pergunta: “Quem é você?”. Não recebemos uma resposta. O filme termina e os créditos aparecem. O público não é deixado com respostas, mas com o eco daquela questão importante e oportuna.
Quem nós somos? Pantera Negra não oferece uma resposta, mas oferece clareza. Se quisermos encontrar o nosso lugar no mundo, devemos primeiro voltar para o lar.