Um blog do Ministério Fiel
“Paulo, Apóstolo de Cristo” é convincente, mas falho
Como alguém que trabalha estudando e ensinando a Bíblia, nunca sei o que esperar de filmes bíblicos. Alguns são fiéis, mas feitos de modo terrível. Outros são menos fiéis, mas artisticamente efetivos.
Os cineastas que adaptam material bíblico devem ter clareza sobre qual é o seu propósito e sobre como transmitir a sua mensagem. Eles não podem abranger tudo, nem podem simplesmente lançar palavras das Escrituras na tela e esperar que isso alcance o objetivo. Os cineastas devem cortar, reorganizar, adaptar para atingirem o seu propósito. Certamente esse é um empreendimento arriscado, mas que pode colher recompensas se fizer com que o público descubra ou redescubra a Bíblia.
Em última análise, devemos manter os criadores de filmes bíblicos nos mesmos padrões que temos para outros filmes. Devemos perguntar: Os cineastas criaram um filme efetivo para o seu propósito específico, ou não?
O filme sobre Paulo, o sofredor
Essa é a pergunta que devemos fazer à Affirm Films (o estúdio por trás de “Prova de Fogo” e “Desafiando Gigantes”) e seu novo filme, “Paulo, Apóstolo de Cristo”, dirigido por Andrew Hyatt.
De modo surpreendente, poucos filmes foram feitos sobre o homem que levou o cristianismo ao mundo conhecido. Além de Jesus, o apóstolo Paulo é a pessoa mais notável do Novo Testamento e na história subsequente do cristianismo.
Há muitos modos pelos quais um filme poderia contar a história de Paulo como um drama. Nas Escrituras, temos narrativas sobre a sua conversão, as suas viagens missionárias e como lidou com conflitos em diferentes igrejas. Ele viajou milhares de quilômetros para plantar igrejas e sofreu violência, prisão e outras dificuldades ao longo do caminho. Embora forte e resiliente, em suas cartas ele frequentemente destaca as suas fraquezas e sofrimento.
Paulo, Apóstolo de Cristo se concentra no fim da vida de Paulo, mostrando as suas limitações. Nós o vemos nas cenas de abertura do filme, que não mostram o vigor de Paulo, mas sim a sua fraqueza e dor. Ele está em uma prisão escura com as costas ensanguentadas devido a chicotadas. Uma luz brilha sobre o seu rosto, mostrando-o com uma barba grande e uma careca. Ele é um homem velho que mal consegue ficar em pé.
Embora o filme se concentre nos últimos dias de Paulo, flashbacks periódicos ilustram episódios da vida anterior do apóstolo — incluindo a sua perseguição a outros cristãos, o que o leva a um profundo arrependimento. Paulo sabe que ele é o pior dos pecadores e não merece a misericórdia do Salvador.
O filme entrelaça três histórias. Primeiro, Paulo (James Faulkner) é preso em Roma em 67 d.C., quando Nero o acusa, com outros cristãos, de queimarem Roma. Lucas (Jim Caviezel) vem visitar o apóstolo preso e depois relata a vida de Paulo ao escrever o livro de Atos. A segunda história diz respeito ao relacionamento de Lucas e Paulo com Mauritius (Olivier Martinez), o guarda romano da prisão. Por fim, o filme conecta o sofrimento de Paulo com a comunidade cristã em Roma (liderada por Priscila e Áquila), os quais estão escondidos sob ameaça de perseguição.
Paulo, Apóstolo de Cristo se concentra no sofrimento cheio de esperança dos primeiros cristãos. Ao contrário de outros filmes cristãos que contam histórias de redenção por meio de retribuição (“Deus não está morto”, por exemplo), este mostra Paulo e outros cristãos se recusando a se vingarem em face da perseguição. Eles escolhem amar os seus inimigos e orar por seus perseguidores (Mt 5.44). De muitas formas, essa é a mensagem mais poderosa do filme. O cristianismo (ou O Caminho) é corretamente apresentado como um movimento minoritário sob pressão. Os cristãos são queimados, espancados e mortos, mas eles se recusam a pegar a espada, optando pelo caminho da morte e do amor.
Historicamente exato?
Paulo, Apóstolo de Cristo é historicamente exato? Embora essa não seja a única pergunta que devemos fazer sobre o filme, é uma questão importante.
Devemos observar que qualquer interpretação para um meio diferente deve ter licença editorial. Mesmo os escritores dos evangelhos não usam as palavras exatas de Jesus (ele falava em aramaico), mas captam a essência de suas palavras em grego.
Devemos observar também que o filme enfatiza um estágio da vida de Paulo sobre o qual temos pouca informação. 2 Timóteo é a nossa única fonte sobre a vida de Paulo naquele momento, e Paulo faz apenas alguns comentários velados sobre si mesmo.
Nós sabemos que Paulo foi preso duas vezes em Roma: uma em uma prisão domiciliar (62 d.C.) e provavelmente foi martirizado em seu segundo encarceramento (64–67 d.C.) sob Nero (veja A História da Igreja por Eusébio, 2.25; 3.1). Nós também sabemos que Nero culpou os cristãos pelo incêndio de Roma. E Lucas foi de fato um companheiro de viagem de Paulo (Cl 4.14; Fm 1.24); Paulo explicitamente diz que Lucas está com ele em 2 Timóteo 4.11.
É provável que Lucas tenha escrito Atos anteriormente (62-64), já que ele não menciona o segundo encarceramento de Paulo em Roma, nem a perseguição de Nero. É possível que Atos tenha sido escrito depois (70 d.C.), o que se harmonizaria com o filme, mas não há evidências de que Lucas tenha viajado para Roma para relatar a história em Atos. Também é improvável que Priscila e Áquila estivessem em Roma na época. Eles são da Itália (Atos 18.1-2), Paulo os encontra em Corinto e leva-os consigo para a Síria (At 18.18). Quando ele escreve a Roma, diz para saudá-los (Rm 16.3), mas ele também diz o mesmo em 2 Timóteo 4.19. Timóteo está em Éfeso; portanto, Priscila e Áquila também devem estar em Éfeso.
É efetivo?
Paulo, apóstolo de Cristo, é eficaz para o seu propósito? Sim e não.
O filme mostra com sucesso a comunidade de cristãos sofredores e não vingativos em Roma, incluindo algumas cenas poderosas que atingiram alturas que eu não esperava. Quanto ao aspecto artístico, a produção não parece um filme cristão de baixo orçamento, e o uso fotográfico de luz e sombra é particularmente efetivo.
Mas o filme, às vezes, apresenta dificuldades com uma tendência ao “exagero”, uma falha comum em filmes cristãos. O que deve ser dito sutilmente ou em um sussurro é gritado sobre um telhado. O que deve ser medido em gramas é pesado em toneladas. O que poderia ser cortado é adicionado para a satisfação do público.
O filme contém alguns momentos embaraçosos que prejudicam os seus temas poderosos. Por exemplo, considere este diálogo entre Paulo e Lucas enquanto caminham em um jardim romano:
Paulo: Viver é Cristo, morrer é ganho.
Lucas: Eu gosto disso.
Paulo: Anote isso.
Paulo: Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor.
Lucas: Isso é brilhante. Agora tenho um final. “Por dois anos inteiros…”.
Isso destaca a parte mais fraca do filme: a sua falta de sutileza.
Os filmes sobre Paulo não precisariam que Paulo citasse as Escrituras e que Lucas dissesse o que escreveria. Eles não precisam destacar a mesma questão por várias vezes. Eles precisam desenvolver as suas personagens e não forçar para que ajam em excesso.
Filmes como Paulo, o Apóstolo, poderiam ser mais sutis e ainda assim comunicar a beleza da fé (mais poderosamente, eu penso) por meio do silêncio, expressões faciais e até mesmo apenas através dos olhos.
Completando a carreira
Uma cena em que o tema da Escritura como diálogo realmente funciona é no final. Ouvimos as palavras de Paulo a Timóteo (a voz de Faulkner combina muito bem com a figura de Paulo) em voz alta enquanto ele anda mancando em direção ao lugar de sua execução: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Que o Senhor seja o seu espírito”. Serenamente ele reclina a cabeça e, antes de a espada pender, a câmera se move para o céu. “A graça seja com todos vocês”.
Em um filme falho, esse clímax captura as suas forças em torno dos temas do sofrimento e da esperança. A morte de Paulo é uma imitação do sacrifício de Cristo, cuja glória não vem por desviar-se do sofrimento e da morte, mas por suportá-los.
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