Pandemias, Mídia Digital e Ansiedade

Estamos sempre caminhando para o desconhecido. Embora esse fato seja frequentemente obscurecido pelos ritmos regulares da vida cotidiana, às vezes fica desconcertantemente claro, para nós, que não sabemos o que o amanhã trará. É claro que agora estamos vivendo um tempo assim, enquanto as nações lutam para administrar a pandemia que se espalhou pelo mundo nas últimas semanas.

De repente, vivemos o que parece um tempo interrompido. Nossos horários regulares são confusos e irreconhecíveis. Lutamos para encontrar novos ritmos à medida que nossos antigos são interrompidos. O tempo em si parece se distorcer imprevisivelmente. Nossa crise atual, no entanto, também nos dá a oportunidade de reconsiderar nossos velhos hábitos e práticas, ou o que costumávamos chamar de “normal”. Talvez muitos de nós reconheçam que poderíamos ter feito um trabalho melhor organizando nossos dias e estruturando nosso tempo. A maioria de nós certamente aprenderá com essa perturbação sem precedentes e prolongada da vida cotidiana, e será bom que o tenhamos feito.

Podemos aproveitar, especialmente, a oportunidade para repensar nosso relacionamento com a mídia digital. Nos últimos anos, tem havido uma preocupação crescente com o lugar da tecnologia digital em nossas vidas. Graças aos dispositivos móveis e ao acesso quase onipresente às redes sem fio, a Internet deixou de ser um local que visitamos ocasionalmente, dos nossos computadores de mesa, para se tornar uma realidade sempre presente, abrindo caminho em quase todas as dimensões concebíveis da experiência humana. Como a mídia digital envolveu nossas vidas, levantou uma série de questões morais, legais, filosóficas e até teológicas sobre a natureza da privacidade, a saúde da sociedade civil, o valor do trabalho humano, o status de máquinas artificialmente inteligentes e as condições para a prosperidade humana.

Sob intensa e justificada pressão para permanecer fisicamente distantes um do outro, a maioria de nós agora está se voltando para as ferramentas digitais de modo a permanecer conectado e continuar com o máximo possível das atividades da vida cotidiana. Seria bom, nessas circunstâncias, pensarmos cuidadosamente sobre o que essas ferramentas podem ou não fazer por nós e como podemos usá-las com sabedoria e criatividade durante tempos de incerteza e ansiedade.

Nas próximas semanas e meses, haverá um debate acalorado sobre a implantação do dispositivo de vigilância digital – grande parte já existente em nossos aplicativos e dispositivos – para rastrear, monitorar e conter a disseminação do COVID-19. Embora esse seja um debate crítico que merece nossa atenção, vou me concentrar nos usos mais prosaicos da tecnologia digital em nossos tempos de crise. Especificamente, a maioria de nós recorrerá à tecnologia digital, ainda mais do que o habitual, para se manter informado e conectado.

Durante uma crise de saúde, é crucial que tenhamos o maior acesso possível às melhores informações, para que possamos cuidar de nós mesmos, de nossas famílias e de nossas comunidades. Por um lado, a tecnologia digital nos apresenta uma embaraçosa riqueza a esse respeito. Com um esforço mínimo, podemos acompanhar o trabalho dos principais epidemiologistas, virologistas e especialistas em saúde pública em todo o mundo. Também podemos acompanhar organizações nacionais e internacionais de saúde e autoridades locais de saúde e gerenciamento de emergências. Mas sabemos, também, que podemos facilmente encontrar informações erradas, algumas delas potencialmente perigosas para a saúde de nossos corpos e a saúde da sociedade. Enquanto escrevo essas palavras, as autoridades de saúde estão alertando para os perigos de experimentar drogas e terapias não comprovadas, às quais alguns agora estão recorrendo em desespero e pânico. Também não é preciso muito trabalho para encontrar teorias infundadas sobre as origens do vírus ou para encontrar, mais provavelmente, outros que estão minimizando suas consequências mortais.

A necessidade de navegar com sabedoria nesse cenário de informações não é novidade. As ferramentas de comunicação digital sempre apresentaram aos usuários o risco de encontrar informações enganosas e até perigosas. Uma pandemia apenas aumenta a necessidade de discernimento. Mas o ambiente de mídia digital também nos apresenta outros riscos. Mesmo se tivéssemos o cuidado de nos limitar a fontes de informação sólidas e responsáveis, ainda poderíamos acabar em um relacionamento distorcido com a tecnologia da informação.

Muitos de nós podemos estar, agora mesmo, procurando obsessivamente nossos feeds de notícias para obter as informações mais recentes disponíveis, talvez incapazes de nos afastarmos, da mesma maneira que falamos sobre não podermos nos afastar do local de um acidente de trem. A mídia social, em particular, foi projetada para induzir exatamente esse estado de engajamento compulsivo, mesmo em tempos comuns. O perigo agora é mais grave, pois todos tentamos encontrar o caminho sem um mapa confiável. Mas nosso desejo de permanecer o mais informado possível também pode nos paralisar ou nos dominar emocionalmente.

Também devemos ter muita clareza sobre quais informações podem ou não fazer alguma coisa por nós. Certamente precisamos de boas informações para saber como podemos mitigar a propagação do vírus. Precisamos saber o que os governos locais estão exigindo de seus cidadãos. Precisamos saber como podemos continuar a servir nossas comunidades. Boas fontes de informação atendem a essas necessidades. No entanto, não necessariamente, muitas e melhores informações, aliviam nossa ansiedade ou nos trazem paz. Talvez não tenhamos exposto dessa maneira, mas, se formos honestos, muitos de nós podem estar procurando informações na esperança de amenizar os medos ou obter controle sobre um futuro assustadoramente incerto. Mas isso é pedir às informações o que elas não podem nos dar. Se nos pegarmos nessa situação, o que devemos fazer é deixar de lado nossos dispositivos e orar a respeito de nosso medo e ansiedade.

Pode ser prudente reservar um horário específico todos os dias para verificar os desdobramentos mais recentes ou cultivar a disciplina de abandonar nossos feeds de informações quando necessário. Podemos fazer bem, por exemplo, em verificar rapidamente algumas fontes confiáveis ​​em algum momento da manhã e, então,  prosseguirmos com nosso dia. A menos que eu seja um profissional de saúde ou planejador de emergências, não ajudará em nada saber o número exato de pacientes com Coronavírus em cada estado ao longo do dia. A menos que eu seja um legislador ou especialista em políticas, meu dia provavelmente não deve ser consumido em notícias sobre discussões partidárias em busca de possíveis soluções. Em uma era de abundância de informações, precisamos da virtude de saber quando temos informações suficientes para agir. Por mais intuitivo que possa parecer, chega um momento em que muita informação se torna um impedimento para a ação.

Além de recorrer às nossas ferramentas digitais para obter informações, muitos de nós agora estão recorrendo às telas para se manterem conectados com amigos e familiares. De fato, muitas igrejas agora estão realizando suas atividades virtualmente, a fim de ajudar a mitigar a propagação do vírus. Não devemos menosprezar o valor de tais ferramentas no momento. Somos criaturas sociais, e companheirismo e comunidade são essenciais para o nosso bem-estar. Alguns observaram que a frase, agora familiar, de distanciamento social pode ser melhor denominada por distanciamento físico. O que precisamos é permanecer fisicamente separados. Mas, se quisermos fazê-lo com sucesso por um período, também precisaremos permanecer socialmente presentes uns com os outros.

A maioria de nós já é bem treinada na habilidade de permanecer digitalmente conectada. Mensagens de texto, mídias sociais e aplicativos como o FaceTime se tornaram um recurso comum de nossas vidas, e agora os estamos usando mais do que nunca. As ferramentas de videoconferência provaram ser especialmente valiosas nestes primeiros dias de relativo isolamento. Essas ferramentas, por mais imperfeitas que sejam, nos garantem a oportunidade de interagir uns com os outros em tempo real e de consolar-nos com um sorriso e o som de uma voz amada. Fazemos bem em nos permitir tais confortos.

Mas aqui também há uma oportunidade para esclarecimentos e ajustes. Forçados a confiar nos meios de companhia digitais por um longo período, também podemos ter uma melhor apreciação da presença física. Os humanos prosperam quando as necessidades de todas as pessoas – tanto físicas quanto espirituais – são explicadas e atendidas. Nós somos criaturas encarnadas. Nosso status corporificado, juntamente com o resto da criação de Deus, foi declarado bom no começo. Nossa esperança não é sermos separados permanentemente de nossos corpos, mas participar da ressurreição do corpo e da vida eterna. Da mesma forma, em nossa condição atual, nossos corpos são uma parte essencial de nossa humanidade e, com razão, nos encontraremos desejando a presença física de nossos amados amigos e entes queridos. Enquanto nos deleitamos em ouvir a Palavra pregada através de nossas telas, desejamos, com razão, o dia em que poderemos estar cercados pelas vozes de nossos irmãos e irmãs cantando louvores a Deus, quando poderemos estender as mãos da comunhão uns aos outros, quando pudermos segurar o pão e o vinho da Ceia do Senhor novamente e provar esses meios divinamente designados da graça de Deus.

Também podemos redescobrir a diferença entre solidão e solitude, a primeira tão destrutiva do bem-estar humano e a segunda tão essencial a ela. Por muito tempo, procuramos permanecer superficialmente conectados, sem reservar tempo para a solitude. Não seria pouca coisa se, durante esse período angustiante, redescobríssemos os limites das tecnologias de comunicação digital e as colocássemos em seu devido lugar.

Por: Michael Sacasas. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Pandemics, Digital Media, and Anxiety.

Original: Pandemias, Mídia Digital e Ansiedade. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.