Um blog do Ministério Fiel
A Flor de 400 Anos: Armínio, Dort e a Batalha pela Graça
Eu cresci num contexto cultural que acreditava — mais de brincadeira, mas não completamente — que “se você não é Holandês, você não é muita coisa.”
Tínhamos sapatos de madeira na lareira, pratos azuis de cerâmica na cozinha e pratos holandeses pendurados na parede. Minha mãe gostava de perguntar duas questões sempre que eu estava interessado em uma garota: “Ela é Reformada? E ela é holandesa?” (Consegui a pergunta importante ser verdadeira). Olhando para trás, eu não acho que teve em algum momento uma noção séria de que ser holandês era melhor do que ser alemão, irlandês, mexicano ou coreano, mas eu tinha uma forte noção de orgulho sobre quem nós éramos, de onde viemos e a tradição Reformada que nos cercava.
O primeiro da minha família que emigrou para os Estados Unidos foi Teunis P. DeJong, que nasceu na Holanda em 1839 e morreu em Edgerton, Minnesota, em 1925. O ancestral mais antigo que foi rastreado na minha árvore genealógica foi Pieter DeJong, que nasceu em Dordrecht em 1695 e se casou com Neeltje Liesveld da cidade próxima de Zwijndrecht, em 23 de Agosto de 1716. Eu procurei em vão qualquer registro de algum DeJon que ajudou a dar forma aos Cânones em 1618-19, mas eu gosto de pensar que eu tive um tatara-tatara-tatara-qualquer-coisa que participou nas ações quando o Sínodo de Dort debateu e defendeu a exata natureza da livre graça de Deus.
Por causa da minha herança étnica e minha formação Reformada, sempre tive um sentimento forte pelos Cânones de Dort, mesmo quando muitos cristãos — se eles ouviram falar de Dort — têm os considerado como um constrangimento de soberania exagerada e sutilezas doutrinárias. E ainda assim, os Cânones de Dort não são apenas para os holandeses, e eles certamente não podem ser reduzidos a picuinhas teológicas antiquadas. A doutrina definida e defendida em Dort aborda os elementos mais importantes de quem nós somos, como Deus trabalha e o que Cristo conquistou.
A Flor Floresce na Holanda
O Sínodo de Dort é o maior marca d’água do Calvinismo, mas nunca teria acontecido se não fosse pelo Arminianismo.
Jacó Armínio (1560–1609) começou sua carreira de docente completamente calvinista. Depois de estudar por um tempo em Genebra (1582–1587), Armínio se mudou para Amsterdã para pastorear uma igreja proeminente na cidade. Como pastor, ele foi solicitado para defender o ensino calvinista contra um homem com um daqueles incríveis nomes holandeses, Dirck Volckertszoon Coornhert. Ao preparar sua defesa da doutrina Calvinista tradicional contra Coornehert, Armínio se tornou convencido do ensino do seu oponente.
Em 1603, Armínio foi nomeado como professor de teologia na Universidade de Leiden, onde foi fortemente contraposto pelo seu colega, Francis Gomarus. Tanto Armínio quanto Gomarus acreditavam na predestinação, mas eles diferiam sobre o significado da palavra. No coração do desacordo estava se a predestinação era baseada exclusivamente na vontade de Deus (Calvinismo) ou baseada no conhecimento presciente da crença (o que seria chamado depois de Arminianismo). Os dois homens se achavam Reformados, Calvinistas, mas eles não estavam falando a mesma coisa.
Depois de Armínio
Depois da morte de Armínio em 1609, o movimento continuou sob a liderança de Janus Uytenbogaert, um pregador da corte em Haia. Em 1610, o grupo Arminiano emitiu um documento chamado Remonstrância, estabelecendo os “Cinco Artigos do Arminianismo”. Gomarus e outros formaram um grupo Contra-Remonstrância (Gomaristas) para se opor aos arminianos.
A Remonstrância de 1610 foi emitada para Johan van Oldenbarneveldt, advogado geral da Holanda e Friesland. Oldenbarneveldt, que estava trabalhando para garantir um relacionamento melhor com a Espanha, queria tolerância com os Arminianos. A Contra-Remonstrância dos Gomaristas foi emitida para os Estados Holandeses em 1611. Oldenbarneveldt e os Estados Holandeses decidiram por tolerância. Mas os Gomaristas queriam um pronunciamento teológico oficial para resolver a questão de uma vez por todas.
Durante os próximos anos, o conflito foi de mal a pior, com os líderes políticos e teológicos proeminentes se alinhando com os Arminianos. Os Gomaristas (que hoje pensaríamos como Calvinistas) temiam que a doutrina Reformada logo se perderia nos Países Baixos. O Príncipe Maurício, o filho e herdeiro de William de Orange, eventualmente tomou partido pelos Gomaristas e encarcerou Oldenbarneveldt. Com a nação na beira da guerra civil, os estados gerais finalmente chamaram uma assembleia para finalizar o conflito.
Cinco Pontos
Um sínodo internacional foi convocado em Dordrecht de 1618 a 1619. Dos aproximadamente cem membros presentes, vinte e sete eram da Grã-Bretanha, Suíça e Alemanha, enquanto o resto eram holandeses. O contingente holandês era composto de aproximadamente um número igual de ministros, professores, leigos e membros dos estados gerais.
No fim, os Remonstrantes foram solidamente derrotados em Dort, levando a uma das maiores formulações teológicas da era da Reforma. Em 22 de Abril de 1619 — exatamente quatrocentos anos atrás — o Sínodo adotou os Cânons e estabeleceu, para a Holanda e grande parte do mundo Protestante, o que seria nos anos vindouros a autêntica fé Reformada.
Os Cânones de Dort, ao rejeitar os cinco pontos do Arminianismo, delinearam seus próprios cinto pontos: o primeiro concernente à divina eleição e reprovação, o segundo na morte de Cristo e redenção humana por ela, o terceiro e quarto na corrupção humana e como nos convertemos a Deus, e finalmente a perseverança dos santos.
Séculos mais tarde essas cinco frases doutrinárias se tornariam os cinco pontos do Calvinismo, conhecidos como TULIP (depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos) [1]. Mesmo que TULIP seja um resumo anacrônico dos Cânones, pode ser um dispositivo mnemônico útil para temas soteriológicos importantes. Os Cânones não pretendem explicar tudo sobre a teologia Reformada (ou sobre a Bíblia para essa questão), mas, ao invés disso, eles se propuseram a declarar o que estava “em acordo com a Palavra de Deus e aceitado até hoje pelas igrejas Reformadas” no que diz respeito a “Predestinação Divina”.
Defensores da Graça
Antes do Sínodo de Dort conduzir suas atividades, cada membro se submeteu a um juramento solene visando “apenas a glória de Deus, a paz da Igreja e especialmente a preservação da pureza doutrinária”. Eles finalizaram com uma oração: “Então me ajude, meu Salvador, Jesus Cristo! Eu imploro a ele para me ajudar através do seu Espírito Santo”. Os participantes em Dort estavam alegremente sérios quanto a promover e preservar a verdade.
Nós nos importamos do mesmo modo para definir e defender a graça?
Paulo argumenta que “ficou um remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm 11.5). Ele então defende e define a graça, mantendo que “se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). A palavras importavam para Paulo. Ele nunca esteve contente em casualmente falar o mesmo vocabulário que seus oponentes se soubessem que eles estavam usando dicionários diferentes. Ele entendia que as pessoas podem lutar pela graça, louvar a graça e celebrar a graça, enquanto ainda perdem o que faz a graça ser graça.
Em essência, os Cânones de Dort são sobre a natureza da graça, que é sobrenatural, unilateral, soberana, efetiva, redentora, ressuscitadora, com toda sua angularidade, toda sua ofensa ao orgulho humano e todo seu conforto para a alma cansada. Isso foi o que Dort quis estabelecer. Isso é o que eles estavam zelosos por proteger. Algumas palavras valem a mais atenciosa definição, assim como algumas verdades são muito preciosas para não serem defendidas.
[1] Do inglês: Total Depravity, Unconditional Election, Limited Atonement, Irresistible Grace e Perseverance of the Saints.