Verdade e Piedade: não separe o que Deus uniu

Leia a parte 2.

O que é mais importante: a verdade ou a piedade? A doutrina ou a ética cristã?

A princípio, a pergunta talvez lhe soe tão absurda quanto indagar o que é mais importante: o olho direito ou esquerdo? O pulmão direito ou esquerdo? A perna direita ou esquerda? Porém, diferente desses exemplos, onde é possível sobreviver sem um dos membros do corpo, é simplesmente impossível sobreviver na vida cristã sem a dedicação conjunta à verdade e à piedade, à doutrina e à ética cristã.

Certa vez, João Calvino, um dos grande teólogos e pastores da Reforma Protestante, disse que tão inseparáveis quanto a luz e o calor do sol são a doutrina e a piedade cristã. Distintos, certamente; separáveis, jamais.

Infelizmente, ao longo da história da Igreja e ainda em nosso tempo (só ver as tretas de Facebook) parece que muitos desejam enxergar por um olho só, respirar com meio fôlego e caminhar amputados pela vida cristã, valendo-se somente de uma coisa ou de outra: a doutrina ou a piedade. Apesar de possível, isso é desejável? Nem por um instante. Eis algumas razões:

1. A revelação das Escrituras Sagradas

Paulo, em suas conhecidas palavras a Timóteo, descreveu a Bíblia assim: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.” (2Tm 3.16-17)

Muito já foi dito e escrito sobre esses versículos acerca da inspiração das Escrituras Sagradas, e com razão! Não fossem elas inteiramente inspiradas, inerrantes e infalíveis – ou seja, inteiramente verdadeiras e dignas da nossa confiança – elas jamais poderiam ser úteis para os fins para os quais elas foram divinamente reveladas e registradas pelos apóstolos e profetas.

Contudo, quando estes versículos são citados, estudados e pregados, menos é dito acerca da finalidade da inspiração das Escrituras, apesar de Paulo gastar mais palavras falando da suficiência do que da inspiração da Bíblia neste trecho e no seu contexto imediato. Afinal, ela é suficiente para quê? Não só para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus (2Tm 3.15), mas para o crescimento nesta fé, resultando em justiça e boas obras. (2Tm 3.16b-17) Em suma, a Bíblia é o registro da verdade visando a piedade; e a piedade deriva-se da verdade das Escrituras.

2. A identidade e a missão da Igreja

Ao comissionar os discípulos às vésperas da sua ascensão, Jesus lhes disse: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei.” (Mt 28.19-20a) Apesar de exigente, a missão de Jesus à Igreja não poderia ser mais clara: sejam meus discípulos, vivendo como discípulos e fazendo mais discípulos. Como? Além de pregar o Evangelho e batizar os que se arrependerem dos seus pecados e crerem no Senhor Jesus, a Igreja deve ensinar estes discípulos a obedecerem a tudo que Jesus lhes ordenou.

Note bem: a Igreja foi constituída pelo Senhor Jesus para ser a guardiã e fiel transmissora da verdade do Evangelho às nações a fim de recrutar novos discípulos à causa do Reino do Senhor. Porém, ela não deve apenas limitar-se a guardar essa verdade e transmiti-la aos demais (“ensinando-os… tudo o que eu lhes ordenei”), mas ela também deve certificar-se de que os discípulos de Cristo obedeçam a essa verdade (“ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei”). De novo, a Igreja existe tanto em função da transmissão da verdade como da promoção da piedade.

3. A vocação pastoral

Em suas instruções ao seu jovem discípulo, Timóteo, o apóstolo Paulo o exortou para que confrontasse as doutrinas falsas, apegando-se à sã doutrina e instruindo outros a fazerem o mesmo. (1Tm 1.3,11; 4.1,6; 6.3-4) Ao fazê-lo, porém, Paulo o instruiu cuidadosamente para que atentasse não apenas para a sã doutrina, mas para a sua própria vida (1Tm 4.16a). Por quê? Certamente para que ele mesmo estivesse assegurado de encaminhar os seus ouvintes e a si mesmo para a salvação em Cristo. (1Tm 4.16b) Mas como? Servindo ele mesmo de exemplo para os fiéis, tanto na palavra como no procedimento. (1Tm 4.12)

Logo, como alguém vocacionado para o ministério pastoral, Timóteo deveria apegar-se à verdade e à piedade (literalmente, ao “ensino que é segundo a piedade”; 1Tm 6.3). Do contrário, ele seria uma pedra de tropeço para si e para os demais em sua congregação. Mas, ao fazê-lo, ele seria um encorajamento especialmente – embora não exclusivamente – para aqueles, como ele, chamados para a vocação pastoral. (1Tm 3.1-7) Tais homens não poderiam ser apenas homens da verdade ou de piedade, mas da verdade e de piedade. Pois o que está em jogo é a própria integridade da mensagem do Evangelho. (1Tm 3.14-15)

4. O Evangelho de Jesus Cristo

Todos os pontos anteriores apontam para este último ponto. No centro do Evangelho está aquele descrito como a verdade e a vida, e o caminho para ambos. (Jo 14.6) O mesmo Jesus que veio nos libertar pela verdade é aquele que deseja nos santificar pela verdade registrada em sua palavra. (Jo 8.32; 17.17) Logo, em Cristo, a verdade e a piedade encontram seu perfeito casamento.

O que Deus uniu – nas Escrituras, na Igreja, na vocação pastoral e no próprio Senhor Jesus – homem algum separe. Portanto, enxerguemos, respiremos e caminhemos na vida cristã assim: na verdade e na piedade.

Por: John McAlister. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Verdade e Piedade: não separe o que Deus uniu.