Por que Deus está fazendo tudo isso no mundo?

No artigo anterior tentei demonstrar de como Deus não só permite, mas causa todas as coisas, boas ou ruins. Nada acontece sem sua vontade e decreto e embora ele use agentes secundários para realizar seus propósitos, podemos descansar com a certeza de que sua boa mão e poder estão atuantes.

Para nos dar ainda mais certeza sobre essa verdade, seguem mais alguns exemplos bíblicos. Jeremias diz que não cabe ao homem determinar o seu caminho (Jr 10.23); Moisés e Jó ensinam que quando uma pessoa morre, é Deus quem decide que isso aconteça (Êx 21.13; Jó 14.5); é Ele quem nos dá filhos ou nos deixa estéril (Sl 127.3; Gn 30.2); nosso alimento depende se Ele abrir ou fechar sua mão (Sl 104.28; Is 3.1; Sl 136.25); José quando traído por seus irmãos e vendido ao Egito, afirmou: “Assim, não foram vocês que me enviaram para cá, e sim Deus, que fez de mim como que um pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como governador em toda a terra do Egito” (Gn 45:8); Davi quando amaldiçoado por Simei diz que o Senhor ordenou que isso acontecesse (2Sm 16.11); o salmista que estava em sofrimento terrível diz: “Emudeço, não abro os lábios porque tu fizeste isso. Tira de sobre mim o teu flagelo; pelo golpe de tua mão, estou perecendo” (Salmos 39:9-10), e na morte do nosso próprio Salvador lemos que Herodes e Pilatos ao crucificarem Jesus Cristo, fizeram “tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (Atos 4:28).

Nesse ponto, temos que concordar com A.W. Pink:

Dizer que Deus é soberano é declarar que ele é o Altíssimo, o qual tudo faz segundo sua vontade no exército dos céus e entre os moradores da terra; “Não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazer?” (Dn 4.35). Dizer que Deus é soberano é declarar que ele é onipotente, possuidor de todo o poder nos céus e na terra, de tal maneira que ninguém pode impedir os seus conselhos, contrariar os seus propósitos ou resistir à sua vontade (Sl 115.3). Dizer que Deus é soberano é declarar que ele “governa as nações” (Sl 22.28), estabelecendo reinos, derrubando impérios e determinando o curso das dinastias, segundo o seu agrado. Dizer que Deus é soberano é declarar que ele é o “único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1Tm 6.15). Este é o Deus da Bíblia.[1]

Sim, este é o Deus da Bíblia. Qualquer teologia que negue a soberania de Deus absoluta sobre todas as pessoas e todos os eventos desse mundo ou que negue a atuação de Deus no sofrimento humano, é uma quebra do primeiro mandamento: “Não tenha outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). Aliás, essas “teologias” não nos servem para esse momento de calamidade que estamos vivendo.

Mas talvez a pergunta de muitos nesse momento seja: “por que”? Por que Deus está agindo dessa maneira? Por que está causando toda essa desgraça? São perguntas genuínas perante o sofrimento humano.

Foi exatamente isso que os discípulos perguntaram para Jesus quando se depararam com um cego de nascença:

“Mestre, quem pecou para que este homem nascesse cego? Ele ou os pais dele?” João 9:2

Perceba que os discípulos estavam curiosos com o “por que” daquele sofrimento. A lógica dos discípulos era: “se existe cegueira, então é fruto de um pecado específico que esse homem cometeu”. Eu receio que seja a mesma e única lógica encontrada dentro de muitos círculos religiosos até hoje. Dependendo da denominação cristã que você faz parte, aceitar o sofrimento e a doença é inconcebível com a fé. O cristão não pode ficar doente nem sofrer.

Mas isso é uma má compreensão da realidade que a cruz de Cristo realmente conquistou a vitória sobre o pecado, sofrimento e morte. Sim, isso é um fato decisivo e final. Mas o que temos que entender é que esses benefícios oriundos da vida, morte e ressurreição de Cristo, embora já seja uma realidade, não é uma realidade perfeita e final nessa vida em que vivemos. Isso é claramente visto com a realidade do pecado.

Cristo levou nossos pecados sobre Ele (2 Co 5.21) e nele somos livres da condenação do pecado (Rm 8.1), mas sabemos que ainda temos a presença do pecado, “o pecado que habita em mim” (Rm 7.20) e seu poder embora derrotado ainda é atuante em nós – “portanto, não permitam que o pecado continue dominando os seus corpos mortais…” (Rm 6.12).

Todo cristão sabe que seu passado foi de fato perdoado, que o poder do pecado foi de fato derrotado e que um dia ele será de fato livre da presença do pecado. Há de chegar um dia que “quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é” (1 Jo 3.2) e aí sim “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21.4).

Enquanto a “antiga ordem” (o tempo que vivemos) não passar, existe morte, tristeza, choro, dor, doença, pecado, e todas as demais consequências do nosso pecado em Adão (Rm 5). Portanto a cruz de Cristo conquistou a vitória sobre o pecado, doença e morte, isso é uma realidade, mas não uma realidade perfeita e completa até que “novos céus e nova terra” aconteça (Ap 21.1). Hoje já experimentamos em parte dessa realidade, os próprios milagres que Deus fez e faz na história indicam que a cruz de Cristo de fato venceu sobre o pecado e seus efeitos. Mas a realidade completa e perfeita dessa conquista, nós não experimentaremos por agora.

Entender isso é fundamental para nossa compreensão bíblica perante o sofrimento humano. É o que a teologia vai explicar com o “now” e “not yet” (“já” e “ainda não”) com relação ao reino de Deus. O reinou de Deus “já” está entre nós, é uma realidade, porém “ainda não” de maneira completa, perfeita e final.

A mesma realidade se aplica para a doença – uma consequência do pecado original de Adão (Gn 3). “Deus já levou sobre si nossas enfermidades” (Is 53) e em parte experimentamos essa realidade, porém não de maneira perfeita e completa como experimentaremos no último dia. A única certeza que temos que cristãos serão realmente saudáveis e imunes à doença é na realidade de “novos céus e nova terra”. A cruz de Cristo de fato conquistou isso para nós e seremos semelhantes a Ele com um corpo glorificado, mas esperar isso aqui na terra é compreender erroneamente a Palavra.

De volta à nossa história….

“Quem pecou?”

Ah, Jesus poderia ter dito: “Adão pecou e por isso estamos do jeito que estamos. Vocês não sabem que a morte é a consequência desse pecado? Que todo mal experimentado tem sua reposta no Éden?”. Ou então, poderia ter respondido ironicamente: “Quem pecou?! Se essa for a única lógica meus discípulos, então todos vocês deveriam estar cegos! Pois todos pecaram e não dão glória para Deus (Rm 3.23). Por que somente esse cego está sofrendo por seu pecado? Todos são pecadores! Todos deveriam nascer cegos!”

Jesus tinha dado uma resposta dura perante outra tragédia, quando Pilatos estava sacrificando galileus em seus sacrifícios: “Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira?” (Lc 13.2).

Da mesma maneira, quando a torre de Siloé caiu e matou dezoito pessoas, ele disse: “Ou vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém?” (Lc 13.4)

Jesus tinha muitas respostas para dar aos seus discípulos (e para nós que sofremos hoje com o Coronavírus), mas me parece que Jesus decidiu não responder a causa específica daquela doença desse cego de nascença, mas sim o seu propósito –  e como seria bom se nós aprendêssemos com Jesus!

Veja a resposta de Jesus: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (Jo 9.3).

Ouça essa resposta! É certo que Jesus não estava disposto a nos responder a causa específica dessa doença e sofrimento. Isso não foi importante para Ele aqui, mas sim o propósito disso tudo – para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele!

Quando você entende que Deus tem um propósito inclusive na desgraça, você a verá de uma maneira diferente. Nós nos submeteremos humildemente à vontade divina, sem entender muito bem os “por quês”, mas aceitando o “para que” dessa situação – Deus tem um propósito nisso tudo. E aqui está o nosso limite. É aqui que deveríamos nos calar.

Perante a situação alarmante do Coronavírus, não devemos dar ouvidos aos “especialistas em causas divinas” como se conhecessem a mente do Senhor além do que Ele mesmo revelou nas Escrituras para nós. Sabemos que a boa mão de Deus agiu na história ora para “corrigir os depravados e domar a lascívia, ou para submeter os seus à abnegação, ou a expulsar o torpor e, em contrapartida, prosternar os soberbos, para abater a astúcia dos ímpios, para dissipar suas maquinações”.[2] Mas quem poderá afirmar qual seria a causa da mente divina para nos trazer tamanha aflição que vivemos agora? Perante o que temos vivido, precisamos lembrar que: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e aos nossos filhos…” (Dt 29:29).

Deixemos de lado nesse momento os “por quês” e nos confortemos com os “para ques”, nisso está o nosso conforto. Deus está manifestando suas obras nessa tragédia toda. Seu Nome está sendo clamado nos quatro cantos desse mundo. Sua igreja está de joelhos buscando Sua misericórdia. Incrédulos estão reconhecendo suas limitações. Enfim, muita coisa Deus está fazendo e sabemos que tudo que Ele faz é “bom, perfeito e agradável”.

“Por que Deus está fazendo tudo isso” especificamente nós não saberemos. Mas podemos descansar que Ele é especialista em “vales da sombra da morte”. O Bom Pastor Jesus Cristo já passou por lá. Sigamos em frente, com temor e tremor, seguindo a doce voz do nosso Pastor.

Ah, vale lembrar que no final da história o cego foi curado, creu e adorou Jesus (Jo 9.38). Quem sabe esse propósito já não seja suficiente para tudo o que está acontecendo em sua vida?

Oremos:

‘Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão inexplicáveis são os seus juízos, e quão insondáveis são os seus caminhos! “Pois quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu alguma coisa a Deus para que isso lhe seja restituído?” Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre. Amém!’ (Romanos 11:33-36)


[1] PINK, A. W. Deus é soberano. São José dos Campos: Editora Fiel. pp. 21-22

[2] CALVINO, J. A Instituição da religião Cristão. Tomo I – Livros I e II – XVII.1. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

Por: Thiago Guerra. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Por que Deus está fazendo tudo isso no mundo?