É absurdo crer que conspirações existem?

“Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Esse dito popular expressa, creio eu, o que devemos crer em relação à existência de conspirações em nosso mundo. Esclareço, de imediato, que não sou um conspiracionista. Não acredito em Illuminati. Não creio na existência da Área 51, nem que a chegada do homem a lua, em 1969, foi uma farsa. Sei que é necessário ter muito cuidado com aquilo que se lê e com o que é visto, pois, do contrário, começaremos a sair na rua com chapéus de alumínio na cabeça. Não obstante, creio que conspirações existem.

Veja bem, não estou me referindo a conspirações específicas como as mencionadas acima. Em hipótese alguma podemos esquecer da imensa capacidade do coração do homem para fazer o mal, e também para planejar, para engendrar perversidades as mais variadas, com consequências gigantescas. Logo no início da revelação bíblica o Senhor Deus viu que era continuamente mau todo o desígnio do coração do homem (Gênesis 6.5). Por essa razão, a Bíblia apresenta diversos episódios nos quais homens maus conspiraram contra o povo da aliança: “Quanto aos mais atos de Zinri e à conspiração que fez, porventura, não estão inscritos no Livro da História dos Reis de Israel?” (1 Reis 16.20). O mesmo é dito a respeito de um homem chamado Salum: “Quanto aos mais atos de Salum e a conspiração que fez, eis que estão escritos no Livro da História dos Reis de Israel” (2 Reis 15.15).

Antes disso, em Gênesis 37.18, a Escritura afirma que os irmãos de José “de longe o viram e, antes que chegasse, conspiraram contra ele para o matar”. O termo hebraico transmite a ideia de que eles planejaram de maneira a não transparecer nada para José. Houve um planejamento, um conchavo para dar fim à vida de José. Houve uma deliberação nas sombras. Não há dúvidas de que o Senhor Deus tinha determinado todos os eventos da vida de José (Gênesis 45.8; 50.20). Mas também não pode existir dúvidas de que os seus irmãos foram responsáveis por todos os seus planos feitos nas sombras e por suas más ações.

Em algumas ocasiões o salmista Davi orou ao Deus, pedindo por livramento de conspirações: “Esconde-me da conspiração dos malfeitores” (Salmo 64.2). Ele se queixou diante do Senhor: “Pois tenho ouvido a murmuração de muitos, terror por todos os lados; conspirando contra mim, tramam tirar-me a vida” (Salmo 31.13). Os termos hebraicos nessas passagens designam reuniões, conselhos privados, assembleias (Salmo 64.2), bem como homens se assentando juntos planejando uma forma de tirar a vida do salmista (Salmo 31.13). Um dos exemplos mais notáveis das conspirações arquitetadas contra Davi é a do seu filho, Absalão, em 2 Samuel 15. Seu plano envolveu conseguir um grupo de cinquenta homens que o apoiavam e estavam dispostos a lutar pela sua causa (v. 1). Além disso, Absalão não se levantou explicitamente contra o seu pai. Ele não invadiu de imediato o palácio com seus homens, para prender e matar Davi. Sua conspiração envolveu sentar-se à entrada da porta e furtar o coração dos homens de Israel, demonstrando preocupação genuína pelo bem-estar do povo (vv. 2-6). Isso durou cerca de quatro anos, ao final dos quais, finalmente, Absalão executou seus maus desígnios e se proclamou rei em Hebrom (vv. 7-10). O texto nos diz ainda que duzentos homens que o acompanharam a Hebrom, “iam na sua simplicidade, porque nada sabiam daquele negócio” (v. 11). É certo que o texto não usa o termo “conspiração” para falar das ações de Absalão. No entanto, tomando por base a definição dada por Joe Carter, de que uma teoria da conspiração “explica um evento ou um conjunto de circunstâncias como o resultado de uma trama secreta”[1], podemos estar certos de que Absalão conspirou.

Chama a atenção o fato de que o próprio Deus se queixou de uma conspiração entre os homens de Judá, para retornarem às maldades dos seus primeiros pais: “Disse-me ainda o SENHOR: Uma conspiração se achou entre os homens de Judá, entre os habitantes de Jerusalém. Tornaram às maldades de seus primeiros pais, que recusaram ouvir as minhas palavras; andaram eles após outros deuses para os servir; a casa de Israel e a casa de Judá violaram a minha aliança, que eu fizera com seus pais” (Jeremias 11.9-10). O termo traduzido como “conspiração” denota a ideia de um planejamento tendo em vista a traição.[2] Os homens de Israel e de Judá planejaram trair o Senhor, e puseram o seu plano em execução.

Contudo, de todas as afirmações bíblicas, nenhuma é tão forte e grave quanto a do Salmo 2.2: “Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido”. Os termos traduzidos como “se levantam” e “conspiram”, considerados conjuntamente, dão a ideia de uma reunião ocorrida nos bastidores. Nessa reunião, os reis da terra e os príncipes sentam juntos e tomaram conselho contra o Senhor e seu Filho Jesus Cristo. Planos são feitos com um único objetivo: “Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas” (v. 3). De acordo com João Calvino, não se trata de uma hostilidade declarada. Não se trata de um levante público, de uma rebeldia explícita contra Deus. Antes, esses homens encobrem “sua rebelião sob todo gênero possível, e presunçosamente se vangloriam de ter Deus do seu lado”.[3] São homens que publicamente se mostram honrados e até mesmo do lado de Deus.

Essa conspiração se mostra ao máximo no Novo Testamento, quando em diversas ocasiões os evangelistas falam das tramas, dos planos, das conspirações feitas visando a morte do Senhor Jesus Cristo (Mateus 26.3-5; João 5.18; 7.1; 11.53-54). Chegou o dia quando, finalmente, a conspiração foi executada e o Filho de Deus foi crucificado. O apóstolo Paulo também foi alvo de uma conspiração por parte dos judeus, de maneira que ele se viu impedido de embarcar rumo à Síria para pregar o evangelho (Atos 20.3).

Como devemos agir em relação a teorias da conspiração?

Em Isaías 8.12 encontramos uma orientação quanto a isso: “Não chameis conjuração a tudo quanto este povo chama conjuração”. O termo traduzido como “conjuração” é o mesmo utilizado na passagem acima mencionada, de Jeremias 11.9 e ali traduzida como “conspiração”. Uma conjuração nada mais é do que a associação entre algumas pessoas com um fim em comum, um objetivo em comum. Em muitas ocasiões, em tal associação há um juramento entre os presentes. Eles fazem uma aliança com um determinado objetivo em vista. Nem toda conjuração é má. Porém, no caso de Isaías 8.12, a referência é a uma conspiração. A Nova Almeida Atualizada (NAA) traduz essa passagem dessa forma: “Não chamem conspiração a tudo o que este povo chama conspiração”. A passagem apresenta um princípio muito interessante. Nem tudo deve ser chamado de conspiração. Mas o fato de nem tudo dever ser chamado de conspiração também admite a existência de algumas conspirações. O artigo de Joe Carther já citado aqui é um alerta contra a facilidade com que os cristãos se deixam levar por teorias da conspiração. O artigo diz que quando os cristãos dão ouvidos a teorias da conspiração, eles estão fazendo a obra de Satanás, que foi o primeiro a espalhar teorias da conspiração, ao dizer a Adão e Eva que Deus estava planejando evitar que os seres humanos tivessem os seus olhos abertos e se tornassem como Deus. O artigo traz um alerta válido, mas se mostra falho por desconsiderar a possibilidade e a capacidade de os seres humanos conspirarem.

Não desejo com isso afirmar que a nossa presente situação de pandemia é uma grande conspiração. Não tenho nenhuma intenção de afirmar, como muitas pessoas estão fazendo no presente, que a pandemia da Covid-19 é uma conspiração executada por grupos sombrios. Carther elenca algumas teorias nesse sentido, como a de que o coronavírus é causado pelo espectro de ondas usadas por tecnologia 5G. Há quem também diga que se trata de uma arma biológica criada por Bill Gates. Não creio que nada disso seja verdade.

No entanto, todos os dados bíblicos vistos até aqui são suficientes para que não tenhamos uma visão ingênua da realidade e daqueles que ocupam grandes posições, que enxergam a necessidade de defender seu status quo. Há reuniões nos bastidores, seja da política nacional e mundial, seja na vida eclesiástica, seja na comunidade científica. Nessas reuniões planos são elaborados, reputações são escolhidas a dedo como aquelas que serão destruídas, vozes dissidentes são marcadas para ser caladas, escritos e pesquisas são selecionados para serem publicamente desacreditados por aqueles que dominam a comunidade e precisam da manutenção de suas posições. Em sua exposição do Salmo 2.2, Christopher Ash afirma: “Aparentemente, quanto maior o nosso poder, mais nós tramamos”.[4]

Conquanto devamos ter cuidado para não vivermos fascinados com teorias da conspiração, no mínimo devemos admitir que nada disso é impossível. Basta lembrarmos de como Galileu Galilei foi publicamente desacreditado e perseguido por questionar aquele que então era o cânon científico. Certamente, reuniões foram feitas nos bastidores e estratagemas foram ordenados para que isso fosse realizado.

O filósofo da ciência Paul Feyerabend fez um alerta importante em sua obra Ciência, um Monstro. De acordo com ele, não existe uma “Ciência”, mas “ciências”: um agregado heterogêneo e fragmentado, uma mistura conflituosa de métodos, abordagens, tradições de pensamento e tendências epistêmicas. Ele diz o seguinte:

Quem diz que é a ciência que determina a natureza da realidade presume que as ciências têm uma única voz. Acredita que existe um monstro, a CIÊNCIA, e que quando ela fala, repete e repete sem parar uma única mensagem coerente. Nada mais distante da realidade. Diferentes ciências têm ideologias muito distintas […] Vemos, portanto, que as ciências são repletas de conflitos. O monstro CIÊNCIA que fala como uma única voz é uma colagem feita por propagandistas, reducionistas e educadores.[5]

O que isso significa? Simplesmente aponta para o fato de que aquilo que é chamado de “consenso científico” não é, na verdade, um consenso. É apenas a opinião da maioria, do exame dos pares que se validam mutuamente. Não há uma cosmovisão científica, mas distintas cosmovisões. Não há um conhecimento científico, mas conhecimentos. Há conflitos na ciência. Há conclusões distintas a respeito de um mesmo experimento. Há leituras diferentes das mesmas evidências. Há interesses em jogo quando pesquisas e estudos são encomendados. Se, de um lado, precisamos ser cuidadosos para não atribuirmos o mal á ciência, não podemos simplesmente assumir que a ciência não pode ser usada com fins gananciosos em vista.

A ciência é uma dádiva divina, sem sombra de dúvidas. Aquele em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Colossenses 2.3), é quem dota os homens de conhecimento. A ciência é algo extremamente valioso. Cientistas devem trabalhar com a consciência de que são servos de Deus, ainda que muitos se rebelem contra isso. Em nosso presente momento de pandemia, a ciência é imensamente importante, como já o foi em muitas outras epidemias e pandemias. Porém, a ciência não é algo homogêneo e conduzido com objetividade e imparcialidade. Há corações humanos por trás. E o onde o coração humano se faz presente… bem, já conhecemos a história.


[1] Joe Carther. “Christians Are Not Immune to Conspiracy Theories”. Disponível em <https://www.thegospelcoalition.org/article/christians-conspiracy-theories/>.

[2] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr., e Bruce Waltke. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 1381.

[3] João Calvino. O Livro dos Salmos. Vol. 1. Santa Bárbara d’Oeste: Edições Paracletos, 1999. p. 63.

[4] Christopher Ash. Teaching Psalms: From Text To Message. Vol. 2. Scotland, UK: Christian Focus Publications, 2018. p. 30.

[5] Paul K. Feyerabend. Ciência, um Monstro: Lições Trentinas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. p. 85.