“Isso me traz alegria?” – O Evangelho segundo Marie Kondo

Eu não procurei pela Marie Kondo, mas parece que não consigo escapar dela.

Meu feed de notícias, minhas visualizações na Netflix, até mesmo no encontro do ministério de mulheres da minha igreja, ali está ela. É como se todo mundo estivesse anunciado que ela foi levantada para um tempo como esse. Sua missão? A organização dos nossos lares.

Kondo lançou um novo documentário baseado no seu processo de organização, popularizado pelo seu livro best-seller internacional A mágica da arrumação: A arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida. Seu método, contudo, não é meramente encontrar novos  truques de armazenamento, ou encorajamento que direciona a doação de boa vontade anual. Ao contrário, o chamado dela é para as pessoas se moverem através de suas posses item por item, fazendo uma pergunta simples: isso desperta alegria em você? Se sim, isso fica. Se não, isso vai embora. O que poderia ser mais simples que isso?

O Evangelho da Kondo

Minha interação com o método da Kondo tem sido de certa forma indireta. Eu encontrei suas ideias através de reviews de livros e seu documentário, mas especialmente através das reações das minhas amigas e conhecidas que estão buscando implementar suas táticas. Seja escrevendo nas mídias sociais ou discutindo seu processo pessoalmente, o tom das conversas não parece como uma conversa informal de escritório sobre um reality show polêmico. Na verdade, me lembra o foco e esforço de corredores amadores sérios comparando nossos calendários de treino e os melhores desempenhos pessoais.

A imensidão da resposta prova que ela sabe de alguma coisa. Os americanos estão saturados de coisas espalhadas sobre as coisas. Acabamos de sair do Natal, que para muitos de nós significa tentar entender onde guardar nossos novos itens quando já estamos abarrotados com os antigos.

Todos sabemos que os anúncios mentem para nós, que nos vendem produtos que não precisamos com promessas que eles não podem cumprir. Esse conhecimento não é poder. Apesar da nossa solidão e insatisfação permanecerem, continuamos a tampar esses buracos emocionais com brinquedos. Acreditamos que nossas coisas nos deveriam fazer felizes, mesmo que todas as evidências apontem para longe disso. Que forma estranha de caminhar pela fé os americanos vivem.

Ainda assim, sentimos que nosso relacionamento com as coisas está fora de ordem. Kondo não é a primeira ou a única pessoa a interagir com nossa intuição aqui — veja o crescimento do “movimento das casas pequenas” e do “minimalismo” mais amplamente. Mas tem algo na abordagem dela que parece coçar nossa coceira.

A Kondo Descobriu Alguma Coisa?

Ela não nos destruiu como um trator gigante, condenando nossas tendências de colecionadores ou nos envergonhando pelo o que temos acumulado. Ao invés disso, Kondo nos pede para engajar nossas emoções rumo as nossas coisas — a liberar gratidão por elas. Talvez o serviço delas para nós seja completo, mas ainda podemos reconhecer o que elas nos deram e sermos gratos por isso. A vergonha é substituída por alegria. Isso não tem um pouco do evangelho? Ao passar por este processo, somos encorajados a sermos menos dependentes das nossas coisas — menos possuídos por elas. Kondo quer restabelecer nossa ação no relacionamento com o que temos, ao invés de sermos controlados pelas nossas possessões.

Quão libertador isso é! Fica claro que muitos que estão usando o método da Kondo estão colhendo benefícios de verdade. Materialismo é uma das pragas mais mortais na vida americana, e esse método parece uma espada robusta colocada na mão no momento certo.

Mas enquanto a Kondo pode ter resolvido um problema massivo, o movimento parece ter descoberto um outro ainda maior. Uma manchete diz “As dicas enganosamente simples sobre ‘arrumação’ de Marie Kondo estão espalhando o evangelho da alegria quando os americanos mais precisam” (NBC). Não parece ser justamente o que precisamos? Não parece se alinhar com o que acreditamos?

Kondo levou muitos de nós a organizar nossas casas, mentes e corações, mas é o que encontramos embaixo, onde todas as nossas coisas estiveram uma vez, que importa mais. O problema é que Kondo ainda está pedindo para que as nossas coisas sejam o que despertam nossa alegria. Apenas uma porção menor das coisas.

Organizando Pessoas?

Sim, ela milita contra nossa tendência acumuladora, o que é bom. Sim, ela nos encoraja a sermos pessoas gratas. Amém! Mas quando nos perguntamos a cada coisa se ela nos traz a porção certa de alegria, ainda estamos pensando nas coisas como o local de contentamento.

Talvez de forma mais significativa, esse método de organização poderia nos levar a pensar como seres humanos de troca também. Não estou simplesmente insinuando que essa é a intenção da Kondo, mas é difícil não aplicar a lógica nessa direção. Consultores e médicos corretamente alertam sobre permitir narcisistas e outras pessoas tóxicas nos abusarem. Mas se tencionamos nossa mente para manter apenas o que nos dá uma quantidade específica de alegria, somos suscetíveis a deixar aquele mecanismo jorrar em nossos relacionamentos também. A vida é realmente sobre como cada coisa, ou pessoa, nos faz sentir?

O que então é uma resposta apropriada para o cristão? Kondo está encarando uma necessidade real, um problema que alguns de nós (apesar de certamente não todos) têm. Talvez possamos ver além da magnética solução de Marie em direção a uma solução do evangelho. Uma solução que tem se escondido de forma imperceptível na sombra de uma passagem frequentemente mal usada: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4.13).

O Segredo da Abundância

Não é pouco usual ver esse versículo retirado para funções que não foi designado, como prometer proeza atlética ou sucesso profissional. Como todas as afirmações, contudo, ela deve ser entendida no seu contexto. No versículo anterior, o apóstolo Paulo escreve, “Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade” (Fp 4.12).

Segredo. Não é exatamente para isso que Kondo está nos levando? Nós americanos não sabemos exatamente como viver em abundância. Não no sentido que não sejamos fartos — claramente somos. Não, mas no sentido de que justamente no meio da abundância, nós perdemos nosso caminho. Não sabemos prosperar na abundância. Isso nos afoga ao invés de levantar nossos barcos. Deve existir um segredo para dominar isso, ao invés de deixar isso nos dominar, certo? Como podemos ser as mais ricas apesar de sermos as pessoas mais infelizes de todos os tempos?

Parte de o que é tão apelativo no método de Kondo é a gratidão — substituir nossa negligente e insensível atitude sobre nossas coisas com gratidão. Nossos corações facilmente crescem entorpecidos, e então o processo de engajar as coisas significativamente nas nossas vidas diárias desperta algo profundo. Tanto cristãos como não-cristãos sentem isso.

O pano de fundo da Kondo e a visão de mundo influenciada pelo xintoísmo, contudo, não pode suprir corretamente o destino da gratidão saudável. Ela mostra gratidão aos itens por eles mesmos, como se eles tivessem ouvidos para ouvir e corações para receber o obrigado. Verdadeiramente eles não tem vida neles mesmos. Eles não deram a si mesmos. Os presentes não foram designados para receber essa resposta humana válida. Eles só foram feitos para servir de sinalização para o próprio Doador.

Possuídos por Deus

Quando somos enraizados em Cristo, nossa abundância está não em quanto mais ou menos possuímos, mas em quem nos possui. Posses terrenas não apenas entram em nossas vidas silenciosamente. Elas tomam espaço, demandam conservação e proteção e amarram nossos corações. Percebemos que temos menos confiança pelas pessoas, menos tempo para hospitalidade, menos espaço emocional para Deus.

Ser possuído por Jesus produz justamente o oposto. Enquanto crescemos nele, mergulhamos na abundância de perdão e graça — tesouros que não foram feitos para serem colecionados, mas compartilhados extravagantemente. Quando buscamos primeiramente seu reino e sua justiça, vemos nossas coisas como portas de acesso para adoração a Deus e servir os outros. E se nossas muitas coisas forem roubadas? Como o autor de Hebreus celebra, “Porque também vos compadecestes das minhas prisões, e com alegria permitistes o roubo dos vossos bens, sabendo que em vós mesmos tendes nos céus uma possessão melhor e permanente” (Hb 10.34).

Kondo diz, apenas mantenha os itens que despertem sua alegria. Paulo diz, “tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13), porque ele primeiramente pode dizer “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” (Fp 3.8).

Uma Possessão Melhor

Marie Kondo quer que digamos adeus para as coisas que não precisamos, para que possamos manter com gratidão o que já temos e que desperta nossa alegria. Ainda assim, sabemos lá no fundo que até a camisa mais imaculadamente dobrada, como organizacionalmente útil que possa ser, não pode no fundo fazer isso. Nossas mais amadas e significativas bugigangas não vão realmente nos fazer felizes agora, nem passarão pelos portões celestiais.

Se existe magia transformadora de vida na arrumação, quanto mais poder reside na verdade do evangelho de ser possuído para sempre por Deus. Por causa de Cristo, quando o Pai olha para nós, ele sente deleite. Ele nunca vai nos mover para o cesto de roupas sujas. Ao invés, Jesus prometeu que na casa de seu Pai tem muitas moradas, onde ele está preparando um lugar eterno para nós. Firmados nessa promessa irrevogável, podemos cantar com um profeta antigo, “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide… todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação” (Hc 3.17-18).

Talvez a moda de Marie Kondo possa nos acordar para os tesouros que já possuímos em Cristo, o maior despertador de alegria. Ainda melhor, talvez possa nos estimular a compartilhar a riqueza.

Por: Rachel Gilson. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Does She Spark Joy? Sorting Through Marie Kondo.

Original: “Isso me traz alegria?” – O Evangelho segundo Marie Kondo. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Marcelo Rigo dos Santos. Revisão: Filipe Castelo Branco.