Redenção para as cicatrizes

Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava as instruções, lutando para lê-las. Eu tinha 16 anos, era membro ativo do grupo de jovens. Quando criança, estudara em escola cristã. Eu não tinha a mínima ideia de como fazer um teste de gravidez.

Lenta e meticulosamente, fiz o que as instruções mandavam. Minha tremedeira mergulhou em uma calma quieta e aterradora. Recoloquei a tampa do teste, coloquei cuidadosamente no balcão do banheiro e escorreguei até o chão com as costas contra a porta, esperando pela confirmação daquilo que já sabia: Eu estava grávida.

Apesar do que eu sabia ser verdade, só considerei brevemente. Eu sabia que aborto era pecado e errado. Por outro lado, sexo antes do casamento também era. Era um pouco tarde para estar preocupada sobre pecado. Tudo que sabia é que em três semanas eu mudaria para uma nova cidade e começaria em uma nova escola. Eu iria para um acampamento de líderes de torcida e seria uma aluna normal do ensino médio cheia de promessas e potencial. Nunca olharia para trás.

É claro que não foi simples assim. O sangue me assombrou por semanas, sussurrando meus segredos nos cantos escuros da lavanderia. E enquanto roupas sujas podiam ser lavadas e limpas, as manchas escuras permaneceram em meu coração (cicatrizes invisíveis talhadas nas profundas fissuras da minha alma) e nenhuma quantidade de esfregação ajudaria.

Oh, mas eu tentei. Tentei votos de pureza, grupo de jovens e viagens missionárias. Tentei ministério na universidade e na comunidade cristã e ser uma boa garota. E quando todas essas coisas se mostraram inúteis, joguei as mãos pra cima e cedi às luzes piscando, à música alta e às memórias embaçadas.

Finalmente me encontrei em outro banheiro, segurando outro teste positivo de gravidez. Minha mente acelerou: memórias das paredes cinza, do rosto da enfermeira e dos olhos tristes das mulheres esperando. Memórias do sangue. Eu sabia que não poderia fazer aquilo de novo, então me perguntei: haveria redenção aqui? Se eu escolhesse diferentemente desta vez, isto alcançaria o passado de volta? Isto faria as cicatrizes machucarem menos? Elas desapareceriam agora? Uma nova vida substituiria aquela perdida anos atrás?

Eu tinha 22 anos quando minha filha nasceu e busquei nela a redenção que eu desejava. Determinei ser uma mãe solteira forte, independente e provar ao mundo que era melhor que minha história manchada. Mas minha filha não pôde apagar a dor dos anos passados, e apesar da força que fingia ter, eu desmoronava sob o peso dos meus pecados e da pressão de tentar provar que era boa o bastante.

Resgate gracioso

Louvado seja Deus que em sua misericórdia me resgatou de mim mesma. Ele graciosamente me confrontou com as profundezas de minha pecaminosidade e o peso de sua santidade. Ele abrandou meu coração para arrepender-me de meus pecados e para o perdão encontrado em Jesus. Ele levantou meus olhos para ver Cristo carregar todo peso dos meus pecados e vergonha, oferecendo em troca minha libertação da condenação e o direito de ser sua filha amada.

Deus em sua doce graça fez todas as coisas novas. Eu devorava as escrituras, faminta por aprender a verdade que eu perdera todos aqueles anos na igreja. Minha filha e eu éramos bem-vindas como família na comunidade dos crentes. Casei com um homem maravilhoso, piedoso, que estava determinado a me amar, liderar e tornar-se um pai para minha filha.

Você tem que pagar por isso

Muito cedo em nosso casamento, meu marido e eu descobrimos que eu estava grávida. Nós estávamos exultantes, o que na verdade dava uma sensação um pouco estranha. Aquela era uma estrada que eu já percorrera antes e ainda assim eu estava empolgada.

Uma semana depois sofri um aborto.

Não soube processar a dor da perda. Era uma experiência estranhamente similar àquela que tive aos 16 anos, mas desta vez estava completamente fora do meu controle. E as mentiras que ainda assolavam meu coração me convenceram de que aquilo foi apropriado. Por que Deus não tiraria o bebê que eu finalmente queria? Eu merecia aquilo. Era a hora de pagar pelos pecados do passado.

Mulher pecadora

Uma das reivindicações mais escandalosas que Jesus fez enquanto andava na terra foi sua habilidade de perdoar pecados. Em um relato, uma prostituta interrompeu o jantar de Jesus com um fariseu (Lucas 7.36-50). Apesar da reputação da mulher e da vergonha pública, Jesus acolheu seus atos de arrependimento e garantiu-lhe: “Seus pecados estão perdoados” (Lucas 7.48). Os expectadores ficaram chocados: “Quem é este que até perdoa pecados?” (Lucas 7.49) Mais cedo, Lucas registrou uma pergunta similar: “Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” (Lucas 5.21)

O povo estava certo (somente Deus pode perdoar pecados). Mas eles estavam cegos para uma questão crucial (Jesus é o próprio Filho de Deus). E com essa autoridade ele pode fazer uma declaração tão audaciosa quanto essa para perdoar pecados.

No entanto, aqueles que assistiam sabiam que um Deus santo e justo não pode simplesmente perdoar pecados (eles têm que ser pagos). E eles sabiam que Deus havia estabelecido um meio através do qual o perdão era possível: o derramamento de sangue (Hebreus 9.22). Então quando Jesus concedeu perdão àquela mulher notoriamente pecadora sem dar instruções ou fazer provisões para a expiação dela, o povo ficou perplexo.

Em seu livro O Deus pródigo, Tim Keller elabora essa verdade:

Jesus foi despido de seu manto e dignidade para que nós pudéssemos ser vestidos com uma dignidade e posição que não merecemos. Na cruz Jesus foi tratado como um pária, para que pudéssemos ser trazidos à família de Deus livremente pela graça. Lá Jesus bebeu o cálice da justiça eterna para que pudéssemos ter o cálice da alegria do Pai. Não havia outra maneira para o Pai celestial nos trazer, a não ser à custa do nosso verdadeiro irmão mais velho.

Isso é suficiente?

O instinto de procurar por auto expiação opera profundamente em nós. A graça pela fé somente é difícil de aceitar e ainda mais difícil para lembrar, especialmente quando somos continuamente confrontados pelo pecado que prende tão facilmente. E para aqueles de nós cujas cicatrizes invisíveis são tão frequentemente ofuscantes, fica o pensamento: É suficiente? Eu sei que o Senhor pagou, mas vê estas cicatrizes? Eu não tenho que pagar por elas também?

Eu não sabia que essa pergunta ainda dominava meu coração. Mas estava trabalhando tão duro para ser uma esposa submissa, uma boa mãe, uma boa cristã. Eu pensava que entendia a graça, mas ainda estava tentando desesperadamente ser boa o bastante. Deus graciosamente usou um aborto para me equilibrar. Ele confrontou minhas cicatrizes de frente e então levantou meus olhos mais uma vez para ver seu Filho (seu próprio Filho cujas mãos laceradas pagaram meus pecados completamente).

Uma mãe não precisa de cicatrizes como as minhas para cuidar de suas atitudes e provar que é digna e receber aceitação. Todos nós somos pecadores desesperados diante de um Deus santo e estamos dolorosamente conscientes de que não atingimos o padrão.

Irmãs, nós permanecemos confiantemente diante de Deus por causa de Jesus, nosso grande sumo sacerdote, o qual veio “como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hebreus 9.11-12). O precioso sangue de Cristo comprou nossa aceitação e aprovação. Isso é suficiente! Nada (nada!) pode nos separar do amor de Deus (Romanos 8.38-39). Independentemente das cicatrizes do seu passado (nos nossos melhores e piores dias como mãe) não há condenação para nós em Cristo Jesus (Romanos 8.1).

Pisaduras que curam

Muitos de nós na igreja carregamos cicatrizes invisíveis. E enquanto no decorrer do tempo elas possam desaparecer, para alguns elas ainda sangram. Elas são uma fonte constante de turbulência enquanto enfrentamos memórias que atormentam e lutamos para acreditar que há redenção o bastante até mesmo para nós.

Jesus tem cicatrizes também. Nós não podemos trabalhar o bastante para fazer as nossas desaparecerem, mas podemos descansar de todo nosso esforço e lembrar isso: pelas pisaduras dele nós fomos sarados (Isaías 53.5).

Por: Kendra Dahl. © The Gospel Coalition. Website: thegospelcoalition.org. Traduzido com permissão. Fonte: Redemption for the Scars.

Original: Redenção para as cicatrizes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Antonivan Euzebio Pereira. Revisão: Renata Machado Gandolfo.