Sobre o suicídio de pastores: uma visão simplista é sempre cruel

Não tive tempo de me inteirar bem [as notícias são tantas o tempo todo], mas parece que mais um colega de ministério pastoral tirou a própria vida nos últimos dias. Se não me engano, ele fez isso depois de postar algo sobre esgotamento e cansaço nas redes sociais.

É lamentável que qualquer pessoa atente contra a sua própria vida. O suicídio é uma desgraça; talvez, das maiores que podemos enfrentar. Eu nutro profunda compaixão pelas pessoas que chegaram a esse ponto. Me identifico com elas. Afinal, creio na depravação total; não apenas na dos outros, mas também na minha. Também nutro compaixão pelas pessoas que perderam entes queridos desta maneira tão trágica. Não sei se consigo sequer imaginar o que isso significa. Oro por elas e devo dizer que esse texto, definitivamente, não é o que eu lhas diria no momento do sofrimento.

Decidi escrever esse texto porque, desde que a questão do suicídio entre pastores começou a ser noticiada com maior frequência nas redes sociais, algo [além dos acontecimentos em si, obviamente] tem me incomodado um pouco: algumas pessoas parecem estabelecer uma relação muito direta e quase determinista entre a opção pelo suicídio e o ambiente eclesiástico e os desafios do ministério pastoral. Para mim, essa é uma leitura muito superficial do problema, que mais atrapalha do que ajuda. Na tentativa de não ser cruel com algumas pessoas ela é cruel com outras e, no final das contas, é injusta para com Deus.

Para situar o nosso entendimento sobre esse problema devemos nos lembrar que somos seres criados para fora, e isso significa que o ambiente externo exerce influência sobre as nossas escolhas. Nós vivemos num mundo decaído, cheio de tragédias, conflitos relacionais e injustiças, e como a igreja está neste mundo e manifesta todas essas coisas perniciosas, seria ingênuo dizer que o ambiente eclesiástico e os desafios postos pela realidade do ministério pastoral nada tem a ver com as decisões dos colegas que atentam contra a própria vida. É claro que tem! Mas daí a responsabilizar e a “quase naturalizar” essa atitude em virtude do ambiente externo há uma grande distância.

Ao mesmo tempo em que fomos criados para fora, fomos criados para funcionar a partir de dentro. Como imagem de Deus, cada um de nós elabora as situações que vivenciamos no ambiente externo e faz escolhas a partir desta elaboração. Não fosse o pecado, essa tarefa seria, obviamente, mais fácil. O pecado complicou bastante a nossa vida neste particular, não apenas nos colocando em situações difíceis de serem elaboradas, mas também anuviando nossa mente e coração, que sãos os órgãos pelos quais elaboramos os fatos da vida. Deus, contudo, não nos deixou desamparados. Ele nos deu a sua Palavra e o seu Espírito. Ele não nos deixou sem luz e sem poder para elaborarmos as situações difíceis vividas em um mundo mau – até mesmo aquelas que são causadas pela sua igreja – a fim de reagirmos a elas corretamente. Essa maneira simplista que estou acusando aqui parece se esquecer disso.

Qual é o meu objetivo ao dizer essas coisas: tomar o todo da culpa e lançar sobre aquele que atenta contra a própria vida? De modo nenhum! Isso seria cruel com ele, e, principalmente, com os seus queridos, que já tem o desafio enorme de elaborar uma situação tão trágica. O que quero é esclarecer que cometemos crueldade semelhante quando somos simplistas e lançamos a culpa sobre a igreja ou sobre as ovelhas, que também são pessoas. Me pergunto: o que queremos quando fazemos isso? Que as ovelhas de nossos colegas que atentaram contra a própria vida se martirizem por um dia terem discordado de seu pastor ou terem levado a ele os seus problemas? Que as nossas ovelhas se sintam ameaçadas? O suicídio é um problema complexo e não pode ser tratado de maneira simplista, sem efeitos colaterais.

Eu suspeito de que jamais saberemos com exatidão tudo o que está envolvido nesse problema tão complexo. Por isso, tenho duas sugestões: evitemos abordagens simplistas, que são sempre se tornam cruéis; e, ao invés de nos preocuparmos com a busca do culpado ou com a determinação do destino eterno daqueles que se foram, pensemos sobre o que podemos fazer para manter este problema longe de nós. No que diz respeito aos pastores: sim, eu creio que as ovelhas podem nos ajudar. É bom contar com o apreço delas e sermos tratados com justiça. Também é bom desfrutar de um ambiente eclesiástico de respeito, colaboração e fraternidade, onde até mesmo as discordâncias são vistas como atos de amor. Estimulo às ovelhas que ajudem os seus pastores fazendo todas essas coisas. Mas há algo que cabe a nós fazer: cuidar do nosso coração e avaliar constantemente as nossas motivações e a nossa visão do ministério pastoral, apegando-nos exclusivamente ao Senhor de nossa vocação. As lutas existirão sempre. Elas são, por um lado naturais, e, por outro, resultado do pecado. Nosso desafio é elaborá-las corretamente. E a boa notícia é que Deus não exige que façamos isso sozinhos. Nós somos acompanhados pela graça, evidenciada principalmente, nas dádivas da Palavra e do Espírito, mas também da preparação física, dos nutricionistas, da medicina, dos amigos, da arte, da igreja [que tem os seus muitos problemas, mas ainda é o melhor lugar do mundo], do culto etc. Valhamo-nos de todas essas coisas; e que Ele tenha misericórdia de nós!

Por: Filipe Fontes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados Original: Sobre o suicídio de pastores: uma visão simplista é sempre cruel.