Encorajamento e orientações paulinas a jovens pastores em tempos difíceis

O ministério pastoral carrega muitos desafios. Ao contrário do que muitos pensam o ministério não é um romance, mas, uma guerra, uma corrida, uma lavoura, uma construção. Metáforas usadas na própria Escritura. Não podemos negar que há muitas alegrias e bênçãos, devemos afirmar que ser um pastor de uma congregação é de grande importância e honra dadas pelo próprio Deus a pecadores indignos e que ele achou por bem chamar para o ministério.

O desafio de uma cultura hedonista, egoísta, vaidosa, fútil, pragmática e líquida pode e tem influenciado muitos seminaristas desde a época do seminário e também invadido e desgraçado a vida e ministério de vários pastores. Os desafios ao ministério pastoral são muitos, diante de todas as possibilidades e facilidades do nosso tempo, pastores são e serão grandemente tentados e sofrerão os mais variados ataques em seu trabalho. Tentações a vaidade podem lhes sobrevir, mas, os sofrimentos também podem se configurar em tentações para que esmoreçam, fiquem desmotivados, desencorajados e sejam tomados de medo e desejo de fuga ou mesmo de abandonar o ministério.

Um estudo da LifeWay Research foi publicado no Brasil em 2005 pelo site o verbo que nos dão alguns dados importantes sobre o abandono do ministério pastoral.

Foram entrevistados 1.500 pastores de igrejas evangélicas. Os números indicam que 13% dos que eram pastores em 2005 abandonaram o pastorado 10 anos mais tarde por outros motivos além de morte ou aposentadoria.

Apesar de muito se falar sobre a diminuição dos vocacionados, “Os pastores não estão deixando o ministério em massa”, garantiu o vice-presidente da Lifeway, Scott McConnell.

Entre os dados que merecem destaque estão:

84% dizem que estão de plantão 24 horas por dia.

80% esperam conflitos em sua igreja.

54% acreditam que ser pastor frequentemente os sobrecarrega.

53% preocupam-se seguidamente com a saúde financeira de sua família.

48% sentem frequentemente que as exigências do ministério são maiores do que eles conseguem lidar.

21% dizem que sua igreja tem expectativas irrealistas sobre eles[i].

Podemos pontuar algumas questões importantes nessas informações supracitadas. A primeira delas é a indisciplina de pastores em relação ao seu trabalho na igreja. A desordem e sistemática no ministério um dia seguramente irá trazer sobre pastores uma exaustão física e mental. A segunda coisa que devemos considerar é a romântica expectativa de viver do ministério. A questão financeira de fato traz muitos sofrimentos a ministros da Palavra, não podemos nesse quesito negar duas coisas – a primeira é a falta de temperança financeira na vida do pastor. A segunda coisa é o problema de igrejas infiéis que não exercem fielmente sua mordomia nas contribuições, sabendo que parte dessas contribuições será para o sustento do pastor e sua família. Reconheço que há ainda muitas questões complexas que envolvem a relação pastor/igreja, mas creio ser suficiente pontuar essas duas questões.

A mesma pesquisa também trouxe outros dados importantes sobre o abandono do pastorado, vejamos:

Questionados sobre seus motivos para sair do pastorado, o conflito na igreja foi a resposta de 23% dos entrevistados. Questões éticas ou morais (13%), problemas de saúde (13%), problemas financeiros (8%), e doenças graves (5%). Falta de preparação para o trabalho foi citada em 3% dos casos.

Sobre os conflitos citados como motivo na maioria dos casos, isso inclui:

38% saíram por que as mudanças que eles propuseram não foram aceitas.

34% dos pastores sofreram ataques pessoais.

27% rejeição do seu estilo de liderança.

25% expectativas irreais sobre o papel do pastor.

13% diferenças doutrinárias[ii].

Há um dado muito importante aqui, sobre o conflito nas igrejas ser a causa do abandono do ministério. Vemos por esses breves dados dessa pesquisa que precisamos de respostas bíblicas as crises ministeriais. Considero que não conseguirei de modo algum tratar de todos os problemas relacionados ao ministério aqui, por saber que há questões muito complexas e particulares que por vezes ocorrem, mas, minha abordagem será com base nas recomendações paulinas a Timóteo na segunda epístola. Neste texto sacro temos preciosas e importantes recomendações dadas ao jovem pastor da igreja de Éfeso que enfrentava problemas com relação à doutrina, ao desencorajamento, ao medo, a tristeza por conta do sofrimento. Temos instruções e Paulo a Timóteo que reverberam para os ministros do Evangelho durante toda a história.

Trabalharemos nesse artigo as seguintes questões: A vocação cristã e o sofrimento; as metáforas paulinas – soldado, atleta e agricultor e o sofrimento; A Escritura e a pregação em tempos difíceis.

Mas antes de prosseguirmos, consideremos algumas questões importantes ainda sobre o contexto em Timóteo estava inserido.

Cronologicamente, 2 Timóteo é a última das três epístolas pastorais. Respira uma atmosfera diferente das duas primeiras. Em 1 Timóteo e Tito, Paulo estava livre para fazer planos sobre viagens e para locomover-se  à vontade. Nessa epístola, entretanto, encontrava-se aprisionado e o seu fim aproximava-se rapidamente (4.6). Onde Paulo teria sido aprisionado pela segunda vez, e com que razão não se sabe. Ele escreveu 2 Timóteo, aparentemente estando em Roma, onde aguardava sua execução. Todos os colegas haviam-no esquecido, com exceção de Lucas. Ansiava por Timóteo, que provavelmente se achava em Éfeso para vir a Roma antes do inverno. Entretanto, estava ainda mais preocupado, em vista das suas próprias circunstâncias, que Timóteo cumprisse o ministério para o qual foi chamado. O conteúdo da epístola é rico e variado e inclui certo número de  tocantes apelos, especialmente em vista da situação de Paulo. Quatro incumbências especificas são endereçadas  a Timóteo e que se referem primariamente à sua vida pessoal como ministro. A ameaça do ensinamento falso aparece com proeminência nesta epístola, como também em 1 Timóteo[iii].

A compreensão do contexto que envolve o envio dessa epístola é muito importante para um trabalho sério e piedoso de extração dos ensinos contidos nessa correspondência de Paulo a Timóteo. A condição de Paulo era difícil, estava preso, velho, dentro de um calabouço em Roma, nos diz o inicio da epístola que foi difícil para Onesíforo achar Paulo na cidade (1.17). Keener nos dá mais informações importantes sobre a epístola:

Em muitos aspectos, a última carta de Paulo assemelha-se às cartas de exortação moral que os filósofos escreviam aos discípulos. Pelo fato de ele enviar a carta na iminência da própria morte, ela também foi comparada aos tratados judaicos chamados “testamentos”, nos quais o líder, à beira da morte, transmitia as últimas palavras de sabedoria aos filhos ou aos discípulos, sabedoria que também seria proveitosa para os leitores da posteridade. Embora a maioria dos testamentos fosse pseudoepigráfica e ainda que Paulo talvez tenha escrito a carta apenas a Timóteo, é possível que a semelhança da situação do apóstolo com a desses autores judeus confira a 2 Timóteo o vigor de um “testamento”: eis aqui as últimas palavras de sabedoria que Paulo transmite aos jovens ministros[iv].

Temos então diante de nós um material de grande importância para condução e aconselhamento de pastores. Temos um Timóteo recebendo instruções de seu mentor na fé e no ministério, mas, também há recomendações perenes para os Timóteos que seriam chamados por Deus para o santo ministério da Palavra e dos sacramentos. Timóteo vivia em um tempo de crise ministerial, de insegurança e medo. Se essa crise ainda não lhe alcançou e você é pastor, ela pode chegar, por isso é necessário um estudo piedoso e dedicado dessa epístola[v].

Paulo estava velho e cheio de cicatrizes, enfrentando o rigoroso inverno de Roma, por isso no final da epístola ele perde que Timóteo traga sua capa. Mesmo nessa situação o apóstolo se preocupa com seu jovem discípulo que estava na famosa igreja de Éfeso, capital da Ásia Menor, Paulo não se nega em ajudar Timóteo, para o apóstolo o Evangelho é maior que seus obreiros. Timóteo, jovem, tímido, doente, estava sendo severamente atacado pelos falsos mestres e muitos crentes estavam abandonando sua firmeza no evangelho. “Esse jovem pastor, deveria passar a tocha adiante como Paulo fez com ele, deveria guardar o evangelho, a pureza da fé é a garantia de sua permanência. Quando o evangelho perder sua pureza, perde também seu poder e sua eficácia”[vi].

Depois de termos norteado e mapeado nossa linha de pensamento na abordagem do assunto proposto para esse artigo, passaremos desde então a considerar a epistola mesma, em alguns dos seus trechos que nos farão refletir sobre os sofrimentos e dificuldades do ministério pastoral. Considerando tanto o contexto do nosso coração como possível fonte de tentação para esmorecermos diante das lutas, também considerando as oposições ao nosso trabalho para o Senhor, a importância da perseverança na pregação e no pastoreio, a leitura que temos que fazer do ambiente que estamos e como interpretá-lo. Um pastor não deve apenas ser um intérprete da Bíblia, deve interpretar seu coração, seu povo, sua cultura, seu tempo.  Hermenêutica para a Escritura e não para o coração não saberá aplicar a Escritura a própria vida. Hermenêutica para a Escritura sem interpretar seu tempo, sua cultura, será uma redoma de vidro, devemos aplicar a Bíblia ao nosso tempo e contexto. Muitas vezes estamos respondendo perguntas que ninguém está fazendo, outras vezes estamos dando outras respostas a perguntas que foram sinceramente feitas.

A vocação cristã e o sofrimento

Inicialmente precisamos definir o que é vocação em termos soteriológicos. Para teologia reformada podemos dizer que a vocação eficaz pode ser entendida como graça irresistível, é quando o Espírito Santo convence os eleitos e os converte, agindo sobre eles. Nos a confissão de fé de Westminster sobre o assunto.

Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça.

Esta vocação eficaz é só da livre e especial graça de Deus e não provem de qualquer coisa prevista no homem; na vocação o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada[vii].

O apóstolo Paulo trata disso com Timóteo, antes de tratar sobre a própria questão do ministério ele trata sobre vocação para a salvação.

Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio. Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça. Essa graça nos foi dada em Cristo Jesus desde os tempos eternos, sendo agora revelada pela manifestação de nosso Salvador, Cristo Jesus. Ele tornou inoperante a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade por meio do evangelho. Desse evangelho fui constituído pregador, apóstolo e mestre[viii].

Nesta passagem temos muitas informações importantes, primeiro consideremos que Paulo não estava lidando com ideias supostas do que Timóteo estava sentindo e passando, o que Paulo está colocando para seu filho na fé e discípulo são orientações objetivas, Timóteo estava com medo, ao que nos indica o texto da epístola, Timóteo era tímido, por isso Paulo diz que Deus não nos deu espírito de covardia, Timóteo precisava ser corajoso diante dos desafios que estava enfrentando. A sensação de medo e necessidade de autoproteção de problemas ocorre várias vezes nas Escrituras, servos de Deus piedosos e usados por Deus poderosamente tiveram medo, podemos citar aqui Josué e Elias. O medo faz parte de nossos mecanismos de defesa, mas, no caso de Timóteo em especial sua covardia iria entregar a igreja aos falsos ensinos e falsos mestres. Paulo ensina a Timóteo que um pastor é um guardião da doutrina e quando ele faz isso também protege o rebanho dos lobos. Isso assemelha-se muito ao que nosso Senhor ensinou sobre o ladrão que vem para matar, roubar e destruir, o ladrão em João 10 são os falsos obreiros, falsos mestres. Então o pastor do rebanho também devia guardar o aprisco e deveria defender as ovelhas de predadores.

A segunda coisa que vamos aprender com Paulo é que ele mesmo estava sofrendo, Paulo tinha pastoreado aquela igreja, tinha plantado aquela igreja local e mais, havia dito que lobos se infiltrariam no rebanho.

Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos. Por isso, vigiem! Lembrem-se de que durante três anos jamais cessei de advertir cada um de vocês disso, noite e dia, com lágrimas[ix].

Então Timóteo não deveria estar espantado e amedrontado por causa desses problemas, o apóstolo também vai dizer que viriam tempos difíceis para a Igreja. Stott nos diz que:

Paulo podia escrever sobre a vontade de Deus e assegurar que a graça divina fizera dele o que ele era. Mas Paulo imediatamente acrescentou: “e a sua graça, que foi concedida, não se tornou vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus comigo” (1 Co 15.10). Ou seja, ele acrescentou o seu esforço à graça de Deus; contudo, na verdade, foi a graça de Deus que inspirou todo o seu esforço. Com Timóteo acontecia o mesmo. Sua mãe e sua avó puderam ensinar-lhe as Escrituras e levá-lo à conversão. Foi Paulo que o levou a Cristo, tornou-se seu amigo, orou por ele, escreveu-lhe, treinou-o e exortou-o. Timóteo recebeu de Deus um dom especial, em sua ordenação. Mas o próprio Timóteo teve que desenvolver sozinho o dom divino, sem Paulo. Ele teve de acrescentar a sua própria autodisciplina aos dons de Deus[x].

É importante percebermos aqui a perspicácia de Stott ao analisar a questão do encorajamento de Paulo a Timóteo em um tempo de crise ministerial e de fé diante de oposição e sofrimento. Notemos que Stott aponta para o fato de que a graça que salvou a Timóteo e a que o sustenta e que a graça inspira para continuar o trabalho mesmo em meio a muitas adversidades assim como foi com Paulo. Paulo foi usado por Deus para preparar Timóteo na fé, bem como sua mãe e avó no judaísmo, mas Timóteo tinha que desenvolver tudo isso sozinho. A questão da responsabilidade de Timóteo como crente e ministro é apontada pelo apóstolo. Era necessário entender que tribulações viriam, mas, o ministro deveria ser autodisciplinado na fé e nas emoções para lidar com essas demandas do ministério da Palavra.

As metáforas paulinas – soldado, atleta e agricultor e o sofrimento

As figuras de linguagem são ferramentas linguísticas que possibilitam comunicar realidades que a linhagem literal seria pobre em descrever. As metáforas são poderosas nesse aspecto e são muito usadas por Paulo em suas epistolas, lembremos também como Jesus usou tantas vezes esse recurso em sua pregação e nas parábolas.

Paulo usa três poderosas metáforas para tratar do sofrimento na lida ministerial – o soldado, o atleta e o agricultor.

Suporte comigo os meus sofrimentos, como bom soldado de Cristo Jesus. Nenhum soldado se deixa envolver pelos negócios da vida civil, já que deseja agradar àquele que o alistou. Semelhantemente, nenhum atleta é coroado como vencedor, se não competir de acordo com as regras. O lavrador que trabalha arduamente deve ser o primeiro a participar dos frutos da colheita. Reflita no que estou dizendo, pois o Senhor dará a você entendimento em tudo[xi].

Nesta parte da epístola devemos observar outra questão importante, a associação que Paulo está fazendo sempre entre ele e Timóteo, a fim de mostrar a Timóteo que ele não é o único pastor em sofrimento, e que na verdade não há como ser um fiel ministro do evangelho sem sofrer. Por isso Paulo diz, “suporte comigo os meus sofrimentos…”; o apóstolo está dizendo a seu filho na fé que ele não é o único a sofrer, que ele não está sozinho e que Timóteo deveria ter disposição para o sofrimento no sentido de suportar e não fugir dessa realidade do ministério. Por isso para ilustrar a labuta e lida do pastor Paulo usa as metáforas do soldado, do atleta e do lavrador.

Essas metáforas são poderosas para comunicar as verdades divinas que procediam da pena de Paulo. Ao falarmos sobre um soldado, do atleta e do lavrador devemos olhar para elas pelo que Paulo havia falado anteriormente sobre autodisciplina. Nenhuma dessas atividades pode ter êxito sem autodisciplina. O soldado é treinado para sobreviver em tempos de dificuldade, para não deixar-se governar e desesperar por necessidades efêmeras ou emotivas. É treinado para ir a batalha, para estar numa guerra e estar numa guerra é estar diante de um tempo indefinido, ninguém sabe quando a guerra termina. Um soldado não tem conforto ao voltar a base no campo de batalha, sua dormida e descanso são apenas para o necessário e não para relaxar. Resiliência, abnegação e humildade são fontes indispensáveis nesse processo de perseverança ministerial. Assim o objetivo do soldado de Cristo é o agradar.

A segunda metáfora usada por Paulo é a do atleta, igualmente a disciplina é colocada aqui nessa figura. Um atleta para que seja vencedor precisa obrigatoriamente dedicar-se exaustivamente ao treino físico, mas, esse treino também trabalha sua mente e emoções. A carreira proposta para o atleta tem um objetivo, o prêmio. O prêmio é Cristo igualmente. O atleta sofre dores musculares, o atleta vencedor vive antes de grandes vitórias muitas pequenas derrotas. O atleta precisa de disciplina no que come, quanto ao seu sono, quanto ao seus limites físicos e mentais.

A terceira metáfora é a do lavrador, nos diz um provérbio:

O preguiçoso não ara a terra na estação própria; mas na época da colheita procura, e não acha nada[xii].

O resultado de uma vida ministerial que quer colher sem plantar é a frustração. Mas todo o processo de plantio é árduo e requer sacrifícios por parte do lavrador. Ele deve cuidar da terra, extirpar aves e animais que queiram destruir a lavoura, observar o avanço das ervas daninhas, deve laborar de madrugada para que no futuro tenha colheita. Como terá boa colheita de não teve zelo da semeadura a ceifa? Não haverão resultados positivos.

Por fim nesta parte precisamos considerar o versículo 7. Paulo diz a Timóteo, medita nessas coisas, pondere, reflita. Não haverá forças em nossas almas e corpos sem a meditação na Palavra de Deus. Timóteo devia considerar as instruções de Paulo. Essas são grandes verdades para nós. Como suportaremos tão grandes provações e tentações sem uma vida devocional disciplinada e cheia de zelo por Deus? Nossa constância não depende da nossa disposição, depende de obediência a Deus. haverá dias que não desejaremos o ministério, que não desejaremos resolver problemas, que não teremos desejo de aconselhar, ou mesmo de pregar, mas, devemos ir e fazer o que fomos chamados a fazer. Muitas vezes somos tomados pelo pecaminoso sentimento de autocomiseração e abandonamos a missão. Medita nessas coisas Timóteo. Uma expressão constante na epístola é Tu Porém, isso implica em, faça isso. Mova-se, não fique ai parado se lamentando, levante-se e pregue a Palavra de Deus.

A Escritura e a pregação em tempos difíceis

Não podemos deixar de considerar um ponto importante nas recomendações de Paulo a Timóteo quanto a seu ministério pastoral, a pregação. As recomendações apostólicas é que Timóteo deveria ser perseverante na pregação, mesmo que ninguém ouvisse, mesmo que fosse ignorado, aprendemos que a pregação deve agradar a Deus e não aos homens. Quando a palavra pregada é fruto da fidelidade do pregador a Palavra revelada, Deus usará o conteúdo do que está sendo dito, porque o compromisso de Deus é com sua Palavra.

Devemos considerar dois pontos importantes com respeito à Pregação, o primeiro é que ela deve ter compromisso com a exposição da vontade de Deus revelada na Escritura que é bafejada por Deus, dada pelo Espírito Santo. A segunda verdade que devemos considerar é que essa Palavra dada por Deus como revelação salvadora e santificadora deve ser exposta seguindo fielmente os propósitos que a própria Palavra de Deus cumpre ou que Deus intentou para a revelação.

Por isso iremos fazer uma breve análise de dois textos contidos no capítulo 3 e no capítulo 4. Devemos notar a conexão e a lógica paulina empregada para a pregação, esta como uma extensão consequente a revelação dada por Deus, não extensão em termos canônicos, mas, no sentido que a pregação deve reverberar fielmente a revelação de Deus, tanto na sua explicação/interpretação como em sua aplicação.

Em termos de interpretação considero necessário pontuar algumas questões antes de entrarmos propriamente no texto bíblico. O pregador primeiramente deve ter um compromisso inigualável com a Palavra de Deus, com seu estudo com diligência, apreço, temor, fé, devoção. O trabalho de interpretação da Escritura no labor ministerial não deve ser algo encarado como um trabalho de interpretação de um documento qualquer como uma peça jurídica ou um texto poético ou filosófico. Esses textos podem ser interpretados sem que o intérprete tenha nenhum compromisso com eles, no texto sagrado não é assim. O arauto de Deus deve ter compromisso devoto ao texto sagrado. Sua fé na mensagem ali contida é crucial para uma correta interpretação e aplicação do texto, se o intérprete/pregador não crê no que está escrito na revelação de Deus seu trabalho de proclamador é inútil, não em relação a Palavra mesma, porque ela é poderosa para cumprir aquilo para o que o Senhor a destinou (Is 55.11), mas é inútil em relação a ele mesmo, ou ainda pior, ela é pregada contra o próprio pregador para sua condenação. Nos disse o apóstolo Paulo em Romanos 2.1-6:

“Portanto, você, que julga os outros é indesculpável; pois está condenando você mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas. Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais coisas é conforme a verdade. Assim, quando você, um simples homem, os julga, mas pratica as mesmas coisas, pensa que escapará do juízo de Deus? Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento? Contudo, por causa da sua teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra você mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento. Deus “retribuirá a cada um conforme o seu procedimento”.

Este é um ponto importante no ministério pastoral e Paulo lembra Timóteo disso no capítulo 3.15: Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. A palavra a ser proferida pelo pregador em tempos de crise e adversidade tanto para ele quanto para sua congregação deve primeiro ter alcançado sua própria alma, isso é básico, mas, esquecido. Corremos o perigo de sermos engolidos pelo excesso de atividades e demandas do ministério e esquecermos completamente nossa vida devocional, podem alimentar outros e estarmos com fome, não convém que seja assim, antes que o obreiro pastoreie as ovelhas do Senhor precisa pastorear seu coração.

O primeiro texto que iremos considerar propriamente está no capítulo 3.16, 17. É um texto clássico e importante sobre a inspiração da Sagrada Escritura. Consideremos pois: Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.

Consideremos aqui os objetivos específicos e o objetivo geral da Palavra de Deus revelada e registrada na Bíblia. A Bíblia é bafejada por Deus, soprada. Essa linguagem é concorrente na Escritura, ou seja, ela segue um fluxo desde o AT. O Espírito que pairava sobre as águas na criação (Gn 1.2), o fôlego de vida que foi soprado em Adão (Gn 2.7), o Espírito que desce sobre Maria (Lc 1.35) para gerar o verbo em seu ventre, o Espírito soprado sobre os discípulos por Cristo (Jo 20.22). O Espírito é mostrado como vento e sopro em vários lugares da Bíblia, Jesus disse: O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito (Jo 3.8). O Espírito de Deus sendo descrito como vento ou sopro na Escritura geralmente tem a ver  com vitalidade, com ordenamento, com capacitação. O termos “inspirada” em 2 Tm 3.16, literalmente é bafejada, lembra a ideia de sopro. Deus deu a Escritura, a vida na mensagem da Escritura e ela promove vida, essa é uma questão importante a considerar no ministério de pregação. Os objetivos específicos da Escritura são apontados pelo apóstolo.

A Escritura ensina, isso faz parte da essência da Escritura e no seu ensino temos repreensão, ela reprova toda conduta que desagrada a Deus, ela denuncia o pecado, a rebelião contra Deus. Ela corrige, não apenas mostra o erro, ela conduz ao caminho correto ela é lâmpada e luz (Sl 119.105). Ela instrui ou educa, a ideia é de transformação, ela nos muda, sua mensagem é poderosa para transformar vidas, a Escritura não apenas informa sobre as verdades de Deus ela transforma pessoas. Então chegamos ao objetivo geral – para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. O termo “Homem de Deus” é usado no AT várias vezes e relacionado ao ministério profético. O profeta era aquele que comunicada a vontade de Deus ao povo. Falava da parte de Deus, trazendo suas reprovações, correções e instruções para restauração. Isso não serve apenas para o povo, mas, primeiramente para o pastor. A Escritura molda o ministério pastoral, nosso serviço a Deus não pode ser moldado pelo espírito de nossa era, mas, pelo Espírito de Deus que usa a Palavra. Dito isso consideremos o segundo texto. Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos por sua manifestação e por seu Reino, eu o exorto solenemente: Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina (2 Tm 4.1,2).

Nesse texto temos a continuidade do que Paulo estava falando a Timóteo. Paulo estava falando no capítulo três do poder, origem, natureza e finalidade da Escritura, agora Paulo aplica isso a pregação do ministro do evangelho. Há uma exortação solene vinda de Deus por meio de Paulo. Deus que é o soberano juiz – Pregue a Palavra. Esse é um imperativo que nos estremece. Dado todo o contexto da epístola, Timóteo sofrendo, com medo, tímido, acuado e assustado diante dos dentes raivosos dos lobos que queriam destruir o rebanho, Paulo diz ao jovem Pastor, pregue! A Palavra de Deus repreende, faça isso Timóteo. A Palavra de Deus corrige, ajude aos que se arrependerem Timóteo. A Palavra de Deus educa, veja a obra realizada pelo Espírito Santo!

Mas Timóteo tinha que ter consciência que o ministério de pregação não seria aceito por todos, o ministro não deve ansiar aprovação humana, haverá oposição a um ministério que é fiel a Deus. Paulo no entanto diz, esteja preparado Timóteo, em qualquer momento, então as atribuições dantes mostradas na natureza e finalidade da Escritura agora aparecem na pregação – repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina. Mas, há uma informação a mais aplicada a pregação, paciência, longanimidade. O ensino deve ser doutrinariamente fiel as Escrituras, mas, o ministro deve ser paciente, nem tudo acontecerá no tempo que esperamos. Paulo nos traz grandes instruções, temos grande aprendizado nessa grandiosa epístola.

Conclusão

Inevitavelmente o sofrimento está relacionado a natureza do ministério pastoral, mas, temos exortação, consolo e edificação na Palavra e no Espírito que nos dizem em alto e bom som – medite nessas coisas (2.7) e Pregue a Palavra (4.2), amém.


[i] https://overbo.news/pesquisa-pastores-abandonam-ministerio/

[ii] Ibdem.

[iii] Bíblia Shedd. Ed. Vida Nova, São Paulo, p.1694.

[iv] KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia – Novo Testamento. Ed. Vida Nova, 2017, p. 732.

[v] Recomendo a leitura do comentário escrito por John Stott.

[vi] LOPES. Hernandes Dias. 2 Timóteo. O testamento de Paulo à igreja. Ed. Hagnos, 2014, p.8.

[vii] CFW, X. 1,2. http://www.monergismo.com/textos/credos/cfw.htm

[viii] 2 Tm 1.8-11.

[ix] Atos 20. 29-31.

[x] STOTT, John. A Mensagem de 2 Timóteo – Tu Porém. Ed. ABU, 5ª Edição 2001, p. 22.

[xi] 2 Tm 2.3-7.

[xii] Pv 20.4.